

A FTX, exchange de criptomoedas que faliu em meio a uma crise de liquidez no início deste mês, deve aos credores pelo menos US$ 3 bilhões, segundo um novo documento judicial. E deve a dez de seus credores pelo menos US$100 milhões.
As revelações, que têm como origem um documento entregue ao Tribunal de Falências dos Estados Unidos, em Delaware, oferecem um relatório surpreendente do número enorme de instituições que investiram consideravelmente, emprestaram dinheiro ou se envolveram de alguma outra maneira com uma empresa de três anos que pouco fez para demonstrar que poderia proteger de forma adequada os ativos que lhe foram confiados. Ela deve a seus 50 principais credores um total de US$ 3,1 bilhões, de acordo com o documento, sendo a maior dívida com um deles de US$ 226 milhões.
Os nomes dos credores foram rasurados. Mas o que se sabe é que, ao longo de sua breve história, a FTX recebeu capital de um grande número de empresas de investimentos, entre elas Sequoia Capital, BlackRock e a Tiger Global, assim como de instituições como a Ontario Teachers’ Pension Plan.
Publicidade
Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos
A exchange também patrocinou equipes esportivas, inclusive times da NBA e da liga profissional americana de beisebol. E a empresa de análise de criptomoedas Chainalysis disse ter feito negócios com a FTX e que tem dinheiro a receber.
Os efeitos da insolvência da FTX ainda causam impacto, a ponto de analistas falarem em colapso do mercado cripto.
Em um documento à parte, o novo CEO da FTX, John J. Ray, disse que a empresa recorrerá a vendas e a outras formas de capitalização para garantir que o maior número possível de credores receba seu dinheiro. Ele salientou que algumas das subsidiárias da FTX “têm balanços solventes, gestão responsável e franquias valiosas”, o que poderia facilitar esse processo. Cerca de 130 empresas-irmãs da FTX fazem parte do pedido de falência.
Quando a FTX entrou com pedido de recuperação judicial em 11 de novembro, isso sinalizou uma queda espantosa para a outrora líder e seu cofundador de 30 anos, Sam Bankman-Fried. Avaliada anteriormente em US$ 32 bilhões, a FTX havia se tornado um símbolo das criptomoedas, seus comerciais por todos os lados e patrocínios em eventos esportivos indicavam para as pessoas comuns que os ativos digitais eram um investimento seguro e acessível. As frequentes aparições de Bankman-Fried em conferências globais e no Capitólio tinham o mesmo objetivo com os legisladores e formadores de opinião.
Publicidade
O pedido de falência revela que tipo de efeito esses esforços tiveram, já que um grande número de partidos colocou seu dinheiro na FTX – dinheiro que agora lutarão para recuperar no tribunal de falências.
Inúmeros investidores de varejo estarão entre os credores à espera de que a Justiça distribua os ativos; muitos viram suas contas congeladas até agora. Em outro documento, a FTX alterou o número de possíveis credores de 100 mil para um milhão.
Entretanto, esclarecer as dívidas da empresa pode ser complicado. Em uma ação judicial diferente em Delaware, Ray, um especialista em insolvência de longa data, destacou um padrão de documentação inadequada.
“As principais empresas nos silos da Alameda e da Ventures não mantinham livros e registros completos de seus investimentos e atividades”, escreveu Ray, referindo-se a algumas das instituições de Bankman-Fried, acrescentando: “Uma das falhas mais difundidas nos negócios da FTX.com, especificamente, é a ausência de registros constantes do processo de tomada de decisões”.
Publicidade
Ray também observou que Bankman-Fried e muitos de seus funcionários usavam um software que excluía de modo automático muitas de suas comunicações internas.
Até mesmo onde os trâmites vão ocorrer é uma dúvida. A jurisdição do tribunal de Delaware está sendo contestada por reguladores nas Bahamas, onde a FTX estava sediada. Essas autoridades querem que o processo prossiga sob uma forma diferente de falência em Nova Iorque.
Em sua apresentação na quinta-feira, Ray descreveu um sistema de “falhas processuais de gerenciamento de caixa” que levou a FTX a não ter uma “lista correta de contas bancárias e signatários de contas” com quem a empresa estava fazendo negócios.
E ele notou uma “possível mistura” de ativos entre empresas de Bankman-Fried, incluindo provavelmente seu braço comercial, a Alameda Research, e a FTX.com, que deveria operar como uma plataforma neutra para os consumidores comprarem e venderem ativos de criptomoedas. A Alameda emprestou US$ 1 bilhão apenas para Bankman-Fried, disse Ray.
Publicidade
Aquela combinação de ativos deve ser um dos principais focos de atenção de investigadores e agências reguladoras enquanto investigam a possível má conduta por parte do ex-CEO da empresa. As atividades no Congresso também estão se intensificando. O Comitê de Serviços Financeiros da Câmara realizará uma audiência no próximo mês para investigar a falência da empresa.
Ray – que tem décadas de experiência na supervisão de reestruturações corporativas, inclusive a da Enron – disse na quinta-feira que haveria muito para todos investigarem.
“Nunca na minha carreira vi uma falha tão absoluta nos controles de uma empresa e uma ausência tão completa de informações financeiras confiáveis como ocorreu aqui”, escreveu.
Ele disse que a FTX parecia ser administrada por um “grupo muito pequeno de indivíduos inexperientes, ingênuos e provavelmente comprometidos”.
Publicidade
“Esta situação não tem precedentes”, escreveu.
* Tradução de Romina Cácia