O que este conteúdo fez por você?
- O cantor sertanejo e a influenciadora digital são investigados por colaborarem com uma organização criminosa voltada à prática de lavagem de dinheiro por meio das bets
- As casas de apostas esportivas online foram legalizadas em 2018 e não param de crescer: é previsto um faturamento de R$ 130 bilhões em 2024
- 2 a cada 10 brasileiros que apostam acreditam que as bets são uma forma de investimento; especialistas argumentam que ganhos são possíveis, mas não devem ser o objetivo fim dos jogadores
Em um intervalo de menos de 20 dias, os pedidos de prisão de dois famosos pegaram seus fãs (e seguidores) de surpresa. No início de setembro, a advogada e influenciadora digital Deolane Bezerra foi presa pela Polícia Civil de Pernambuco. Na segunda-feira (23), foi a vez do cantor Gusttavo Lima receber uma ordem de detenção preventiva. Ambos são investigados por uma operação contra uma organização criminosa voltada à prática de lavagem de dinheiro e jogos ilegais por meio das bets. E o que esse acontecimento traz para a vida de quem investe?
A educadora financeira e psicóloga Ana Paula Hornos, que também é colunista do E-Investidor, explica que os fatos envolvendo os famosos demonstram como jogar nas bets está longe de ser um caminho seguro para aumentar o patrimônio ou obter uma renda extra. Segundo ela, as apostas são guiadas pela incerteza e pela impulsividade, atraindo as pessoas pela promessa de ganhos rápidos. “Mas a maioria dos apostadores acaba acumulando perdas financeiras, uma vez que o sistema é projetado para beneficiar as plataformas, e não os participantes”, diz.
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No caso dos pedidos de prisão para Deolane e Gusttavo Lima, a operação não teve as bets como alvo. O foco das investigações gira em torno da suspeita de que tanto a influenciadora quanto o cantor sertanejo colaboraram com uma organização criminosa que lavava dinheiro vindos do jogo do bicho. Tudo acontecia por meio dos aplicativos de apostas.
Se as bets estão dentro da lei, por que não são investimentos?
As casas de apostas online atuam dentro da legalidade desde 2018 e, de lá pra cá, caíram no gosto dos brasileiros, principalmente por meio de propagandas com rostos conhecidos das redes sociais. Nesta reportagem do Estadão, um levantamento da PwC aponta que as empresas de bets movimentaram entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões em apostas no País somente em 2023. Por outro lado, a loteria tradicional chegou a R$ 23,4 bilhões. Para este ano, a projeção é de que o mercado de apostas online alcance R$ 130 bilhões.
Um estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) aponta que 63% de quem aposta online no Brasil afirma ter comprometido a sua renda com tais aplicativos. Outro número que surpreende vem da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que mostrou que duas em cada dez pessoas que apostam consideram as bets como uma modalidade de investimento e hoje o emprego desses recursos só fica atrás da poupança. Veja mais números da pesquisa nesta matéria.
No entanto, Fabiano Jantalia, sócio da LegisMind e especialista em Direito de Jogos, alertam para o equívoco no pensamento dos apostadores. “Jogos são por definição uma atividade de entretenimento e as apostas, na verdade, não têm o objetivo de gerar renda. Ganhos financeiros são uma consequência possível, mas não podem ser o objetivo fim”, afirma.
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Isso porque esses jogos não oferecem uma garantia de retorno ao contrário da lógica dos investimentos, que visa a rentabilidade do valor inicial aportado. Ana Paula Hornos, educadora financeira e psicóloga, reforça que o ganho nas apostas depende da aleatoriedade e da sorte. “A verdadeira construção de patrimônio requer planejamento, disciplina e escolhas conscientes — algo que não se encontra nesses ambientes.”
Qual a responsabilidade dos influenciadores se você perder dinheiro com jogos de aposta?
No caso que levou Deolane Bezerra à prisão e à ordem expedida ao cantor Gusttavo Lima, a operação da Polícia Civil de Pernambuco investiga um esquema de lavagem de dinheiro. O advogado Gamil Föppel explica que o crime é praticado com o depósito de recursos ilícitos (vindos do jogo do bicho) às bets, destinando esses valores em apostas específicas para que a retirada seja feita na forma de prêmios. “Assim, dificultando a identificação da origem dos recursos, que muitas vezes são utilizadas contas de terceiras pessoas (laranjas).”
Outro fator que dá margem para o uso criminoso das casas de apostas online está no fato de muitas empresas terem sede fora do País. “Isso adiciona camadas de complexidade às investigações, permitindo maior ocultação e dificultando a fiscalização e o controle pelas autoridades brasileiras”, explica Thúlio Nogueira, sócio do DNA Advocacia Penal.
No entanto, essa realidade promete mudar a partir do ano que vem. A regulamentação das apostas esportivas e de jogos de cassino no Brasil, prevista para 2025, exige das empresas garantias de proteções contra lavagem de dinheiro e terrorismo, além do pagamento por uma licença de exploração do setor. A fiscalização ficará por conta da Secretaria de Prêmios e Apostas, vinculada ao Ministério da Fazenda.
Ainda assim, influenciadores e famosos que fazem propagandas para essas apostas não respondem pelas perdas financeiras de seus seguidores. Fabiano Jantalia, especialista em Direito de Jogos, frisa que a eles cabe apenas o papel de divulgador do produto, mas não de “garantidor” de que as obrigações daquele serviço serão cumpridas. Por isso, eles não podem ser responsabilizados pelos danos que porventura possam ocorrer.
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“Agora, à medida em que o influenciador sabe que determinado produto é ilegal ou causa algum tipo de problema ao seu público, pode-se cogitar a sua responsabilização. Por isso há a necessidade de uma boa assessoria jurídica, que possa lhes orientar sobre os riscos de determinado produto ou serviço”, alerta Jantalia.
No caso do cantor sertanejo e da influenciadora digital, a ilicitude não estava na promoção das casas de apostas online, mas no seu uso como instrumento para a lavagem de dinheiro. Ambos os casos surpreendem, já que as duas figuras ostentam grandes patrimônios em suas redes sociais. Inclusive, esse é um fator que faz muitas pessoas — e principalmente fãs — a desacreditarem no envolvimento com o crime.
Para Hornos, o descontrole do poder em relação ao dinheiro pode justamente desencadear uma “ilusão de controle” sobre os fatos. “Famosos como Gusttavo Lima e Deolane podem acreditar que, por sua influência, estarão sempre à frente das armadilhas. O fascínio pelo lucro fácil e pela fama digital pode levar a decisões que impactam negativamente sua imagem e seguidores.” Veja mais detalhes sobre a operação envolvendo os famosos e as bets aqui.