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Comportamento

Vale a pena ter um vinhedo para chamar de seu?

Na Argentina e em Portugal, duas histórias de executivos que decidiram investir em ter o seu próprio vinho

Vale a pena ter um vinhedo para chamar de seu?
Rodolfo Spielmann, do fundo Canada Pension Plan Investment na América Latina (Foto: Divulgação)
  • Rodolfo Spielmann, na Argentina, e da dupla Luiz Antônio Viana de Oliveira e José Afonso Castanheira, em Portugal, mostram que o sonho de ter uma vinícola para chamar de sua não precisa se transformar em um pesadelo financeiro
  • Os três executivos chegaram aos vinhedos de maneira diversa, mas o sucesso dos projetos tem muito em comum. O primeiro ponto é que os dois projetos não têm uma vinícola própria e nem os custos de mantê-la – os vinhos são elaborados em armazéns alugados

(Suzana Barelli*, Especial para o E-Investidor) – Tem uma piada comum no mundo do vinho – e talvez não apenas nesse segmento – de que a melhor maneira para se tornar um milionário como dono de uma vinícola é começar como bilionário. Brincadeiras à parte, os exemplos dos executivos Rodolfo Spielmann, na Argentina, e da dupla Luiz Antônio Viana de Oliveira e José Afonso Castanheira, em Portugal, mostram que o sonho de ter uma vinícola para chamar de sua não precisa se transformar em um pesadelo financeiro.

Primeiro a história de Spielmann, hoje responsável pelos investimentos do fundo Canada Pension Plan Investment na América Latina. Ele sempre gostou de vinhos e, junto com a paixão pela bebida, viu crescer o desejo de ter a sua própria vinícola. Argentino e com carreira profissional no exterior – passou os últimos 25 anos entre Europa e Brasil, e atualmente vive em São Paulo –, ele começou a pensar em ter um vinhedo em seu país natal depois do comentário de um amigo. “Foi um sócio do meu antigo emprego que me chamou atenção para a qualidade crescente dos vinhos argentinos”, lembra ele.

Em 2009, Spielmann decidiu transformar o sonho em realidade. Para isso, traçou um plano. Primeiro contratou um agrônomo consultor para visitar com ele vários vinhedos em Mendoza. “Não queria que ele achasse um vinhedo para mim, mas que fosse me mostrando as oportunidades, me ensinando”. Em menos de um ano, Spielmann selecionou três vinhedos em Lujan de Cuyo e deu o passo seguinte: contratou como consultor o enólogo Pepe Galante, que fez carreira com Nicolás Catena e atualmente é o principal enólogo da Salentein.

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Com as observações de Galante, acabou comprando um terreno de 30 hectares, sendo 27,5 hectares com vinhas já plantadas, na Calle Cobos – entre os seus vizinhos estão a Catena, a Achaval Ferrer e a Viña Cobos, projetos conhecidos pela qualidade. O vinhedo não estava em perfeito estado – foi preciso replantar 5 hectares de vinha, por exemplo, – mas tinha, como joia da coroa, uma vinha de malbec plantada em 1910. “Achei interessante um vinhedo antigo, que produz menos, com mais qualidade”, afirma.

O exemplo de Oliveira e Castanheira começou depois de muito tomar vinhos juntos – os dois são amigos de faculdade na Escola Nacional de Engenharia, no Rio de Janeiro. Hoje à frente de conselhos de empresas, Oliveira no Grupo Big, na Extrafarma e na ESPM, e Castanheira na BR Malls Participações, na Anima Educação e na Cia Vale do Araguaia, os dois amigos decidiram investir em Portugal em 2012. Logo na primeira viagem de prospecção, passaram pelo Alentejo e pelo Douro e se encantaram com uma vinha no vale Mendiz, no coração do Douro.

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José Afonso Castanheira (à esquerda) e Luiz Antônio Viana de Oliveira do projeto Duas Árvores, no Douro, em Portugal

A condição decisiva para fecharem a compra foi que Diogo Frey Ramos, o enólogo que mostrou a propriedade, assumisse o vinhedo. “Era a nossa segurança para gerir um negócio do outro lado do Atlântico”, diz Viana. Assim, a dupla comprou um terreno de 21 hectares, 16 hectares deles com vinhas classificadas, em sua maioria, com a letra A – há uma específica classificação de vinhedos no Douro, chamada de benefício, e a letra A indica as melhores uvas.

Os três executivos chegaram aos vinhedos de maneira diversa, mas o sucesso dos projetos tem muito em comum. O primeiro ponto é que os dois projetos não têm uma vinícola própria e nem os custos de mantê-la – os vinhos são elaborados em armazéns alugados. “Investimos em vinhas, que é o nosso negócio”, afirma Spielmann. Castanheira acrescenta: “Compramos uma vinha, não uma vinícola.”

É mais comum do que se imagina alugar espaços em vinícolas para elaborar o seu próprio vinho. Na instalação, é possível ter suas próprias barricas, tanques e tudo o mais. Com uma boa barrica de carvalho com preço a partir de 800 euros, aliás, não investir em uma vinícola própria é uma forma de canalizar os recursos para equipamentos que podem fazer a diferença na qualidade do vinho. Spielmann diz que só pensará em construir uma vinícola quando atingir a marca de 120 mil garrafas vendidas por ano – atualmente fica entre 30 mil e 40 mil. “Investir no prédio da vinícola seria um grande erro nesse momento”, afirma ele.

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No caso de Duas Árvores, há até uma pequena propriedade nas vinhas, usada para receber visitantes para almoços e eventos, numa aposta no enoturismo. Mas o foco é o vinhedo. No ano passado, eles compraram mais 5 hectares de vinhas, de um terreno mais perto do rio. Compraram por fotos e pelos argumentos de Frey Ramos, já que a covid-19 vem impedindo as três ou quatro viagens anuais que eles fazem para Portugal.

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Os vinhedos à beira do rio Pinhão, na região do Douro (Foto: Divulgação)

Outra semelhança é que seus donos não precisam aportar grandes quantias de dinheiro no dia a dia da vinícola. Os dois projetos se baseiam também na venda de uvas para terceiros. Assim o maior investimento foi a compra dos vinhedos, cujos valores não são revelados. Um vinhedo com vinhas produtivas na Calle Cobos está ao redor de US$ 30 mil; e no Douro, perto do rio, não sai por menos de 10 mil euros.

“Nossas vinhas são bancadas com a venda das uvas”, conta Castanheira. Há décadas, a propriedade vende suas uvas para a Symington, uma das grandes casas de vinho do Porto, o que viabiliza a sua manutenção. Atualmente, as uvas são selecionadas para os vinhos dos proprietários – atualmente a linha conta com seis vinhos, do Botas, uma linha mais simples, ao Grande Reserva – e o restante segue para a Symington.

Na Argentina, Spielmann vende dois terços da uva que produz. “Posso triplicar a produção quando eu quiser”, afirma. Quando quiser e quando conseguir: o calcanhar de Aquiles dos dois projetos é exatamente a venda da produção própria. “Como empreendedor, posso dizer que subestimei a dificuldade de vender o vinho”, conta Spielmann. “É a parte mais difícil de ter seus próprios vinhos.”

No primeiro ano de atividade, 1.500 garrafas exibiam o rótulo Spielmann e ele pensou: “se não vender, bebo com os amigos”. Mas com a produção entre 30 mil e 40 mil garrafas por ano, divididas em seis vinhos, do Pireko ao Jinete Blanco, esse elaborado apenas em safras especiais, a comercialização se tornou o maior desafio. Atualmente, 50% da produção é vendida para o Brasil, uma parte, dos vinhos mais simples, fica na Argentina, e o restante tem exportações pontuais. O mesmo acontece com o projeto português, com vendas divididas entre o país europeu e o Brasil.

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*Suzana Barelli é jornalista especializada em vinhos e colunista do Paladar, do Estadão.

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