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Educação Financeira

Donos e herdeiros aceleram doação de imóveis em vida para evitar briga e imposto; entenda como fazer

Com as mudanças da Reforma Tributária, foram feitas 71.252 escrituras públicas de doação ano passado, frente a 62.683 em 2022

Donos e herdeiros aceleram doação de imóveis em vida para evitar briga e imposto; entenda como fazer
Foto: Adobe Stock
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  • Proposta em tramitação no Senado e em 2º turno na Câmara pode unificar a alíquota do ITCMD em até 8%, substituindo taxas fixas e progressivas atuais
  • Há discussão no Congresso sobre aumentar a alíquota do ITCMD para 16%-20%, afetando todas as unidades da Federação
  • Não é permitido doar imóveis com dívidas ou mais da metade do patrimônio, e regras específicas se aplicam a doações entre cônjuges

Motivo de intensos conflitos familiares e longas disputas judiciais, a ausência de um planejamento sucessório, como a falta de doação de imóveis — que permite ao proprietário transferir seus bens ainda em vida para outra pessoa —, pode transformar o que deveria ser uma transição tranquila de patrimônio em um verdadeiro campo de batalha. Cientes desses riscos, cada vez mais doadores estão recorrendo aos cartórios para formalizar a doação de seus imóveis. No Estado de São Paulo, por exemplo, o número de registros de doação de imóveis cresceu 13% ano passado, segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB/SP).

Ao todo, diz a entidade, foram feitas 71.252 escrituras públicas de doação ano passado, frente a 62.683 em 2022. Essa alta não é por acaso: a entidade acredita que proprietários e herdeiros decidiram antecipar a medida porque a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, aprovada pela Câmara dos Deputados em julho e atualmente tramitando em segundo turno na Câmara para regulamentação – com discussão ainda em aberto no Senado -, propõe mudanças na alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). O Congresso pode elevar a taxação com a proposta de reforma tributária, que inclui o ITCMD.

Atualmente, 11 Estados, incluindo São Paulo e Minas Gerais, adotam uma alíquota fixa de 4% para o ITCMD. Em contraste, outros 15 Estados e o Distrito Federal aplicam alíquotas progressivas, que podem atingir até 8%. Até o momento, cada Estado tem autonomia para definir se a alíquota é fixa ou progressiva. No entanto, a proposta da reforma tributária deve pôr fim à autonomia dos Estados, estabelecendo uma alíquota única e progressiva em todo o País, com um teto de até 8%. Se aprovada neste ano, a mudança passa a valer a partir de 2025, respeitado também o prazo de 90 dias da publicação da lei.

Em São Paulo, por exemplo, já está em tramitação um projeto de lei (PL 07/24) que pretende alterar a Lei nº 10.705, substituindo as alíquotas fixas pelas progressivas. Com essa mudança, especialistas alertam que um morador de São Paulo pode acabar pagando até o dobro de imposto sobre um imóvel. Como resultado, muitas famílias têm buscado antecipar a transferência de heranças para evitar o impacto de um imposto mais elevado.

No entanto, também há propostas em discussão no Congresso Nacional que buscam aumentar a alíquota do ITCMD para valores entre 16% e 20%. Essas mudanças afetariam todas as 17 unidades da Federação que já aplicam a tributação progressiva, onde a alíquota aumenta conforme o tamanho do patrimônio a ser transmitido – quanto maior o patrimônio, mais elevada é a alíquota.

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Outra alteração prevê que o imposto deverá ser obrigatoriamente recolhido no local de residência de quem morreu, no caso de inventários, ou no local de residência do doador, ao tratar de doações em vida. Essa mudança deve eliminar a possibilidade de os herdeiros escolherem o Estado onde abrir o inventário para buscar alíquotas mais baixas, prática que atualmente permite certa flexibilidade na escolha de jurisdição com impostos menores.

Doações de imóveis não têm volta

A advogada especialista em direito de família e sucessões, Márcia Costa Nascimento, explica que a doação de um imóvel é um processo legal que possibilita ao proprietário antecipar a partilha de seus bens, transferindo-os para outra pessoa enquanto ainda está vivo. Esse método, segundo ela, garante que o patrimônio seja distribuído de acordo com a vontade do dono.

No entanto, embora traga essa segurança, o procedimento é complexo e exige cuidado. “Antes de tudo, é fundamental que o proprietário compreenda que, ao fazer a doação, ele está abrindo mão do imóvel. Muitas vezes, a pessoa faz a doação, mas continua morando no local. Com o tempo, procura o escritório querendo vender a casa, acreditando que ainda tem algum controle sobre ela, mesmo estando em nome de outra pessoa. A doação de um imóvel equivale a uma transferência definitiva de propriedade”, conta.

Essa transferência costuma ser realizada para filhos ou outros parentes próximos. No caso de herdeiros diretos, conforme Nascimento, o valor do imóvel doado não pode ultrapassar a quantia que cada herdeiro receberia na divisão de bens para não prejudicar o valor mínimo que cada um tem direito a receber. Se a doação for feita para terceiros, o proprietário não pode doar todo o seu patrimônio porque, por lei, ao menos 50% deve ser destinado aos herdeiros legítimos.

O uso de escritura pública de doação ou testamentos públicos é uma forma segura e confiável de assegurar que o patrimônio será transmitido sem complicações ou irregularidades fiscais, protegendo os interesses dos cidadãos e de suas famílias, afirma o presidente do CNB, André Medeiros Toledo. “Hoje, é possível fazer um bom planejamento para passar o patrimônio para os herdeiros, com regras de impostos claras, permitindo que o cidadão organize essa transmissão de forma justa”, diz.

Filho único de um casal de idosos, o decorador Antônio Bonifácio, de 39 anos, sempre teve uma relação próxima com os pais e, desde cedo, diz que foi envolvido nas discussões sobre planejamento patrimonial. Com a mudança proposta pela reforma, o decorador começou a estudar e consultar especialistas para que ele pudesse entender os desafios legais que uma doação de imóvel pode envolver. Foi ele quem sugeriu aos pais que considerassem a doação ainda em vida, explicando as vantagens, como evitar possíveis disputas legais com outros parentes e garantir que o patrimônio seja transmitido conforme a vontade deles.

Apesar de conhecer os benefícios, Bonifácio também sente o peso emocional dessa decisão. Ele sabe que a doação representa um marco importante na vida da família e tem se esforçado para garantir que tudo ocorra de forma transparente e justa. Para tanto, ele acompanha de perto todo o processo, desde a escolha da escritura pública até a definição das alíquotas de imposto, ciente de que a reforma tributária pode afetar diretamente a tributação sobre o imóvel. “Meus pais sempre foram muito cuidadosos com o que conquistaram, e a decisão de doar o imóvel foi tomada com muita reflexão. Para nós, o mais importante é garantir que tudo seja feito de forma correta e que eles possam viver com tranquilidade, sabendo que o patrimônio deles estará seguro e que os impostos serão pagos de forma justa”, diz.

A advogada especialista em direito de família e sucessões, Andréa Silva Pereira, recomenda que, ao doar um imóvel para um herdeiro, o doador obtenha a concordância formal dos demais herdeiros. Isso, segundo ela, evita potenciais conflitos no futuro. Ela também destaca a importância de prestar atenção às cláusulas especiais que podem ser incluídas nesses acordos: “Não existe um modelo padrão de doação que sirva para todos. Cada família pode ter necessidades específicas que devem ser respeitadas”, alerta.

A escritura de doação pode ser realizada presencialmente em qualquer cartório de notas ou de forma digital por meio da plataforma e-Notariado. Esse documento é importante para a transferência de imóveis cujo valor exceda 30 salários-mínimos, segundo o CNB. Para formalizar a doação, é necessário apresentar os documentos pessoais de todas as partes envolvidas, além dos documentos específicos do imóvel a ser transferido, como RG, CPF, carnê do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), entre outros.

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Em casos de doação com reserva de usufruto, apenas a nua-propriedade – direito de ser o proprietário de um bem sem usá-lo ou aproveitar seus rendimentos, que ficam com outra pessoa que tem o usufruto – é transferida para o donatário, enquanto o usufruto permanece com o doador.

Isso significa que, apesar de o imóvel ter sido doado, o doador mantém o direito de utilizá-lo e desfrutá-lo conforme estipulado, podendo, inclusive, garantir esse direito por toda a sua vida. Dessa forma, o doador pode assegurar que o patrimônio continue a seu dispor enquanto ainda for de seu interesse, sem abrir mão do controle sobre o uso e os benefícios que o imóvel proporciona.

  • Quanto custa fazer doação de imóveis?

Além do ITCMD, há taxas de cartório que devem ser pagas. Esses custos variam de acordo com o valor do imóvel onde o Estado está localizado e as condições específicas da doação. Imóveis de maior valor implicam taxas mais elevadas para a formalização da escritura. Atualmente, cada Estado publica anualmente sua tabela de preços, explica a advogada especialista em direito de família e sucessões, Márcia Costa Nascimento.

“Sem aprovação da reforma tributária, o ITCMD em São Paulo, por exemplo, ainda é de 4% sobre o valor do imóvel, e esses custos são aplicados a cada imóvel individualmente. Se você estiver doando dois imóveis, terá que pagar as tarifas correspondentes para cada um”, acrescenta – veja mais sobre o assunto aqui.

  • Qualquer imóvel pode ser doado?

Há situações em que a doação de imóveis não é viável. A maioria dessas restrições se aplica à doação entre cônjuges. Em um regime de comunhão total de bens, todo o patrimônio é compartilhado – portanto, não faz sentido doar um bem específico. Na comunhão parcial, apenas os bens adquiridos durante o casamento podem ser doados, e no regime de separação total, a doação de bens é proibida.

Além disso, não é permitido doar mais da metade do patrimônio ou todos os bens, se isso comprometer a própria subsistência do doador. Também não é possível doar imóveis que tenham dívidas pendentes.