- A CoinDesk, um site que cobre o setor de criptomoedas, publicou um furo sugerindo que a empresa irmã da FTX, a Alameda Research, contava com uma base financeira duvidosa
- Uma enxurrada de problemas para as empresas surgiram em seguida: pouco mais de uma semana depois a FTX e a Alameda entraram com um pedido de falência
- Mas agora, um dos negócios da empresa controladora da CoinDesk enfrenta seus próprios problemas financeiros e dúvidas relacionadas com suas operações
No dia 2 de novembro, a exchange de criptomoedas FTX estava avaliada em dezenas de bilhões de dólares. Seu CEO, Sam Bankman-Fried, era um bilionário e uma das pessoas mais conhecidas no mundo dos ativos digitais.
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Mas naquela manhã, a CoinDesk, um site que cobre o setor de criptomoedas, publicou um furo sugerindo que a empresa irmã da FTX, a Alameda Research, contava com uma base financeira duvidosa. Uma enxurrada de problemas para a FTX e Bankman-Fried surgiram em seguida: pouco mais de uma semana após a publicação do furo, a FTX e a Alameda entraram com um pedido de falência. Bankman-Fried agora enfrenta acusações federais de fraudes.
A reportagem da CoinDesk, escrita por Ian Allison, aumentou a visibilidade do site e o número de visitantes, uma publicação entre as inúmeras que começaram a surgir na na última década para cobrir as criptomoedas. Muitas delas foram acusadas de bajular o setor, principalmente quando ele atingiu novos patamares em 2020. Algumas, entre elas a CoinDesk, encontram-se na situação nada comum de cobrir um setor que ajuda a financiar suas operações, provocando debates quanto à independência delas.
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Mas agora, as complicações para a CoinDesk são ainda maiores. Um dos negócios de sua empresa controladora, o Digital Currency Group (DCG), firma de capital de risco com participações em diversos projetos de criptomoedas, enfrenta seus próprios problemas financeiros e dúvidas relacionadas com suas operações. Isso faz parte das consequências mais amplas no setor de criptomoedas desde a falência da FTX.
Na madrugada desta sexta-feira (20), a a Genesis, firma de serviços financeiros com ativos digitais cujo proprietário é o DCG, entrou com pedido de proteção contra falência nos Estados Unidos – veja os detalhes nesta reportagem. A empresa listou mais de 100 mil credores em um “mega” pedido de falência, com passivos agregados variando de US$ 1,2 bilhão a US$ 11 bilhões, de acordo com os documentos.
Neste mês, a exchange já havia demitido 30% de seus funcionários. E no dia 12 de janeiro, as agências reguladoras federais acusaram a Genesis de oferecer títulos não registrados na Comissão de Valores dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês) por meio de um programa que prometia aos investidores juros altos sobre os depósitos. Os reguladores disseram que a Genesis e a Gemini Trust, uma exchange de criptomoedas, levantaram bilhões de dólares em ativos de centenas de milhares de investidores sem registrar o programa.
Independência
Os desdobramentos obrigaram a CoinDesk a acompanhar seus proprietários, publicando inúmeras matérias a respeito de acontecimentos relacionados nas últimas semanas. “Cobrimos o DCG como qualquer outra empresa, faz parte da nossa cobertura habitual”, escreveu Michael Casey, diretor de conteúdo da CoinDesk, em um comunicado para o New York Times.
Amanda Cowie, chefe de comunicações do DCG, que também não quis comentar as investigações, disse que a empresa não estava envolvida nas decisões editoriais tomadas pela CoinDesk. “Como qualquer empresa de mídia de alto nível, é imperativo para o setor que o principal veículo de comunicação funcione de forma independente”, disse.
A CoinDesk surgiu em 2013, cinco anos depois de o bitcoin ser lançado. A publicação, com sede em Nova York, permaneceu pequena durante anos – em 2017, contava com cerca de dez funcionários. Mas seu crescimento acelerou durante o boom das criptomoedas, que atingiu o pico em 2021, e hoje a empresa tem 160 funcionários em países como EUA, Índia e Turquia. A CoinDesk tem estagiários e um canal de notícias que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana.
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Sob a chefia de Casey, a cobertura da CoinDesk costuma incluir matérias sobre políticas, mercados de criptomoedas e o conceito de uma internet descentralizada conhecida como web3. A publicação tem newsletters que discutem investimentos em criptomoedas, assim como as interações entre o governo e o setor.
A publicação já cobria a FTX antes da reportagem de Allison, inclusive relatando as doações para políticos de Bankman-Fried; a chegada de Jill Sommers, um ex-regulador federal, ao conselho da empresa; e suas possíveis aquisições.
Allison estava reunindo informações relacionadas à situação financeira da FTX quando, durante um evento em outubro, recebeu informações a respeito da falha no balanço da Alameda, escreveu ele num e-mail para o Times. A fonte disse que a FTT, uma criptomoeda criada pela FTX para os traders usarem em sua plataforma, estava sendo utilizada para pegar emprestado outros ativos digitais. Depois, Allison conseguiu o balanço que serviu de base para sua matéria.
O dobro de leitores
A reportagem trouxe novos leitores para o site. Em novembro, a publicação teve 17 milhões de visualizações, um aumento de 96% em relação a outubro, informou a empresa. Mais de cinco milhões dessas visualizações estavam relacionadas com a cobertura da FTX. A CoinDesk também revelou que Bankman-Fried tinha namorado Caroline Ellison, CEO da Alameda.
Nick Baker, editor-chefe assistente da CoinDesk, que trabalhou na cobertura da FTX e editou a reportagem de Allison, disse acreditar que o furo tornou a CoinDesk mais conhecida. “Ganhamos notoriedade tremendamente”, disse Baker, observando que os principais veículos de comunicação tinham citado a CoinDesk.
Ao mesmo tempo, a falência da FTX expôs alguns dos laços entre o setor de criptomoedas e as publicações dedicadas a cobri-lo. Em dezembro, o site Axios informou que o The Block, que cobre o setor, recebeu financiamento não divulgado de Bankman-Fried, incluindo um empréstimo de US$ 16 milhões da Alameda que foi usado em parte para financiar um apartamento nas Bahamas para Michael McCaffrey, o CEO do The Block.
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O dinheiro dado por Bankman-Fried suscitou dúvidas a respeito das reportagens do The Block sobre a FTX. McCaffery pediu demissão. Não conseguimos contatá-lo para comentar o assunto.
O DCG diz não ter recebido qualquer aporte financeiro diretamente da FTX ou da Alameda.
O modelo de negócios
O site, que é gratuito, depende de anúncios para obter receita. A publicação também ganha dinheiro com o Consensus Festival, um evento focado nas criptomoedas. Os palestrantes do ano passado incluíram Kimbal Musk, irmão de Elon Musk, e Frances Haugen, a ex-funcionária que fez denúncias contra o Facebook.
Casey disse que os orçamentos de marketing das empresas de criptomoedas foram prejudicados pela queda financeira do setor. Ele também disse que o próximo Consensus provavelmente será menor que o de 2022, porque há menos dinheiro de patrocínio.
Também há rumores de que a CoinDesk recebeu ofertas para ser adquirida. O site não quis dar detalhes sobre suas finanças ou a respeito de quaisquer possíveis ofertas.
Segundo Casey, a empresa está comprometida em construir o veículo de mídia que cobre o setor há mais tempo. “Minha opinião sobre as criptomoedas é que elas não vão simplesmente sumir, não importa o que qualquer pessoa possa desejar”, disse ele.
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Por ora, isso significa cobrir regularmente o DCG. A CoinDesk publicou matérias sobre as demissões na Genesis, as acusações de reguladores federais contra a Genesis e um conflito constante entre Barry Silbert, CEO do DCG, e Cameron Winklevoss, cofundador da Gemini.
“O inverno cripto sem dúvidas afeta uma plataforma de mídia como a CoinDesk”, disse Allison, o repórter que publicou o furo envolvendo a FTX, referindo-se à enorme desaceleração no setor de criptomoedas. “Mas minha esperança é que possamos continuar a reforçar a equipe e criar reportagens aprofundadas e independentes a respeito das criptomoedas.”
*Tradução de Romina Cácia