Rafaela de Sá, planejadora financeira CFP pela Planejar, ressalta que “a falta de planejamento leva a um círculo vicioso de endividamento e preocupação constante”, especialmente quando o aposentado depende exclusivamente da aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e continua ajudando financeiramente filhos ou netos sem considerar o impacto no próprio orçamento.
Esse comportamento está ligado à dificuldade de encarar a aposentadoria como uma mudança estrutural no estilo de vida. O hábito de consumir como se a renda ainda fosse a mesma da fase produtiva gera desequilíbrios que poderiam ser evitados com medidas simples, como o acompanhamento regular dos gastos. Além disso, utilizar cheque especial ou cartão de crédito como complemento da renda indica uma gestão frágil do orçamento, que pode rapidamente se transformar em dívidas difíceis de controlar.
Os principais erros financeiros dos aposentados
A educadora financeira Daiane Alves, da Neon, reforça essa perspectiva ao afirmar que não conhecer as próprias finanças e não ter um orçamento definido são erros recorrentes dos idosos. “Após se aposentar, em muitos casos, a renda acaba diminuindo, mas o aposentado continua com o mesmo padrão de vida que tinha anteriormente”, alerta.
A desconexão entre receita e despesa pode trazer consequências evitáveis com uma simples adequação ao novo cenário. A educadora também chama atenção para um aspecto emocional: o desejo de ajudar a família, que muitas vezes se transforma em um fardo financeiro — seja por querer agradar, seja por não saber recusar a emprestar o cartão de crédito. Outro ponto negligenciado, segundo ela, se deve à falta de aproveitamento de benefícios e descontos para idosos – veja aqui quais são eles –, que poderiam contribuir para a economia doméstica.
A questão emocional, de fato, pesa. Muitos aposentados sentem-se na obrigação de manter o papel de provedores, mesmo que isso comprometa sua estabilidade. A dificuldade em dizer “não” a filhos e netos, somada à ausência de uma reorganização financeira consciente, acentua os riscos de desequilíbrio orçamentário. Além disso, há um aspecto cultural envolvido: falar sobre dinheiro ainda é tabu em muitas famílias, o que torna difícil estabelecer limites claros e saudáveis.
João Victorino, também especialista em educação financeira, acrescenta como erro frequente a ausência de controle detalhado sobre o orçamento. “O dinheiro ‘vai embora’ com pequenos gastos que nem sempre são percebidos”, afirma. Ele também destaca a prática de emprestar parte significativa da renda a familiares, sem considerar os riscos para a própria sustentabilidade financeira. A ilusão de que pequenas ajudas não comprometem o todo pode levar o aposentado a abrir mão de necessidades básicas ou reservas de emergência, agravando sua vulnerabilidade com o tempo.
Como reorganizar o orçamento sem perder qualidade de vida
Economizar durante a aposentadoria não necessariamente exige que o cidadão abra mão da qualidade de vida. Para Rafaela de Sá, “economizar não significa cortar o que traz prazer ou bem-estar, trata-se de escolhas conscientes”. Ela afirma que o primeiro passo precisa ser dado no sentido de controlar as contas, com anotações de gastos e metas realistas. “Alguns exemplos que podem e devem ser reavaliados: planos de telefonia, TV e internet. Aproveitar descontos para idosos em lazer, saúde e transporte. Priorizar lazer gratuito, como parques, bibliotecas, grupos culturais. Cozinhar mais em casa e evitar desperdícios. Negociar tarifas bancárias ou optar por contas digitais com isenção”, exemplifica.
Essa perspectiva mostra que a economia eficaz não está necessariamente ligada à privação, mas à reorganização do cotidiano. Avaliar pequenos contratos mensais e hábitos corriqueiros pode gerar uma economia significativa, sem comprometer a qualidade de vida. Muitas vezes, são os ajustes nos detalhes que fazem diferença no longo prazo. Além disso, abrir-se às oportunidades que a nova fase proporciona — como benefícios específicos para idosos — pode trazer leveza ao planejamento financeiro.
Alves complementa essa visão ao defender que o primeiro passo vem do autoconhecimento financeiro. “Conhecer a sua situação, principalmente quais são os seus gastos recorrentes e classificá-los como fixos e variáveis já é um avanço”, afirma. Segundo a especialista, a análise permite identificar os “ralos” do orçamento e também repensar comportamentos que levam a gastos desnecessários. “Existem muitos gastos que acontecem por impulso e não por necessidade”, explica. A partir desse mapeamento, é possível “fazer trocas que sejam mais benéficas financeiramente”, mas mantendo a qualidade de vida.
A educadora da Neon exemplifica com situações do dia a dia. “Se organize antes de ir ao mercado e compre apenas o que será consumido nos próximos dias, evitando desperdício”; ou ainda, “troque grandes eventos pagos por opções culturais gratuitas”. A chave, segundo Alves, está em compreender a própria realidade financeira e fazer trocas pontuais, sem abrir mão da “vivacidade nessa fase da vida”.
Victorino reforça essa ideia com uma sugestão prática e acessível. “O segredo está em registrar tudo por um mês (gastos e recebimentos). Só de fazer isso, já dá para perceber onde o dinheiro escorre”. A partir desse levantamento, ele sugere organizar os gastos em três categorias: essenciais, importantes e supérfluos. “Isso não significa viver com menos prazer, mas com mais consciência”, afirma. Simples substituições, como trocar um plano de TV por um serviço de streaming ou cozinhar mais em casa podem aliviar o orçamento sem impactar negativamente o conforto.
Investir após a aposentadoria: por que ainda é necessário?
Manter o hábito de investir após a aposentadoria preserva o poder de compra ao longo do tempo e o controle ativo sobre as finanças. João Victorino, educador financeiro, diz: “Sim, é mais do que recomendável — é necessário. O dinheiro que está parado perde valor com o tempo”.
O educador sugere que a base da carteira seja composta por ativos de renda fixa, como Tesouro Direto e Certificados de Depósito Bancário (CDBs) com liquidez diária, especialmente de bancos grandes. Para perfis um pouco mais arrojados ou com uma reserva sólida já formada, Victorino admite a possibilidade de incluir uma pequena parcela em ativos de risco moderado, como fundos multimercado, desde que “com orientação e objetivos claros”.
Para Rafaela de Sá, o aposentado deve manter o dinheiro acumulado ao longo da vida aplicado, pois assegura uma reserva de emergência com liquidez para imprevistos, além de rentabilidade sobre o patrimônio acumulado e proteção contra a inflação.
“Investimentos são fontes de renda, mas o ideal é que se busque investimentos seguros, pensando principalmente na preservação do patrimônio”, afirma Alves. A educadora também destaca o Tesouro Selic e CDBs como opções conservadoras que oferecem liquidez — uma característica essencial para situações emergenciais. Para ela, mais importante do que a rentabilidade é a possibilidade de acessar os recursos sempre que necessário, sem correr riscos desnecessários.
O papel da reserva de emergência na terceira idade
A aposentadoria traz consigo não apenas a necessidade de reorganizar o orçamento, mas também a de se preparar para imprevistos que podem ocorrer a qualquer momento. Como ressalta Sá, “problemas de saúde, reformas ou apoio a familiares podem surgir e precisam estar no radar”. Para isso, ela recomenda a constituição de uma reserva de emergência com, no mínimo, seis meses de despesas fixas. “São muito importantes para garantir tranquilidade nesses momentos”, afirma.
A especialista também destaca a necessidade de manter um orçamento mensal com folga — ou seja, sem comprometer 100% da renda —, além de contar com um plano de saúde adequado à fase da vida e revisar periodicamente contratos fixos como seguros, consórcios e condições da casa.
O simples hábito de manter um pequeno valor reservado mensalmente já serve para construir uma rede de proteção sólida. A lógica é preventiva: evitar que situações inesperadas — como uma emergência médica ou reforma urgente — levem ao endividamento ou ao uso descontrolado de crédito.
Daiane Alves, da Neon, reforça essa ideia de que imprevistos podem acontecer a qualquer momento e por isso a importância de uma reserva de emergência. “Se organize e todo mês reserve um valor para ir compondo esse montante.” A preparação é a chave para lidar com situações fora do previsto com mais segurança e menos estresse. Ainda que o valor reservado inicialmente pareça pequeno, o hábito dá solidez para esta proteção no longo prazo.
Victorino sugere que o aposentado inclua no orçamento uma verba específica para manutenções preventivas na casa e revisões médicas. E completa: “A previsibilidade é a melhor amiga da tranquilidade financeira.”
Veja, na tabela abaixo, os direitos e benefícios mencionados pelos especialistas, que ajudam aposentados a guardar um dinheirinho no fim do mês:
Direitos e descontos que ajudam o aposentado a economizar
Ao analisar os principais direitos dos aposentados e oportunidades de economia disponíveis para eles, é possível perceber que, mesmo com uma renda geralmente mais enxuta, essa fase da vida pode ser vivida com mais folga no orçamento — desde que haja informação, planejamento e uso consciente dos recursos.
Começando pelos medicamentos, que costumam ser uma despesa recorrente na terceira idade, o uso de programas como a Farmácia Popular asseguram gratuidade em determinados produtos. Isso representa uma economia mensal média entre R$ 80 e R$ 150, dependendo da quantidade e do tipo de remédio utilizado.
No quesito transporte, muitos aposentados têm direito à gratuidade em ônibus urbanos, intermunicipais e interestaduais, bastando apresentar documentação e, em alguns casos, realizar um cadastro. Considerando o custo médio com deslocamento diário, isso pode gerar uma economia entre R$ 100 e R$ 200 por mês.
Outro benefício importante é a meia-entrada em eventos culturais, como cinema, teatro e shows. Para quem costuma participar de duas a quatro atividades desse tipo por mês, a economia gira em torno de R$ 40 a R$ 80 mensais.
Na conta de energia elétrica, o programa da Tarifa Social oferece descontos de até 65%, o que, em uma conta média, pode representar uma redução de R$ 40 a R$ 60 por mês. No cotidiano da alimentação, pequenas mudanças de hábito — como cozinhar mais em casa, evitar desperdícios e fazer compras mais planejadas — podem gerar grande impacto, entre R$ 100 e R$ 200 de economia mensal, dependendo do perfil de consumo.
Outro ponto que muitos esquecem vem do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). Algumas prefeituras concedem isenção ou descontos para aposentados com baixa renda e que possuem apenas um imóvel. Considerando um IPTU anual de R$ 600, por exemplo, isso representa cerca de R$ 50 de economia por mês, se diluído ao longo do ano.
Somando todos esses benefícios, um aposentado que faz uso consciente dos seus direitos pode economizar entre R$ 460 e R$ 820 por mês, o que representa até R$ 10 mil ao longo de um ano.