Comportamento

Quando a educação financeira cabe em 60 segundos no TikTok

Plataforma é a próxima a ser explorada pelos influenciadores

Quando a educação financeira cabe em 60 segundos no TikTok
(Foto: Dado Ruvic/Reuters)
  • Os “tiktokers” brasileiros também devem começar a surfar a onda da educação financeira, como no YouTube
  • No fim de 2019, a rede alcançou a marca de 1,5 bilhão de downloads. Atualmente, o segmento é mais forte nos EUA
  • Vídeos lúdicos e divertidos, como os do TikTok, chamam a atenção e cumprem um papel bacana, que é o da motivação

(Murilo Basso, especial para o E-Investidor) – O influencer norte-americano Humphrey Yang criou um vídeo de 59 segundos pelo aplicativo TikTok utilizando um punhado de arroz para mostrar o tamanho da fortuna de Jeff Bezos. A montanha de US$ 122 bilhões era a riqueza do CEO da Amazon, que está aumentando em meio à pandemia. Um pequeno montinho representava aqueles com US$ 1 bilhão e um único grão valia US$ 100 mil. Publicado na rede no fim de fevereiro, a ideia de Yang foi um sucesso e chegou a ser compartilhado no Twitter pela senadora Elizabeth Warren, então pré-candidata Democrata à presidência dos Estados Unidos.

No próprio perfil de Yang no TikTok é possível encontrar outros vídeos divertidos sobre dinheiro. Outros sucessos do influencer são um vídeo onde ele explica como é calculado o preço de um diamante e quanto alguém poderia faturar se decidisse se tornar um franqueado do Taco Bell. Os vídeos de Yang, aliás, são um exemplo de um nicho que tem crescido no TikTok: o de finanças pessoais.

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Lançado na China em 2016 e no mercado internacional um ano depois, o TikTok permite que os usuários criem e editem vídeos curtos, entre 15 e 60 segundos, usando recursos como fast forward e câmera lenta, filtros e fundos musicais. No fim de 2019, a rede alcançou a marca de 1,5 bilhão de downloads. Atualmente, o segmento é mais forte nos EUA.

No Brasil, por enquanto, a plataforma concentra mais vídeos de música e de humor. Nada impede, porém, que em breve os “tiktokers” brasileiros também surfem essa onda. Se os influencers locais que tratam de economia no YouTube já têm um público consolidado, por que não expandir o conteúdo também para o TikTok?

Alexandre Bessa, professor em cursos de especialização na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), diz acreditar que há espaço para diversas temáticas no TikTok, inclusive a financeira. “O TikTok chegou ao Brasil e está competindo pelo público do Instagram, ou seja, a Geração Y, os millennials, assim como está abraçando um público mais jovem, a Geração Z [nascidos a partir de meados da década de 1990]. Em outros lugares do mundo, já é possível ver muitos influenciadores e celebridades migrando para a ferramenta. Acredito que há muito espaço para outras temáticas, mas sempre lembrando que ‘o meio é a mensagem’, ou seja, o formato de vídeo com até um minuto e conteúdo impactante é que vai desafiar a criação de conteúdo e o surgimento de novos influenciadores”, diz Bessa.

Importância da educação financeira

Economista e professora nos cursos de Administração, Ciências Econômicas e Relações Internacionais na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), Anapaula Iacovino Davila afirma que plataformas como o TikTok acabam por democratizar o acesso à informação e, consequentemente, noções de educação financeira. Hoje, 79,1% dos domicílios brasileiros possuem Internet, segundo a pesquisa Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E em 99,2% desses domicílios o celular é utilizado para acessar a rede.

“Quando vemos que existem vídeos que falam sobre economia e educação financeira, e que esses vídeos podem chegar indiscriminadamente para pessoas de diferentes classes, podemos falar que, sim, há um papel de democratização de informações”, afirma Anapaula.

A economista ressalta, entretanto, que uma real democratização depende do fomento e interesse por conteúdos que tratam do assunto com as classes mais baixas. Segundo ela, por mais que o acesso à Internet seja bastante significativo no Brasil, a escolha do vídeo e do assunto está muito ligada à formação e à base cultural do internauta. Nesse sentido, vídeos que tratam de economia ou finanças costumam ter uma imagem mais elitizada, mesmo que tratem do tema de forma acessível.

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“As pessoas de classes C, D e E se assustam um pouco mais, salvo raras exceções. E eu posso falar com segurança sobre isso, pois dou aula de Economia num curso de alfabetização de adultos e tenho experiência em relação às reações, temores e resistências. Quando comecei esse trabalho há alguns anos, o grupo achava que eu ia falar coisas de outro mundo e que eles não teriam condições de entender. Inclusive, quando a escola propôs a eles esse curso eles se interessaram, mas acharam que não daria certo. Tudo é uma questão de aproximação”, diz Anapaula.

Por esse motivo é que a economista destaca a importância de se trabalhar com educação financeira desde cedo – e o TikTok pode ser uma ferramenta bastante útil nesse processo. Ela diz que é possível explicar a montar um planejamento financeiro a partir de um vídeo ou até mesmo de um jogo.
“Acho importante destacar que um vídeo desses também tem capacidade didática, assim como outras ferramentas que estão sendo usadas nas aulas de Economia, como jogos – tem até os tradicionais, como o Banco Imobiliário e o Jogo da Vida. Fica a questão: o aluno está brincando e consegue aprender? Consegue, sim. Assuntos sérios não necessariamente precisam ser chatos. E os vídeos vêm com essa função de quebrar um pouco esse estigma”, afirma a professora da Faap. “Mesmo parecendo ‘assunto de adulto’, a Economia, na verdade, é a ciência que fornece ferramentas para que a gente aprenda a fazer escolhas. Partindo do conceito básico da Economia, nós temos muitos desejos, muitas demandas, mas poucos recursos para satisfazê-los”.

Nesse sentido, em 2020, o Banco Central (BC) iniciou em seis estados brasileiros um programa piloto chamado Aprender Valor, que tem como foco ensinar a estudantes da rede pública, do primeiro ao nono ano do Ensino Fundamental, noções como uso consciente do dinheiro e a importância de economizar. A ideia é que o conteúdo seja incluído nas disciplinas de Português, Matemática, História e Geografia. Com o programa, o BC quer mostrar, entre outros objetivos, que qualquer pessoa consegue poupar se houver disciplina e hábito.

Risco da superficialidade?

É claro que, com vídeos tão curtos como os do TikTok, o assunto corre o risco de ficar superficial. O debate sobre um conceito econômico importante, por exemplo, seria impossível de ser esgotado em 60 segundos. Mesmo assim, Anapaula não desmerece a plataforma.

“Justamente pelo fato de serem lúdicos e divertidos é que esses vídeos chamam a atenção e cumprem um papel bacana, que é o da motivação. Em sala de aula, você pode propor uma conversa sobre o PIB, por exemplo, e de repente jogar o vídeo da fortuna do Jeff Bezos, que é mega ilustrativo. A conversa fica mais agradável, o tema ‘Economia’ fica mais leve. É uma linguagem do jovem que tem conquistado também um público de terceira idade. Deixa o produto atraente, despertando o interesse”, afirma ela, que complementa dizendo que esses vídeos cumprem o papel de passar uma dica e de introduzir o internauta a um assunto, seja para motivá-lo a se aprofundar ou mesmo para apenas sanar uma dúvida pontual.

Novos horizontes

Bessa diz que o TikTok segue uma tendência de produção e consumo de vídeos curtos que começou no Snapchat e se consolidou com o surgimento da função Stories do Instagram. Mas, apesar de a maioria do seu público ser formada por jovens, isso não significa que eles não consigam consumir conteúdos mais longos. “O mesmo jovem que consome esses conteúdos curtos também assiste a vídeos de cinco a dez minutos no YouTube e consome outras formas de streaming, como Netflix e Amazon Prime. Não é uma questão de escolher um em detrimento de outro. Trata-se de um novo tipo de consumo que surgiu por conta de plataformas que convergiram várias tecnologias de produção de conteúdo móvel”, pontua.

A popularização do TikTok entre todas as idades no Brasil é só uma questão de tempo, sendo um convite para que profissionais de diversos setores atendam à demanda de conteúdos de pílula em vídeo. “Anitta já está lá. Madonna também. Jimmy Fallon já afirmou que é seu aplicativo favorito e quase todas as integrantes da família Kardashian também estão presentes. O formato vai se popularizar entre todas as idades no Brasil assim como aconteceu em outros países”, afirma Bessa.

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