Na alta renda, número de assessores salta 400%, mas todo mundo disputa o mesmo dinheiro
Estudo da SmartBrain mapeia evolução do mercado de assessoria na última década; mais profissionais, mais concorrência e o foco cada vez maior em relacionamento do que produtos
Mercado de assessoria independente ficou mais concorrido, mas agora tem braço suficiente para fazer frente aos grandes bancos, dizem fundadores da SmartBrain
O mercado de wealth management (gestão de patrimônio) está em franca expansão no Brasil. Nos últimos anos, o boom das assessorias de investimentos, iniciado em meados de 2015, gerou uma série de outros efeitos: a popularização do modelo, o surgimento de uma nova geração de profissionais, a saída de recursos dos grandes bancos, além de fusões e aquisições entre players importantes. Gestoras e corretoras também passaram a expandir sua atuação para a consultoria com taxas fixas.
Tudo isso para disputar as carteiras da alta renda, um segmento com cerca de 15 milhões investidores cuja carteira de investimentos começa a partir dos R$ 300 mil.
Mas um estudo feito pela SmartBrain e compartilhado com exclusividade com o E-Investidor mostra que a dinâmica atual do mercado se tornou um “jogo de rouba-monte”. O número de profissionais teve boom, mas o dinheiro não cresceu na mesma equivalência.
Em 2015, o Brasil tinha 5.598 assessores registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Os recursos sob gestão (AuM, na sigla em inglês) médio de cada profissional era de R$ 10,4 milhões.
Dez anos depois, o número de assessores saltou 411% para 28.640 profissionais. O AuM médio subiu para R$ 12,5 milhões – apesar da alta nominal de 20%, se descontarmos a inflação do período, o valor administrado por cada profissional, na realidade, diminuiu.
A conclusão é que o mercado de assessoria independente ficou mais concorrido. Mas agora tem braço suficiente para fazer frente aos grandes bancos, destacam Cassio Bariani e Henrique Garcia, sócios-fundadores da SmartBrain.
“Em 10 anos, a indústria de consultoria de investimentos era quase incipiente. Precisava desse aumento de profissionais para que, agora, possa ir atrás do dinheiro que está com os bancos”, explica Garcia.
O crescimento do mercado vem “descendo” a hierarquia das fortunas. O segmento private e ultrahigh, que começa com aqueles investidores com patrimônio acima de R$ 10 milhões, já era bem atendido nas grandes instituições. Mas trata-se de um público pequeno, perto de 150 mil pessoas no País.
Os novos negócios independentes se voltaram então para o “degrau” de baixo, a alta renda, onde hoje está concentrada a maior expansão do mercado, mas também a concorrência.
Os dados também mostram isso: em 2015, apenas 20% do total de assessores participavam do mercado de alta renda. Dez anos depois, 85% têm algum cliente dessa categoria.
Para chegar ao varejo, o modelo de negócios ainda precisa evoluir em termos de escala e em números de profissionais. Apenas a expansão vista nos últimos 10 anos, apesar de bastante relevante, não dá conta de atender a um mercado potencial de 50 milhões de investidores pequenos. Mas deve caminhar nesta direção.
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“Acreditamos que a indústria ainda pode dobrar de tamanho e chegar a um nível semelhante ao do mercado de seguros, que hoje tem cerca de 70 mil corretores registrados no SUSEP”, destaca Bariani.
A principalidade dos bancos versus a diversificação dos investidores
O estudo da SmartBrain deixa claro que a década do mercado financeiro de alta renda pode ser dividida em duas. De 2015 a 2020, o boom de novas assessorias de investimento, um movimento capitaneado pela XP Investimentos e que logo foi replicado por muitos outros nomes que hoje estão consolidados com bilhões em custódia. Nesse período, o crescimento na quantidade de profissionais no segmento de alta renda foi de 614% (de 1.120 para 7.996).
Nos últimos cinco anos, no entanto, o ritmo desacelerou. O número de assessores foi de 7.996 para 24.344, uma alta de 204%.
Isso pode ter a ver com o cenário macro. O período entre 2020 a 2025 engloba uma pandemia que levou os ativos de risco a circuit breakers sucessivos, a pior janela da história para veículos como multimercados, e um ciclo de aperto monetário que elevou a taxa de juros dos 2% para os 15% ao ano.
Mas Bariani e Garcia atrelam o crescimento menor do mercado de assessoria também a outro fator. Areação dos grandes bancos, que por muito tempo dominaram a gestão de fortunas sozinhos, ao aumento da concorrência.
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Ninguém quer perder a principalidade, o posto de principal instituição financeira na vida do cliente. Não à toa, bancos como Santander (SANB11), Bradesco (BBDC4), Itaú (ITUB4) e BTG (BPAC11) reforçaram os segmentos private nos últimos anos, expandindo ofertas de cartões de crédito, seguros e planejamento sucessório e tributário.
“O ‘modelo XP’ cresceu muito na primeira metade dessa década, mas os bancos logo entraram para segurar o que antes era só deles. O que percebemos agora, tanto nessas instituições, quanto nas independentes, é que estão focando muito mais em outros serviços do que só na própria assessoria”, explica Henrique Garcia.
Se a disputa é por continuar a ser a instituição única na vida do cliente, os investidores, por outro lado, parecem estar querendo outra coisa. O levantamento mostra que a diversificação das carteiras na alta renda na última década cresceu, não só em número de produtos, mas de custodiantes.
Em 2015, um investidor tinha em média 11 ativos na carteira, divididos entre 3 custodiantes. Em 2025, o portfólio tem em média 29 ativos. O número de custodiantes saltou para 8.
“É uma diversificação ligada à explosão das assessorias de investimento e que acaba sendo boa para todos. Diversificar costuma ser melhor do que ficar apostando só em uma instituição”, diz Garcia.
Não é mais um negócio de venda de produto, mas de acompanhamento mais completo das necessidades financeiras do cliente, que, quanto maior o patrimônio, mais demanda outros tipos de atendimento. Para o investidor, faz sentido estar ligado a mais de uma instituição e se beneficiar do que cada uma oferta de melhor.
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“É um movimento que acontece nos dois lados”, pontua Carlos Bariani. “O cara que entrou disruptando o mercado vai fazer uma oferta maior de produto e serviço para atrair novos clientes. O outro, que já tem a própria base, também aumenta sua prateleira para retê-la.”
A estimativa é que os grandes bancos tradicionais detenham hoje 85% do segmento da alta renda. A proporção ainda é muito superior à fatia de recursos administrada por negócios independentes, mas já é menor do que há alguns anos, quando o montante era de 95%.
O mercado segue concentrado, mas a tendência de diversificação da distribuição de produtos veio para ficar. “Não temos uma previsão de quantos por cento ainda podem sair, mas a briga e a concorrência é grande. Na minha visão, os independentes vão continuar comendo o share dos bancões. Se assemelha ao que aconteceu em indústrias fora do Brasil”, destaca Bariani.
Os planos da Smartbrain, de volta aos fundadores
A Smartbrain é uma plataforma que consolida portfólios de investimento, com clientes entre escritórios de agentes autônomos, gestoras e grandes bancos – o suficiente para abarcar mais de 340 mil carteiras e um patrimônio consolidado total de R$ 310 bilhões.
Os fundadores recompraram o negócio há pouquíssimo tempo, em julho deste ano. Apesar de nunca terem saído da gestão da empresa, há três anos o controle acionário da plataforma pertencia a um fundo de corporate venture capital do Bradesco, o FIP Inovabra I. Fizeram isso justamente porque enxergam um potencial de crescimento no mercado de wealth e querem estar posicionados como uma plataforma totalmente independente, sem que a imagem esteja atrelada majoritariamente a um dos clientes.
O foco a partir de agora está em aumentar a oferta de oferta de produtos de tecnologia para assessores de investimento, o negócio central da SmartBrain. Algumas novidades devem ser anunciadas até o fim do ano, com soluções que ajudem os escritórios a escalar os serviços; e, assim, tornar o modelo de negócios financeiramente viável, uma dor que o mercado ainda não resolveu.
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“Estamos trabalhando fortemente para dar ao assessor inteligência de alocação de carteira, cruzamento de dados, dinâmica de concorrência e crescimento do mercado. Isso ainda é muito cru em termos de oferta de serviços”, diz Bariani.
Em um mercado em franca expansão, onde produtos viraram commodities, o objetivo é acelerar a oferta de tecnologia que facilite não só a expansão dos negócios, mas o dia a dia do assessor. Assim, os profissionais podem se dedicar mais ao que parece ter se tornado o grande diferencial na disputa: o relacionamento.