O horário de verão no Brasil perdeu impacto na economia de energia devido a mudanças tecnológicas, hábitos de consumo e uso crescente de ar-condicionado e não deve voltar em 2025. (Imagem: souayang em Adobe Stock)
O horário de verão alongou os fins de tarde e foi sinônimo de economia de energia durante décadas, além de garantir que grande parte dos trabalhadores voltassem para suas casas ainda sob a luz do sol. A lógica é simples: adiantar o relógio em uma hora para aproveitar melhor a luz natural e aliviar o sistema elétrico nos períodos de pico de consumo, do fim da tarde ao início da noite. Mas o Brasil de 2025 não é o mesmo de 2019 — último ano em que o País fez uso do horário de verão.
De lá para cá, mudanças tecnológicas e de comportamento dos brasileiros reduziram ou até, como defendem alguns especialistas, eliminaram os ganhos da medida. Hoje, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o impacto do horário de verão seria mínimo ou neutro e, em alguns casos, poderia até atrapalhar o equilíbrio da rede.
Mas nem todos concordam. Para parte dos especialistas, a mudança no relógio ainda poderia ter efeitos positivos se vista sob uma nova lógica, a da geração solar distribuída.
“O horário de verão poderia antecipar o consumo da ponta para um momento em que ainda podemos ter uma parcela da geração solar ativa, aliviando parcialmente esse problema”, contrapõe André Luiz Gimenes, professor do departamento de energia e meio ambiente da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo ele, o sistema elétrico atual convive com um excesso de geração de energia à tarde, quando há mais sol e maior produção por placas solares, e um problema no horário de ponta, quando a geração solar não está mais presente e o sistema precisa acionar as usinas termelétricas, de produção mais cara.
Em 2024, 14% da eletricidade do País veio de usinas termoelétricas, segundo o ONS. Elas entram em ação quando falta água nos reservatórios, mas custam até três vezes mais do que a energia das hidrelétricas e ainda emitem mais poluentes.
O que mudou no sistema elétrico brasileiro: o inimigo agora é outro
Parte da lógica que sustentava o horário de verão mudou e o principal “vilão” também já não é mais o mesmo. Quando a mudança no horário foi idealizada, o consumo de energia se concentrava no início da noite, quando as pessoas chegavam em casa, acendiam as luzes e ligavam a maioria dos eletrodomésticos. O horário de verão ajudava a diluir esse pico ao aproveitar mais tempo de claridade natural.
Hoje, o cenário se transformou. Com verões mais quentes e ondas de calor cada vez mais intensas, o uso de ar-condicionado passou a se concentrar no meio da tarde, entre 14h e 16h, justamente quando o calor está mais intenso. Esse deslocamento do pico de consumo fez com que o benefício do horário de verão sofresse grande redução, já que mais cedo ou mais tarde o aumento do consumo de energia elétrica não faria diferença.
“O horário de verão deixava o consumo mais equilibrado quando o problema era a iluminação. Agora, o que pesa é a climatização”, resumem técnicos do ONS.
Climatização é o nome dado a tudo que envolve deixar a temperatura da casa ou escritório mais confortável, ou seja, envolve o uso de ar-condicionado, ventilador ou aquecedor.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), esses equipamentos já respondem por cerca de 20% da energia consumida nas casas brasileiras. Num exemplo simples, um imóvel de 60 m² com dois moradores e um ar-condicionado de 12 mil BTUs (capacidade de refrigeração) ligado por seis horas diárias consome em média 100 quilowatt-hora (kWh) por mês só com o resfriamento.
Com a tarifa de energia (média nacional) em torno de R$ 0,75 por kWh, isso equivale a cerca de R$ 75 na conta de luz, valor que quase dobra durante ondas de calor.
LED, hábitos e home office: por que a economia do horário de verão encolheu
Lâmpadas mais modernas
Outro fator que enfraquece o argumento energético para o horário de verão vem da substituição massiva das lâmpadas incandescentes pelas do tipo LED. Tais modelos são até 80% mais eficientes, o que reduz bastante o custo da iluminação artificial — um dos principais motores da mudança do relógio no passado.
Substituição massiva das lâmpadas incandescentes no País pelas do tipo LED enfraquece o argumento energético para a volta do horário de verão em 2025. (Imagem: ohsuriya em Adobe Stock)
Segundo dados do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), 32% das lâmpadas residenciais em 2019 já eram de LED. Hoje, a fatia ultrapassa dos 70%. Ou seja, o horário em que as luzes são acesas já não faz tanta diferença no consumo final.
“Esses avanços já são contemplados no planejamento do sistema elétrico brasileiro e são fundamentais para a redução de custos e impactos ambientais”, explica Gimenes, da USP. O professor ressalta, porém, que “a eficiência não resolve a complexidade atual decorrente da disseminação da geração eólica e solar e o descasamento entre essa geração e o consumo em determinados horários”.
É isso que provoca o curtailment, os cortes de geração renovável (solar e eólica) por excesso de oferta de energia em certos momentos do dia – mais detalhes nesta reportagem.
Hábitos e consumo mais espalhados ao longo do dia
A rotina doméstica e corporativa também mudou. Otrabalho remoto ampliou o uso de energia em horários variados e o consumo deixou de se concentrar apenas à noite. A climatização, o uso de computadores e o funcionamento contínuo de aparelhos eletroeletrônicos tornaram o padrão de demanda mais plano, mas também mais alto que no passado, com picos em momentos do dia que o horário de verão não atenua.
Em muitos dias úteis, o ONS já registra o pico de carga entre 14h e 15h, o que desmonta o argumento histórico da economia de energia entre 18h e 21h.
A variável temperatura passou a ser determinante para o perfil de carga elétrica. Em dias quentes, o uso do ar-condicionado cresce de forma tão abrupta que neutraliza qualquer ganho que viria da iluminação natural.
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Na prática, o calor “anula” o benefício do horário de verão. Mesmo com mais luz, o ar-condicionado segue ligado.
Ganho e custo real
Os cálculos oficiais mostram que os ganhos de energia seriam hoje modestos. Segundo estudos do ONS, a economia potencial em geração térmica ficaria entre R$ 244 milhões e R$ 356 milhões em um verão típico, dependendo das condições climáticas e hidrológicas.
Energia produzida por usinas termoelétricas custa quase três vezes mais que a geração por hidrelétricas e servem de argumento para a volta do horário de verão em 2025. (Imagem: Roman em Adobe Stock)
Parece muito, é verdade, mas representa uma fração mínima diante do custo operacional e da complexidade de sincronizar horários de trabalho, transporte e sistemas.
“Os impactos do horário de verão são de naturezas diferentes. Muitos, especialmente os físicos e psicológicos, nem sequer podem ser monetizados”, observa Gimenes.
“O ganho energético se traduz em uma possível redução de demanda no horário de ponta e consequente redução de custos com termelétricas mais caras, diminuindo o custo da energia para o consumidor”, completa o professor da USP.
Políticas para o futuro
Em paralelo, o Brasil adotou políticas mais robustas de eficiência energética, que já entregam parte da economia buscada com o horário de verão.
Novas normas do Inmetro exigem etiquetas que informam o consumo anual de eletrodomésticos e climatizadores, estimulando a compra de modelos mais econômicos. A qualidade dos LEDs também é fiscalizada, para que chegue ao mercado produtos que realmente consomem menos.
A soma dessas medidas estruturais faz com que o horário de verão tenha deixado de ser a principal ferramenta de racionalização do uso da energia.
“Hoje precisamos repensar o modelo operacional e regulatório do setor elétrico para melhor acomodar o avanço das energias intermitentes solar e eólica”, afirma Gimenes. “Ainda não dispomos de uma resposta satisfatória para esse problema. Aumentar a eficiência nos usos é um fator preponderante na busca por uma economia de baixo carbono e melhor desempenho econômico.”
5 atitudes para baixar a conta de luz sem trocar o relógio
Mesmo com a volta improvável do antigo ajuste no relógio, há formas eficazes de reduzir o consumo e aliviar o bolso:
Aposte em LEDs de boa qualidade e aproveite a luz natural ao máximo;
E o lado social? Bem-estar, comércio e rotina urbana
No imaginário popular, o horário de verão ainda traz a lembrança de tardes luminosas, ruas cheias e cafés sob o sol poente. O tempo a mais de claridade costumava motivar atividades ao ar livre, de convívio e de lazer.
Defensores do retorno do horário de verão em 2025 argumentam que medida favorece o bem-estar físico e mental. (Imagem: FS-Stock em Adobe Stock)
Alguns ainda defendem que a luz tem um valor que não se mede apenas em quilowatts. Estudos publicados na revista científica Journal of Post-Acute e Long-Term Care Medicine indicam que a maior exposição ao sol no fim do dia contribui para o bem-estar físico e mental, ajudando na regulação do sono, na produção de vitamina D e até na sensação de produtividade.
Comércio, bares e restaurantes também costumam ganhar fôlego no período, assim como o turismo e a vida urbana em cidades litorâneas e turísticas.
Enquanto o horário de verão não volta, se é que vai retornar em 2025, ele permanece como lembrança de dias mais longos e de uma rotina que parecia ter outro ritmo. Para muitos, entre uma hora a mais ou a menos, o Brasil seguia sob o mesmo sol, buscando equilibrar a vida e a economia de energia.