Comportamento

Criptos: Mulheres ignoradas por Wall Street tentam história diferente

Estudos mostram que equipes com diversidade alcançam lucros maiores em todas as áreas

Criptos: Mulheres ignoradas por Wall Street tentam história diferente
Foto: Envato Elements
  • Embora o bitcoin tenha sido inicialmente desenvolvido em torno da ideia de encorajar a equidade financeira, 75% dos detentores de criptomoedas são homens
  • As disparidades de gênero têm persistido no setor de serviços financeiros há gerações
  • Há muitas provas mostrando como equipes com diversidade alcançam lucros maiores em todas as áreas

(Sarah Diamond, Bloomberg) – Nos últimos meses, a ideia de um “Hot Vax Summer” (expressão usada para o possível aumento de atividades sociais e uso de apps para relacionamentos no verão após os americanos serem vacinados contra a covid-19) em 2021 – parece estar por todos os lados, independentemente de isso ter virado realidade ou não.

Mas um fenômeno menos conhecido do verão de 2020 – o DeFi Summer (Verão de Finanças Descentralizadas) – teve, sem dúvidas, uma consequência: o modelo de finanças descentralizadas de criptomoedas passou por um aumento meteórico de valor. Um token, o Uniswap, foi de uma avaliação de US$ 200 milhões, em abril de 2020, para US$ 15 bilhões, em setembro.

O DeFi Summer fez com que as criptomoedas ganhassem a atenção do público em geral e iniciou o frenesi que levou a 10 milhões de usuários adicionais da carteira de criptomoedas MetaMask. Ele também levantou uma importante questão: o futuro do sistema financeiro digital será construído de forma equitativa?

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As criptomoedas são moedas digitais que podem ser mantidas como investimentos ou usadas para comprar bens e serviços. O bitcoin é amplamente considerado como a primeira moeda descentralizada, o que significa que as transações são realizadas por meio de um livro-razão público, no lugar de uma única autoridade centralizada. Um sistema descentralizado depende da confirmação P2P dos pagamentos. Os bancos não são intermediários entre os usuários e, portanto, não há tarifas de transação.

O bitcoin foi criado por um desenvolvedor anônimo, que usou o pseudônimo Satoshi Nakamoto, após a crise financeira de 2008, como uma alternativa ao sistema bancário tradicional. Desde então, o valor do bitcoin disparou. Embora seja, de modo geral, um ativo volátil, um investimento de US$ 100 feito em 2009 em 1.000 bitcoin atualmente vale quase US$ 50 milhões.

Uma era inclusiva para as criptomoedas

Embora o bitcoin tenha sido inicialmente desenvolvido em torno da ideia de encorajar a equidade financeira, 75% dos detentores de criptomoedas são homens, de acordo com um relatório americano sobre criptomoedas de 2021. As disparidades de gênero têm persistido no setor de serviços financeiros há gerações, mas muitas pessoas esperavam que as criptomoedas anunciassem uma nova era de diversidade no mundo das finanças.

Kinjal Shah era uma das pessoas que acreditava nisso. Kinjal é sócia-sênior da Blockchain Capital e uma investidora do Coletivo Komorebi para mulheres e fundadores de criptomoedas não binários. Ela vê o potencial para criar esse novo sistema financeiro de forma diferente e espera que mais mulheres e minorias entrem no mercado de US$ 2 trilhões.

“Se isso é o futuro das finanças, quero mais mulheres compartilhando uma fatia disso tudo”, disse ela.

Kinjal é uma das muitas mulheres e pessoas não-binárias programadoras, analistas e fundadoras de empresas de blockchain trabalhando para conduzir as moedas digitais para um futuro mais inclusivo. Ela tem medo de recriar o sistema financeiro original e trabalha ativamente contra isso, afirmou. “Não quero que aqueles entrando no mundo das criptomoedas sintam que estão fazendo a transição da velha Wall Steet para a nova Wall Street”, disse Kinjal. “Quero que o ambiente seja acessível e inclusivo.”

Kinjal Shah: A cara do setor de criptomoedas é muito masculina

Julia Rosenberg é uma das poucas fundadoras de uma empresa de blockchain no setor de criptomoedas que é mulher. No início de 2021, ela estava levantando capital para sua organização, a Orca Protocol, quando se deparou com uma dura realidade. “Quando comecei o processo de arrecadação de fundos”, disse Julia, “levei quatro semanas, desde o início do processo, até encontrar uma investidora.” Essa investidora era Kinjal, da Blockchain Capital.

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Julia e Kinjal viram a oportunidade de delinear o mundo emergente de DeFi de um modo diferente dos atuais sistemas de tecnologia e financeiro aos quais estavam acostumadas. Para Julia, isso significava contratar e recrutar mulheres ativamente, sobretudo para atuar no lado técnico. Dentre seus nove funcionários, a Orca Protocol tem mulheres atuando nos cargos de cofundadora, CEO, consultora e chefe de design de produto.

Kinjal estudou economia quantitativa na Universidade Tufts e trabalhou no sistema financeiro tradicional como analista na Fidelity Investments por dois anos antes de entrar no setor de DeFi. Ela disse que está acostumada a ser a única mulher em uma sala. “Ter diversidade à mesa na hora de tomar decisões em relação a um produto vai resultar em soluções melhores”, disse ela.

Agora, em um esforço para diversificar a comunidade de blockchain, Kinjal faz parceria com a organização Women in Blockchain para financiar e apoiar fundadores de criptomoedas mulheres e não binários. “Olhando de fora, a cara do setor de criptomoedas é muito masculina”, disse Kinjal. “Agora, que estou do lado de dentro, conheço muitas mulheres.” Porém, a visibilidade delas, afirmou, e seu acesso a oportunidades de financiamento ainda são um projeto em andamento.

Diversidade impulsiona os lucros

Há muitas provas mostrando como equipes com diversidade alcançam lucros maiores em todas as áreas. De acordo com um estudo do Centro Nacional de Mulheres e Tecnologia da Informação (NCWIT, na sigla em inglês), equipes com diversidade tendem a se manter dentro do cronograma e do orçamento, a demonstrar uma dinâmica de equipe superior e a ganhar mais dinheiro.

Mesmo assim, disse Terry Hogan, fundadora do NCWIT, as mulheres saem dos empregos técnicos corporativos duas vezes mais que os homens. Como disse Terry: “O inimigo é a cultura, que é a natureza sistêmica da razão de não haver mais mulheres na tecnologia.”

Angela Minster sofreu com preconceitos por atuar na área e ser mulher, afirmou, principalmente no setor das moedas digitais. Angela trabalha como programadora na Flipside Crypto, uma empresa de moeda digital. Ela disse que ainda tem dificuldades ao ser uma das poucas mulheres a trabalhar com criptografia – e em bate-papos em grupo com foco na privacidade em plataformas como Discord e Telegram.

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Para se manter atualizada em relação às mais recentes inovações de blockchain em curso, é necessário participar de comunidades online, disse ela. Mas devido à cultura em alguns desses bate-papos, Angela disse que esconde o fato de ser uma mulher. “As conversas são muito repugnantes”, disse ela. “Eu tento minimizar o quão óbvio é eu ser uma mulher.”

De acordo com JeffriAnne Wilder, cientista pesquisadora sênior do NCWIT, as microagressões e os preconceitos implícitos são as principais barreiras para as mulheres no setor de tecnologia. “O estereótipo de um ‘geek de tecnologia’ não é uma garota”, afirmou. Em um de seus estudos, ela pediu que alunos do jardim de infância ao ensino médio desenhassem um cientista. Tanto as meninas como os meninos desenharam cientistas do sexo masculino. “Isso mostra que, mesmo quando as crianças estão no início de sua vida escolar, na prática, as mensagens já estão consolidadas”, disse JeffriAnne.

Esta é exatamente a mensagem que Maggie Love, fundadora da SheFi, organização sem fins lucrativos que investe na educação de finanças descentralizadas para mulheres e minorias, espera mudar. Ela entrou no setor de blockchain em 2017 e, de cara, percebeu a falta de representação feminina e de minorias. Um grande desafio, segundo ela, é a falta de educação acessível sobre o tema. “As mulheres não falavam a respeito disso em seus grupos de amigos, nem em casa na hora do jantar”, afirmou.

Maggie criou um sistema no qual grupos de mulheres podiam usar o dinheiro arrecadado para educação financeira em criptomoedas. Elas aprendiam a pedir emprestado, investir e negociar criptomoedas.

Em pouco tempo, havia uma lista de espera de mais de 200 mulheres querendo participar da iniciativa. Ela disse que quando começou, muitas mulheres se desculpavam antes de começar uma conversa sobre dinheiro, achando que era um assunto indelicado ou desinteressante de se abordar. “Não”, disse ela, “vamos conversar a respeito disso. As mulheres deveriam estar falando sobre isso”.

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Uma das mulheres que participou recentemente de uma iniciativa da SheFi é Shailee Adinolfi, especialista em desenvolvimento internacional e mãe de dois filhos pequenos. Ela disse que participa das discussões virtuais da SheFi e escuta os áudios enquanto coloca seus filhos para dormir. “Esse é o primeiro lugar onde conversei com outras mulheres a respeito de dinheiro, sem ser em relação a quanto custa o acampamento de verão ou a creche para meus filhos”, afirmou.

O interesse de Shailee em moedas digitais surgiu de seu desejo de apoiar a inclusão financeira global. Ela espera diminuir o abismo entre as comunidades sem banco e aquelas com acesso ao banco central.

Para Cleve Mesidor, construir a ponte entre a riqueza e a política começa em casa. Cleve faz parte da comunidade haitiano-americana e cresceu no Queens. Ela também é uma das pioneiras no setor de criptomoedas e chefe da National Policy Network of Women of Color in Blockchain. Segundo ela, “há muito mais trabalho a ser feito” quando se trata de incluir as mulheres; e, sobretudo, as que não são brancas, no setor de criptomoedas.

O NCWIT divulgou em um relatório em março de 2021, com base nos dados da Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos EUA, que as mulheres negras representam apenas 3% dos profissionais de computação atuando no país.

“Sabemos que há mulheres e pessoas que não são brancas entrando nessa área”, disse JeffriAnne, “mas elas não permanecem por causa das barreiras estruturais relacionadas à valorização”. JeffriAnne disse que, apesar das melhorias recentes na preparação de mulheres e pessoas não binárias para trabalhar no setor de tecnologia, elas costumam se sentir isoladas e marginalizadas e não têm o apoio que precisam quando começam a trabalhar, o que as leva a deixar o setor.

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“A tecnologia é aqui e agora, mas também é o futuro”, disse JeffriAnne. “É importante para nós pensarmos em como podemos ser mais inclusivos com aqueles que não são brancos e nos certifiquemos de que eles estão tendo acesso a esse setor. Essa é uma área que pode reduzir as desigualdades sociais e não queremos que as mulheres que não são brancas sejam deixadas de fora disso.”

Com as criptomoedas despontando como uma classe de ativos financeiros, Cleve disse que é mais importante do que nunca mudar a narrativa em torno da diversidade no sistema financeiro. “Se vamos criar uma conduta, que ela seja inclusiva”, disse ela, “precisamos de dados que mostrem quem está tendo acesso ao capital de risco”.

Em seu papel como conselheira política e ex-nomeada para a função por Obama, Cleve fez lobby no Capitólio muitas vezes, disse ela. Mais recentemente, ela trabalhou com a Blockchain Association para explicar os impactos negativos que a regulamentação das criptomoedas poderia ter nas comunidades de pessoas que não são brancas.

“Os inovadores que não são brancos são raridade no setor de criptomoedas. Estamos alimentando o ecossistema”, disse Cleve. “Esse é um mercado livre; todos deveriam ser capazes de participar. Não podemos desperdiçar essa oportunidade.”/TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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