- A reforma tributária trouxe como compensação aos tributos às famílias de baixa renda o cashback
- O mecanismo é visto como um benefício imediato para essas pessoas e ainda ajuda o governo a ter controle sobre o orçamento
- Alguns tributaristas destacam que o mecanismo pode ser judicializado no STF por conflitar com pontos da Constituição Federal
A reforma tributária tem promovido mudanças em relação aos impostos dos brasileiros, mas também tem buscado alternativas para a população de baixa renda. O principal deles é o cashback, que irá devolver parte dos valores pagos em tributos. Embora a medida seja vista com bons olhos por ser um mecanismo que visa reduzir os impactos sobre essas pessoas, alguns especialistas no campo do Direito alertam para a inconstitucionalidade do benefício.
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Conforme o projeto de lei aprovado na semana passada na Câmara dos Deputados, o cashback da reforma tributária vai atender famílias necessitadas com renda per capita de até meio salário mínimo — isto é, R$ 706 considerando a data de hoje. Para ter acesso ao benefício, é necessário estar inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do governo federal, programa que reúne dados de famílias em situação de vulnerabilidade social. Além disso, conforme a legislação de cada ente federativo terá autonomia para definir alíquotas diferenciadas para o cashback de impostos.
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Na visão do tributarista Sergio Villanova, do Buttini Moraes Advogados, dois agentes serão beneficiados com o cashback: a população de baixa renda e também o governo. No caso da população, para ele a devolução em dinheiro de parte dos tributos da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) é melhor do que uma alíquota zero. “As famílias que realmente têm um baixo poder aquisitivo serão atendidas e ter esse valor em mãos é mais fácil de entender o benefício do que uma redução da base de cálculo da alíquota.”
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Em relação ao governo, embora os cofres públicos deixem de arrecadar essa parcela que será devolvida, Villanova aponta que será mais fácil haver um controle orçamentário sobre a medida. “Quando há uma isenção na base de cálculo para bens essenciais (cesta básica), não há um controle sobre esse ‘gasto’ em termos de receita. Fica difícil mensurar o quanto a população carente está de fato sendo beneficiada. O cashback, mesmo tirando da arrecadação pública, garante esse controle e pode ser quantificado para ser previsto nos orçamentos futuros”, explica.
Cashback da reforma tributária é inconstitucional?
Embora todos os especialistas ouvidos pelo E-Investidor tenham pontuado a importância de um mecanismo compensatório à população de baixa renda diante das mudanças que a reforma tributária está promovendo, alguns apontaram uma possível inconstitucionalidade desse mecanismo. Cassiano Menke, advogado tributarista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que a premissa desse benefício é atender famílias que não tenham o mínimo vital para sobreviver e por isso elas não têm capacidade contributiva [princípio jurídico que considera um valor mínimo para assegurar a equidade tributária].
“Quando uma pessoa não tem condições financeiras, porque é reconhecidamente de baixa renda, fica isenta do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). Logo, ela também não deveria ser tributada pelo CBS e IBS”, diz Menke. Para ele, a tributação e a posterior devolução parcial ou integral do valor é uma “confissão” que o poder público vai cobrar esses impostos de maneira errada.
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Outro ponto que o tributarista e professor salienta é o fato de que, na Constituição Federal de 1988, o salário mínimo foi instituído como o valor a ser considerado como mínimo vital. Veja o que diz o artigo 7, inciso 4, da carta magna:
- “Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.”
“Não deveria ser um cashback, mas um ‘cashavoid’ já que a incidência desses impostos nem deveria acontecer. Meio salário mínimo não garante o atendimento às necessidades vitais básicas — e quem diz isso é a Constituição”, pontua Menke.
Reforma tributária, cashback e o pacto federativo
O mesmo argumento é defendido pela advogada e professora em Direito Tributário Louise Lerina Fialho. “É louvável que a reforma tributária se preocupe em atenuar os efeitos da tributação sobre o consumo, a qual não leva em consideração a renda dos contribuintes. Todos sofrem a mesma carga tributária, independentemente da respectiva renda, o que é inconstitucional”, afirma.
Ela também faz uso do que a carta magna brasileira estabelece, destacando o que diz o artigo 145, parágrafo 1º, que diz:
- “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
“Defendo que deveria prevalecer o método de desoneração e não de devolução (cashback)”, diz Louise. Em um estudo acadêmico na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no qual é mestranda, ela ainda pontuou que o mecanismo fere o pacto federativo.
“A ofensa fica clara no momento em que se verifica que a União, por meio de lei complementar, faz cortesia com ‘chapéu alheio’. Isto é, a União obriga estados e municípios a devolverem o IBS, desconsiderando a autonomia financeira dos entes federados”. Novamente usando como base a Constituição, a advogada cita que a lei veda que o governo federal conceda isenções de tributos de competência dos estados e municípios. “É o que se chama, tecnicamente, de vedação à isenção heterônoma.”
Cashback pode ser alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
O projeto de lei da reforma tributária foi aprovado na Câmara dos Deputados na semana passada, mas ainda passará por votação no Senado até ir à sanção presidencial. É claro que, até lá, o texto pode ser alterado e, talvez, essas incongruências com a Constituição possam ser corrigidas. Se não, os especialistas acreditam que possa ocorrer a chamada Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre o cashback — em parte ou integralmente.
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Nesse caso, é o Supremo Tribunal Federal (STF) que deve avaliar se há fundamento constitucional ou não do mecanismo proposto pela reforma. E há precedência de situações como essa. Em 2004, o ex-ministro Celso de Mello reconheceu a vinculação entre o salário-mínimo e o mínimo existencial no julgamento da ADI nº 1.442/DF. Na decisão, o decano escreveu: “a insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configurará um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República.”
Diante desse contexto, tanto Louise quanto Menk apontam que melhor do que o cashback seria a criação de uma limitação ao poder de tributar pela própria Constituição, como uma espécie de imunidade tributária. Assim, não haveria ofensa ao princípio da capacidade contributiva e nem mesmo ao pacto federativo. “Há países que utilizam tal modelo de desoneração, como o Uruguai. Neles, não há devolução, pois as famílias de baixa renda são integralmente desoneradas no momento da compra de bens ou no da contratação de serviços”, completa a professora de Direito Tributário.