- Apesar desse tipo de fobia ser observado em países do mundo inteiro, o Brasil tem níveis um pouco acima da média
- Para especialistas, falta quebrar o tabu de falar sobre dinheiro e vencer traumas históricos relacionados ao tema
- Educação financeira liberta a pessoa dos seus medos, ao aumentar a autoconfiança e ajudar nas decisões diárias
“Fobia financeira”. À primeira vista, a expressão parece estranha, mas a verdade é que o medo de lidar com o próprio dinheiro (ou com a falta dele) é bem mais comum do que se imagina. No Brasil, duas em cada três pessoas sentem algum tipo de cansaço causado por preocupações relacionadas às finanças – e as queixas não param por aí.
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De acordo com a pesquisa “O bolso do brasileiro”, realizada pelo Instituto Locomotiva com 1.501 entrevistados, a pedido da Xpeed (escola de educação financeira e negócios da XP Inc), 46% dos brasileiros afirmam ter frequentemente ansiedade em relação à sua situação financeira, enquanto 47% dizem se sentir inseguros em lidar com informações recebidas de serviços financeiros. E o mais preocupante: este receio leva 21% a evitarem abrir boletos e extratos e 39% a adiarem decisões financeiras pelo medo de encarar o orçamento.
Também para 39%, o assunto dinheiro gera culpa e ansiedade. Outros 31% se sentem irritados de alguma forma com a atual situação financeira. Ou seja, o brasileiro não tem o hábito de falar sobre finanças e atribui aspectos negativos ao assunto. É um tabu.
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Segundo Thiago Godoy, head de educação financeira da Xpeed, o objetivo do levantamento foi identificar como está o aprendizado do brasileiro em relação às finanças. Uma das frentes analisadas foi a questão da ansiedade perante o dinheiro. “Talvez o maior problema para começar a educar as pessoas financeiramente é destravar esses medos e ansiedades”, diz.
O especialista explica que, apesar desse tipo de fobia ser observado em países do mundo inteiro, o Brasil tem níveis um pouco acima da média. “Ao olharmos do ponto de vista cultural e histórico, levando em conta a nossa herança de colonização, tivemos o maior número de escravizados das Américas, sem nunca haver uma reparação disso”, afirma Godoy. “Isso significa que o dinheiro não foi dividido de maneira proporcional, são questões intergeracionais, passam de pai para filho há séculos”, diz o executivo da XP.
Na opinião de Andreia Fernanda da Silva Castro, economista e fundadora da Rico Foco, consultoria de planejamento financeiro, falta quebrar o tabu de falar sobre dinheiro. “Há um desconhecimento mesmo, nós não falamos sobre dinheiro no sentido de desmistificar”, diz ela, lembrando traumas históricos relacionados ao assunto. “Tivemos a questão da hiperinflação vivida no Brasil. Fomos treinados a gastar na hora, tudo, com medo de não conseguir comprar o básico no dia seguinte. A geração hoje na faixa dos 40 anos cresceu vendo seus pais correrem para gastar o dinheiro por conta do aumento rápido de preços”, afirma.
Esses “traumas” deixaram sequelas na forma com que os brasileiros tratam seus gastos. Com isso, as pessoas tendem a ser muito ‘curtoprazistas’ em relação às finanças, sem o hábito de poupar pensando no futuro. É a hiperinflação calcada na memória.
O resultado de todo esse histórico é uma relação muito emocional com o dinheiro, com a consequente dificuldade de encarar as próprias finanças de uma maneira fria e racional. Com isso, a pessoa acaba perdendo o controle sobre as próprias dívidas – o que só retroalimenta o medo.
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Existem várias tentativas para quebrar esse tabu entre os brasileiros. O Banco Central (BC) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), por exemplo, devem lançar até outubro do ano que vem uma plataforma de educação financeira. Para isso, está sendo realizada uma pesquisa qualitativa em nível nacional com 10 mil pessoas. A partir deste levantamento, será formulado o Indicador de Saúde Financeira, índice que trará uma espécie de diagnóstico de como o brasileiro lida com o dinheiro.
Você não está sozinho
Segundo os especialistas, é importante entender que esse tipo de temor ao lidar com o dinheiro é real e aflige muita gente. A fobia financeira se manifesta, inclusive, com sintomas físicos. Tremedeira, palpitação e suor excessivo ao lidar com números são relatados por 23% da população, por exemplo.
Também há relatos de dor nos músculos (23%) e dificuldades para dormir (21%), devido à ansiedade ao organizar o dinheiro. “Em um certo nível, é preciso um profissional de saúde mental, mas a educação financeira também liberta, no sentido de aumentar o conhecimento financeiro e fazer com que as pessoas se sintam mais seguras”, diz Godoy.
Andreia concorda. “Com a educação financeira, eu aumento a autoconfiança e consigo fazer escolhas melhores. Lido inclusive com a minha frustração, por não ficar rolando dívidas sem fim”, afirma. Para ela, junto com a educação financeira, é preciso estimular a comunicação sobre o assunto. “E assim quem tem esta fobia vai saber que não está só.”
(Colaborou Luiz Felipe Simões)