A Operação Carbono Oculto expôs como o crime organizado se infiltrou na economia formal por meio de postos de combustíveis, fintechs e fundos de investimento, envolvendo bilhões de reais em fraudes e lavagem de dinheiro. No total, 200 mandados de busca e apreensão foram expedidos em dez Estados brasileiros contra envolvidos em toda a cadeia produtiva da área de combustíveis, parte da qual foi capturada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
A estimativa é que a organização criminosa tenha movimentado R$ 52 bilhões no período investigado, blindando os recursos por meio de 40 fundos de investimentos. O inquérito aponta para o envolvimento de nomes conhecidos no mercado, como a fintech BK Bank, as gestoras Reag, BFL, Banvox, Altinvest e Trustee. Procuradas, as casas não se manifestaram.
Segundo a investigação, os criminosos utilizavam os produtos financeiros para blindagem patrimonial e lavagem de dinheiro. “O uso de centenas de empresas operacionais na fraude permitia dissimular os recursos de origem criminosa. A sonegação fiscal e a adulteração de produtos aumentavam os lucros e prejudicavam os consumidores e a sociedade”, diz a Receita Federal, em nota.
Boa parte dos fundos era fechado ou exclusivo, ou seja, de um investidor único. Por isso, não há no mercado um receio de que a investigação se espalhe para investidores comuns. Mas também há poucas informações disponíveis sobre os ativos e empresas sob investigação. Existem algumas pessoas físicas mencionadas no inquérito como responsáveis pelos negócios envolvidos no esquema de lavagem de dinheiro, como João Carlos Falbo Mansur, associado à Reag; Rogério Garcia Peres e Elisangela Katia Capassi, associados à Altinvest; Artur Martins de Figueiredo, associado à Trustee e Banvox; e Marcelo Cardoso Lisboa, associado à BFL.
Veja o que conseguimos de informação sobre cada um:
A Reag Investimentos, de João Carlos Mansur
João Carlos Mansur fundou a Reag Investimentos em 2013 para ser uma gestora de recursos independente. Com expansão relevante nos últimos anos – o PL praticamente dobrou desde 2023 –, hoje é a maior gestora independente do País, atrás apenas das assets dos grandes bancos, com R$ 341,5 bilhões sob gestão, segundo ranking da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Nas estratégias de destaque estão os Fundos de Investimento em Participações (FIP), segmento em que é a segunda maior gestora do mercado; Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), em que tem o terceiro maior patrimônio sob gestão da indústria; e multimercados, em que detém o segundo maior share de mercado.
Não por coincidência, são FIPs e multimercados da gestora que estão no radar da operação Carbono Oculto. A casa tem 11 fundos citados na operação; veja a lista de completa aqui.
Mansur é o responsável pelo crescimento expressivo e estratégia de negócios que levou a companhia à B3 em janeiro deste ano em um “IPO reverso”. Com passagem pela PriceWaterhouse Coopers (PwC), Gethal Amazonas S/A, Monsanto, Tishman Speyer Properties, Trump Realty Brazil e WTorre Arenas, tem mais de 35 anos de mercado.
Na investigação, o executivo é apontado como uma figura chave na organização criminosa liderada por Mohamad Hussein Mourad. Segundo a PF, o fundador da Reag desempenhava um papel significativo nas dinâmicas fraudulentas envolvendo fundos de investimento e a BK Instituição de Pagamento.
Além do mercado financeiro, Mansur tem relação com o futebol brasileiro. É membro efetivo do Conselho de Orientação e Fiscalização (COF) do Palmeiras e atuou junto a WTorre na construção do Allianz Parque.
A Reag também é uma das empresas do consórcio que comprou a SAF do Juventus, em junho deste ano, junto da Contea Capital; e possuiu em sua holding a Revee, empresa parceira da SAF da Portuguesa para a reforma do Canindé. Também é da gestora o Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia SCCP (FIP SCCP), administrador dos investimentos realizados na Neo Química Arena, estádio do Corinthians em Itaquera, desde 2022.
Apesar de décadas de atuação relevante nos bastidores do mercado, a Reag se tornou mais popular ao investidor comum neste ano, ao listar na Bolsa de Valores a Reag Investimentos, seu braço de asset e wealth management, pelo ticker REAG3 após um oferta inicial de ações (IPO) reverso. A operação foi um desdobramento do fechamento de capital da GetNinjas, que Mansur tomou o controle em 2024 por meio de uma poison pill – mecanismo de proteção para acionistas minoritários.
À época, o fundador da GetNinjas alegava que alguns fundos de investimento estavam trabalhando em conjunto para avançar sobre o controle da empresa e fechar seu capital na Bolsa. A Reag era um deles. Contamos esta história na época; você pode ler aqui.
Hoje, a própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vê irregularidades no que aconteceu e tem um processo aberto de investigação. Há duas semanas, a autarquia negou um termo de compromisso da gestora que se propunha a pagar R$ 300 mil para compensar a falta de informações detalhadas à época. A CVM entende que a Reag não informou o real motivo que a levou, ainda em 2023, a aumentar de forma relevante a participação acionária na GetNinjas, de 5,07% para 18,34%, e vai seguir investigando o caso.
Este ano, por causa do IPO reverso, a Reag atrasou a divulgação das demonstrações financeiras relativas ao exercício de 2024, alegando que o trabalho dos auditores independentes ainda estavam trabalhando em “algumas informações financeiras” pendentes da companhia.
A Banvox, de Artur Martins de Figueiredo e Marcelo Quadrado
A Banvox foi fundada em 1984, com autorização da CVM para administrar carteiras em 1991. Foi só em 2016 que o foco da companhia passou a ser na administração e custódia de fundos próprios; o PL líquido administrado cresceu quase seis vezes entre 2021 e 2024, segundos dados disponíveis no site da empresa.
Junto à Trustee, a Banvox tem 14 fundos citados na operação, que também investiga Artur Martins de Figueiredo, diretor responsável da casa, com 40 anos de mercados financeiro e de capitais e passagens pelo Banespa, Banco Bandeirantes de Investimentos e Banco Bradesco. Ele ingressou no Banvox em 2001 como supervisor da área de Agente Fiduciário e financeiro.
O E-Investidor apurou que a Banvox Holding se relaciona com o Banco Master antes da operação do crime organizado dominar as atenções na última semana. A Banvox detinha 22% do capital do Banco Master até o meio do ano passado, quando transferiu essa participação para a DV Holding – sociedade que tem Vorcaro, presidente do Master, entre os sócios. Essa transação envolveu um adiantamento de R$ 360 milhões ao executivo para “futuras aquisições de ações do Master”. Quem estava à frente dessas operações é Marcelo Quadrado, que iniciou as atividades em julho de 2020 com Daniel Vorcaro e Maurício Quadrado, ex-sócio do banco, como diretores.
Em setembro, Vorcaro foi destituído da diretoria da holding e o executivo Artur Martins de Figueiredo foi eleito. Hoje, Quadrado e Figueiredo seguem entre os principais acionistas. Procurados, os executivos não comentaram e a Banvox diz que, por orientação da sua área de compliance, já havia renunciado à administração do fundo antes de ser deflagrada a operação da PF e que não tem qualquer relação pessoal com os cotistas do fundo investigado.
A Altinvest, de Rogério Garcia Peres
A Altinvest é um hub de soluções financeiras, que abarca serviços de wealth e asset management, estruturação de fundos e tesouraria. O negócio é liderado por Rogerio Garcia Peres, sócio-diretor, cofundador e presidente da asset, responsável pela área comercial, de M&A e estruturação de fundos, segundo apresentação institucional do fim do ano passado.
Com 20 anos de experiência no mercado, Peres passou por grandes instituições como Citibank, além de ser professor do Insper há duas décadas. Ele fundou a Altinvest em dezembro de 2023, e também é sócio do escritório Garcia Peres Advogados Associados.
Peres é apontado na investigação como um dos responsáveis pelas “dinâmicas fraudulentas envolvendo fundos e a BK Instituição de Pagamento”, ao lado de Mansur, da Reag. Elisangela Katia Capassi, diretora da Altinvest, também é apontada na operação como parte importante do núcleo ligado a operações nos fundos de investimento. A Altinvest tem 10 fundos citados na operação.
Após a publicação da reportagem, a gestora disse que “repudia veementemente toda e qualquer relação com o crime organizado” e que está colaborando com a investigação e as autoridades desde o início. “Nossas operações são conduzidas com total transparência, respeito, seriedade e em conformidade com as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), órgãos que regulam e fiscalizam os fundos de investimento no Brasil. Refutamos de forma categórica qualquer vínculo com atividades irregulares”, diz em nota.
A BFL, de Marcelo Cardoso Lisboa
A BFL Administradora começou em 2019, criando fundos proprietários em energia renovável e agronegócio a partir de 2023. A gestora tem dois fundos citados na operação; sócio e diretor dos fundos, Marcelo Cardoso Lisboa também é um dos investigados.