Os primeiros usos do blockchain eram puramente virtuais: criptomoedas e NFTs que representavam ativos digitais sem equivalente no mundo real. No entanto, a próxima onda de inovadores financeiros está tentando fazer o blockchain funcionar no “mundo real” tokenizando ativos tangíveis, como obras de arte, imóveis e — se depender de duas pequenas startups financeiras baseadas na Ásia — energia limpa.
Se as previsões se confirmarem, os ativos reais no blockchain podem representar uma oportunidade lucrativa: o Standard Chartered acredita que o mercado pode atingir US$ 30,1 trilhões na próxima década.
A Amber Premium, provedora de serviços cripto institucionais sediada na Tailândia, e a Evolve, uma empresa de infraestrutura tokenizada especializada em energia renovável, são pequenas em escala global: a capitalização de mercado da Amber gira em torno de US$ 600 milhões, enquanto a Evolve administra uma base de ativos relativamente modesta.
Ao contrário de gigantes cripto como Binance ou Coinbase, Amber e Evolve atuam em nichos, mas seu foco em tokenizar infraestrutura real é um exemplo de como a Ásia está transformando as finanças digitais.
O elo entre Amber e Evolve são os tokens: a conversão de ativos reais em tokens digitais na blockchain. Em tese, isso oferece às instituições uma alternativa atraente às estruturas tradicionais de investimento. Em vez de múltiplos intermediários financeiros, os investidores têm propriedade direta e auditável por meio da blockchain. Esses tokens podem ser divididos e negociados livremente, e contratos inteligentes podem automatizar a distribuição de rendimentos.
Esses tokens representam ativos físicos ou financeiros tangíveis — parques solares, títulos públicos, frotas de veículos elétricos — trazendo rendimento real, menor volatilidade e transparência legal aos mercados cripto. A Amber Premium permite que clientes mantenham, em uma única carteira digital, dívidas de energia limpa tokenizadas, stablecoins de mercado monetário e outros ativos. Já os tokens da Evolve estão vinculados a fazendas solares e redes de baterias, conectando sem fricção a infraestrutura industrial às finanças digitais.
A Amber Premium, liderada pelo CEO Wayne Huo — ex-trader do Morgan Stanley —, recentemente se fundiu com a iClick, garantindo listagem na Nasdaq e se posicionando como uma operadora cripto institucional totalmente regulada. A estrutura regulatória da Amber abrange múltiplas jurisdições: sua unidade em Cingapura (antiga Sparrow Tech) opera sob a Autoridade Monetária de Cingapura (MAS), enquanto outras subsidiárias possuem licenças adaptadas a mercados asiáticos locais. A empresa investe pesado em compliance, buscando atender às expectativas de clientes institucionais e reguladores.
A listagem na Nasdaq consolidou a Amber como uma porta de entrada institucional para a “Web3” — termo usado para descrever uma internet baseada em tecnologias blockchain descentralizadas. Huo assumiu o comando, aproximando a empresa das finanças tradicionais.
A clientela da Amber Premium é marcadamente institucional. No 1º trimestre de 2025, a plataforma registrou cerca de 928 clientes ativos — acima dos 891 do ano anterior —, que juntos detinham US$ 1,275 bilhão em ativos sob gestão. Esses clientes incluem bancos regionais, family offices, fundos hedge e tesourarias corporativas na Ásia, Oriente Médio e América do Norte. Uma parte significativa vem da Grande China (região que inclui a China continental, Hong Kong, Macau e Taiwan), buscando exposição a ativos digitais diante da incerteza quanto ao tratamento das criptomoedas na China continental (área sob a jurisdição da República Popular da China, excluindo Hong Kong, Macau e Taiwan).
A Amber ainda é pequena, com receita de apenas US$ 14,94 milhões no primeiro trimestre de 2025, frente a US$ 1 milhão no ano anterior. A empresa ainda não é lucrativa, priorizando infraestrutura, licenças e compliance regulatório em detrimento de ganhos imediatos. Sua receita segue os altos e baixos do mercado cripto: em 2024 faturou apenas US$ 33 milhões, contra US$ 308 milhões em 2021, no auge do boom cripto durante a pandemia. As ações perderam metade do valor desde o IPO, caindo de cerca de US$ 12,80 em março para US$ 6,50 atualmente. Analistas atribuem a queda à baixa visibilidade, pouco volume de negociação e ceticismo quanto à viabilidade de híbridos cripto-financeiros após o colapso da FTX em 2022.
A Evolve, fundada por Maverick Hui — pioneiro em ETFs cripto no Canadá e na regulamentação inicial de ativos digitais —, está transformando infraestrutura de energia renovável, como estações de troca de baterias, fazendas solares e redes de recarga para veículos elétricos, em tokens digitais que oferecem retornos proporcionais aos investidores. Alguns de seus ETFs, incluindo os vinculados ao Bitcoin e ao Solana, receberam aprovação da Comissão de Valores Mobiliários de Ontário. A empresa faz parcerias com custodiantes licenciados nos EUA, como a Coinbase Custody Trust, para ativos transfronteiriços.
Hui está focado em ativos de energia limpa que geram rendimento, especialmente por meio da Mile Green, fabricante de patinetes elétricos e estações de baterias. No início de 2025, a Mile Green obteve US$ 50 milhões do CMAG Funds, fundo de investimento privado sediado em Cingapura, para expandir infraestrutura de troca de baterias e recarga de veículos elétricos no Sudeste Asiático e em partes da África.
A controladora da Fortune detém participação minoritária no CMAG Funds. Chatchaval Jiaravanon, proprietário da Fortune, também investe na Amber, na Mile Green e na Evolve. Recentemente, Chatchaval participou de um aporte privado de US$ 25,5 milhões na Amber.
A Mile Green é parceira de infraestrutura da Evolve: ela desenvolve os ativos de energia limpa, que a Evolve converte em tokens digitais de padrão institucional. Agora, investidores podem acompanhar o desempenho desses ativos diretamente pelos tokens, sem depender de relatórios corporativos.
Ásia na dianteira das criptos
A Ásia lidera as finanças tokenizadas, graças a regulamentações mais claras, “sandboxes” de inovação e startups dispostas a experimentar. Mesmo a China continental, que proíbe grande parte da negociação e mineração de criptomoedas, está testando blockchain empresarial por meio da rede estatal BSN (Blockchain-based Service Network) e de sua moeda digital oficial, o e-CNY.
Os centros financeiros de Hong Kong e Cingapura estão entre as jurisdições mais cripto-friendly da Ásia, embora reguladores ainda mantenham cautela. Produtos tokenizados enfrentam restrições rigorosas, o acesso do varejo é fortemente controlado e os processos de aprovação podem ser imprevisíveis. Uma limitação importante é a dificuldade na transferência de ativos tokenizados entre carteiras — muitas vezes sujeitas a restrições ou aprovações complexas, o que limita a adoção em massa.
Mudanças políticas em Washington também estão beneficiando plataformas cripto asiáticas. O segundo mandato de Donald Trump adota postura mais favorável ao setor. Em janeiro, o presidente assinou uma ordem executiva para promover o crescimento responsável do blockchain, suspendeu medidas contra exchanges como Coinbase e Binance, e a SEC criou a força-tarefa “Crypto 2.0” para esclarecer regras, se afastando da abordagem mais cética da administração Biden.
Em março, a Casa Branca anunciou a criação da Reserva Estratégica de Bitcoin e do Estoque de Ativos Digitais, incluindo Bitcoin, Ethereum, Solana, XRP e Cardano como ativos digitais nacionais. Em agosto, novas regras abriram planos de aposentadoria 401(k) para cripto, private equity e imóveis — desbloqueando trilhões em capital institucional potencial.
O governo também apoiou o GENIUS Act, que esclarece as regras para stablecoins. Essas medidas juntas prometem uma base mais favorável e juridicamente estável para o crescimento do setor.
Essas mudanças beneficiam tanto a Amber quanto a Evolve. A Amber, listada na Nasdaq, ganha legitimidade regulatória e melhor acesso ao mercado dos EUA. A infraestrutura tokenizada e geradora de renda da Evolve pode atrair fundos de pensão e investidores fiduciários em busca de novos tipos de ativos.
Com os EUA suavizando sua postura e a Ásia reforçando o foco em finanças digitais, empresas como Amber Premium e Evolve estão discretamente construindo a “tubulação” financeira para a próxima fase de adoção do blockchain — e trazendo o mundo real para dentro dele.
Ainda há um longo caminho. A liquidez é escassa, as avaliações seguem deprimidas e o setor é vulnerável a mudanças regulatórias globais. E persiste a questão da titularidade: como garantir que um token digital na blockchain confere um direito claro e executável sobre o ativo real em questão?
As finanças tokenizadas ainda estão nos primeiros estágios — mas a infraestrutura está amadurecendo. A Ásia não inventou o blockchain. Mas pode ser o lugar onde ele se tornará realidade.
Esta história foi originalmente apresentada na Fortune.com
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