O nacionalismo econômico tem aumentado nos últimos anos, disse Paul Donovan, do UBS. Foto: Cheng Xin - Getty Images
Paul Donovan, economista-chefe do UBS, observa que muitos americanos ricos não se percebem como tal, o que gera confusão entre a realidade e a percepção de riqueza — uma distorção amplificada pelas redes sociais. Já Claudia D’Arpizio, da Bain & Company, aponta um aumento da chamada ‘vergonha do luxo’, com consumidores evitando compras ostensivas e marcas de alto padrão sendo pressionadas a trocar o elitismo por foco em cultura e inovação diante das tensões sociais.
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Em tempos de volatilidade econômica, a riqueza se torna um tema cada vez mais politizado. A proposta de um “grande e belo pacote” da Casa Branca, por exemplo, gerou controvérsia após estimativas do Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) indicarem que as políticas resultariam em uma perda anual de cerca de US$ 1.600 para os americanos mais pobres, enquanto os mais ricos ganhariam, em média, US$ 12.000 por ano.
Isso se deve a ajustes como o aumento da isenção para heranças e doações para US$ 15 milhões, além da elevação do teto de deduções para impostos estaduais e locais (SALT) de US$ 10 mil para US$ 40 mil.
Segundo Donovan, um dos problemas atuais no debate sobre taxação de fortunas é que muitos eleitores ricos não se reconhecem como tal. Em uma mesa-redonda recente, ele afirmou: “Estamos vendo cada vez mais uma lacuna entre a percepção e a realidade da riqueza. Muita gente diz ‘tem que ter imposto sobre milionário, mas não comigo, não sou milionário’ — mesmo sendo dono de um apartamento de dois quartos em Manhattan. Por definição, você é milionário.”
Donovan acrescenta que as redes sociais também distorcem a percepção de riqueza. Mesmo que a desigualdade não tenha piorado, as pessoas se sentem mais pobres diante das ostentações online. “Muitos são ricos, mas se veem como prejudicados porque não vivem como influenciadores nas redes sociais.”
Vergonha do luxo
Com a riqueza se tornando tema socialmente divisivo — a ponto de até os bem-sucedidos se distanciarem dessa identidade —, consumidores já estão reduzindo a compra de produtos e experiências que funcionam como símbolo de status. Segundo o relatório da Bain & Company sobre o setor de luxo, divulgado na última semana, o segmento de bens pessoais apresentou retração.
Claudia D’Arpizio, coautora do estudo, lembra que o termo “vergonha do luxo” surgiu durante a crise financeira de 2008, quando ostentar riqueza era visto como de mau gosto, num momento em que milhões de americanos haviam perdido empregos e casas. Na época, muitas lojas passaram a entregar as compras em sacolas brancas, sem logomarca, porque os clientes não queriam ser vistos com embalagens de grife.
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“Nos EUA, esse comportamento foi espontâneo, as pessoas mudaram seus hábitos por vergonha”, explicou D’Arpizio. Hoje, a tendência é impulsionada por governos — especialmente na China. “É um regime comunista que incentivou o consumo de luxo nos últimos 15 anos, à medida que a população enriquecia. Mas agora, com o crescimento em desaceleração e o desemprego entre jovens, o governo tenta evitar tensões dizendo aos ricos: ‘não ostentem sua riqueza neste momento.’”
Esse clima social, segundo ela, já começa a se espalhar para o Ocidente, e as marcas de luxo precisarão migrar do elitismo para um posicionamento mais voltado à cultura e inovação.
Ricos continuam ficando mais ricos
Apesar da ‘vergonha do luxo’ e da percepção distorcida, os mecanismos que impulsionam o crescimento do patrimônio dos mais ricos continuam ativos. “Há dois vetores independentes que devemos considerar, e nenhum deles desacelera o crescimento da riqueza”, disse Donovan à revista Fortune. “O primeiro é o aumento do nacionalismo econômico.”
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Ele citou a política “América em primeiro lugar” do governo Trump, mas destacou que esse comportamento também se espalha por países como a China. “Com frequência, há hostilidade a marcas e empresas estrangeiras — o que vimos, por exemplo, com grifes europeias na China.”
O segundo fator, segundo Donovan, é a mudança na forma como os ricos consomem: menos produtos, mais experiências. “Me perguntam o que um economista quer dizer com diversão. A resposta é: tudo o que se pode postar no Instagram. Viagens internacionais, jantares fora, shows da Taylor Swift. E roupas também, claro — afinal, você precisa de um novo look para cada post.”
Essas transformações no padrão de consumo, segundo ele, podem ser confundidas com vergonha de ostentar, quando na verdade refletem apenas novas formas de viver (e exibir) o próprio luxo.
*Esta história foi originalmente publicada na Fortune.com (c.2024 Fortune Media IP Limited) e distribuída por The New York Times Licensing Group. O conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de inteligência artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.