Criptomoedas

Após auge da popularidade, NFTs de games começam a se desvalorizar

Alguns tokens tiveram valorização de 15.000% em 2021, mas a tendência de alta parece ter invertido sinal

Após auge da popularidade, NFTs de games começam a se desvalorizar
Axie Infinity é um dos principais jogos de NFTs atualmente. (Foto: Reprodução/Axie Infinity)
  • Os jogos NFTs, como são conhecidos, explodiram em 2021 tanto em número de jogadores quanto em rentabilidade
  • Mas há uma situação comum a quase todos os jogos NFTs: ele se populariza demais, o valor do NFT explode à medida que mais pessoas entram no game e a cotação despenca
  • Agora, o próximo passo é tentar tornar os games mais divertidos para que assim não atraiam jogadores somente pela remuneração

O desenvolvimento do mercado de criptomoedas está a todo vapor, incluindo novos tokens, avanço da tese de descentralização financeira (DeFi) e artes digitais milionárias. Desde o ano passado, o entretenimento também entrou nessa lista de tendências com um novo modelo de videogames.

Os jogos NFTs, como são conhecidos, explodiram em 2021 tanto em número de jogadores quanto em rentabilidade. Os games são construídos com base no mecanismo “play-to-earn”, do inglês “jogue para ganhar”, o que permite que os usuários ganhem dinheiro com base no esforço empenhado nas fases do jogo.

Ao contrário de um videogame tradicional, nos jogos NFTs os itens adquiridos pelos jogadores podem ser revendidos em um mercado secundário, na blockchain. “Os itens que você coleta à medida que utiliza e participa do jogo existem dentro desse contexto do blockchain, no qual o usuário pode comprar e vender os ativos independente do próprio jogo”, define Fausto Vanin, cofundador da OnePercent, empresa de soluções em blockchain.

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No game League of Legends (LoL), os usuários podem comprar “skins” para seus personagens; na prática, é como uma roupa, que, em alguns casos, podem até atribuir novas habilidades ao jogador. Depois de adquirido, o jogador não consegue mais recuperar o valor pago.

Nos games NFT é diferente. O Axie Infinity é um dos jogos que mais se popularizou nessa onda desde 2021. Para ter acesso, o usuário precisa adquirir um axie, um NFT da rede Ethereum (ETH), que funciona como o personagem do jogo.

Depois de adquirido, caso o jogador decida se “aposentar”, é possível revender esse NFT para outros usuários – daí a possibilidade de remuneração. “Em um jogo tradicional, você acaba desperdiçando centenas de reais e acaba não conseguindo resgatar esse dinheiro. Nos jogos de NFT, você compra criptomoedas e, mesmo se os donos do servidores desligarem os jogos, você ainda tem o NFT e pode transacioná-lo”, diz Yuri Fernandes, CIO da BitPreço.

Além da venda dos NFTs, os games permitem ainda que os jogadores conquistem novos tokens à medida que avançam de fase ou conquistam boas colocações no ranking. E isso também pode ser revendido.

“O game NFT começa a emitir moedas que podem ser trocadas por dólar, bitcoin, ethereum, o que a pessoa quiser. E como existe uma demanda de compra, já que para entrar nesses jogos você precisa fazer um investimento inicial, essa ponta acaba comprando moedas emitidas pelo jogo na mão de pessoas que já estão lá dentro”, explica Felipe Medeiros, analista e sócio da Quantzed Criptos, escola de tecnologia e educação financeira para investidores.

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Para transformar as moedas do game em dinheiro, a carteira do usuário precisa estar conectada a uma exchange, que faz a conversão dos NFTs para moedas como dólar ou real.

O dilema da vida curta dos jogos

Olhando de fora, parece um esquema “ganha-ganha”, com o tempo gasto no lazer gerando retorno financeiro. E, por um tempo, realmente foi.

No auge do Axie Infinity, por exemplo, alguns jogadores conseguiam tirar de R$ 2 mil a R$ 10 mil por mês, dependendo do tempo e habilidade envolvidos no jogo. A criptomoeda do game, AXS, valorizou 17.272,9% em 2021, como mostra um levantamento realizado pelo Yubb a pedido do E-Investidor

Na prática, quem entrou no jogo e comprou o NFT no início a US$ 1, por exemplo, poderia vender o ativo por US$ 17,2 mil. Desde o início de 2022, porém, o AXS acumula 58,51% de desvalorização.

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A trajetória do Axie Infinity pode ser utilizada como exemplo para ilustrar uma situação comum a quase todos os jogos NFTs criados até agora: ele se populariza demais, o valor do NFT explode à medida que mais pessoas participam e a cotação despenca.

O levantamento feito pelo Yubb com as criptomoedas de jogos NFTs com valor de mercado de US$ 300 milhões a US$ 6 bilhões ilustra bem isso. Todos os tokens analisados apresentaram variação positiva em 2021; mas apenas dois não estão caindo em 2022.

O GALA, da rede Ethereum, foi a criptomoeda que mais se valorizou entre os jogos NFTs em 2021, subindo inacreditáveis 41.936,3% no ano. O token é do Gala Games, estúdio responsável por mais de um jogo play-to-earn do universo cripto. No mais famoso, Town Star, é possível construir fazendas e cidades, competindo com outros usuários para ver quem tem a melhor estratégia de gestão.

Apesar da alta, o token seguiu o movimento dos pares e não está ileso em 2022, desvalorizando 63,77% até aqui.

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André Franco, head de research do Grupo 2TM, dono do Mercado Bitcoin, explica que o mesmo fator que faz o NFT de um jogo valorizar também o leva ao fracasso: a geração de valor. Ao contrário da economia de um país, que tem um Banco Central para controlar a emissão de moeda, nos jogos NFTs as moedas são geradas de forma inflacionária, já que não há um controle na criação de novos tokens.

“Quanto mais rápido o jogo crescer em número de usuários, mais forte vai ser a queda posterior, porque a alta remuneração que faz o jogo crescer bastante também o faz começar a pagar cada vez menos rentabilidade. É preciso ter meios de retirar liquidez do token, como se estivéssemos falando de um país. Se você emite muita moeda, ela tende a se desvalorizar; foi isso que aconteceu com os jogos”, diz Franco.

A oferta do NFT pode sempre aumentar, mas a demanda cai ao longo do tempo. Quando essa linha se cruza e o mercado passa a ter mais oferta do que demanda pelo token do jogo, o valor desaba. “As pessoas começam a vender os NFTs entendendo que a força compradora está se esgotando”, ressalta Felipe Medeiros, da Quantzed Criptos.

Com essa dinâmica, embora muitas pessoas comecem a jogar atraídas pela remuneração, quem entra por último tem mais chances de perder do que de ganhar dinheiro. “Muita gente perdeu dinheiro, porque esse mecanismo de necessitar de demanda para que a ponta de oferta que já está dentro do jogo forneça esses ativos gera um ciclo que depende muito da entrada de novos jogadores. O jogo só se sustenta enquanto as pessoas estão entrando, é quase uma pirâmide”, afirma Medeiros.

A notícia do prejuízo financeiro se espalha, o token se desvaloriza, as pessoas param de jogar e a tendência é que o game acabe.

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O mercado vai evoluir?

Embora grande parte dos jogos atuais repliquem a mesma tecnologia que fez com que os NFTs dos games se valorizassem rápido, o mercado de criptomoedas está trabalhando para uma atualização. Dessa vez, a questão não passa somente por tecnologia, mas também pela diversão.

“No final do ano passado diversos jogos foram lançados, mas outros acabaram sufocados pela sua própria economia. Isso deixou uma lição para o mercado e a solução foi equilibrar, dificultar o acesso à moeda, fazendo com que os jogadores cada vez mais tenham habilidades para jogar e sejam recompensados por isso”, explica Yuri Fernandes, CIO da BitPreço.

Agora, o objetivo do mercado é fazer jogos NFT com alguns mecanismos para controlar a emissão das moedas. Dessa forma, mesmo que a remuneração não seja tão fácil, alguns jogadores vão entrar nos games apenas para se divertir.

Para Felipe Medeiros, da Quantzed Criptos, os games ainda estão muito no início, por isso acabam à mercê dos jogadores interessados apenas na remuneração. “Todos os games que surgiram até hoje são basicamente sustentados por capital mercenário – as pessoas só querem jogar para ganhar dinheiro. E isso acontece porque o jogo não é divertido, são graficamente muito pobres e a jogabilidade também é muito limitada”, pontua.

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Mas, na visão dele, à medida em que os jogos se tornem mais divertidos, a demanda de jogadores que buscam apenas entretenimento vai ajudar a sustentar a economia do jogo por uma vida mais longa. “Existem games em blockchain sendo desenvolvidos para gerar essa demanda, que as pessoas vão querer jogar para se divertir, porque existe uma comunidade ali. Vai ser um capital que vai entrar só por entretenimento”, explica.

Medeiros destaca ainda dois novos games, o Aurory e o Ember Sword, com uma proposta mais divertida. E, por isso, podem ser promissores.

O Aurory é um jogo de RPG de estratégia da rede Solana, em que os jogadores precisam adquirir o token AURY para começar a participar. Já o Ember Sword é um jogo de combate da rede Ethereum que vai permitir que os usuários iniciem as batalhas sem um investimento inicial – e, por isso, já é uma das grandes promessas do mercado mesmo antes de seu lançamento, previsto para este ano.

No research da 2TM, a aposta é de que este seja apenas um mau momento para o mercado de games. Ele deve se reinventar nos próximos anos rumo a uma nova mecânica de jogos que seja divertida e gere dinheiro.

Para André Franco, uma proposta que tem chamado atenção é a do jogo Illuvium. Lançado no final do ano passado, o jogo foi inspirado no Pokémon e os usuários precisam controlar "monstrinhos" para alcançar as recompensas em ILV, token do game. “Um jogo que tem uma premissa bem relevante. E, se esse jogo for divertido, vai ser a primeira vez que vamos ver isso aliado à lógica de coleção de NFT e modelo play-to-earn”, diz.

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