Quem decide investir na reforma de um imóvel — seja para valorizá-lo, adaptá-lo a novas necessidades ou corrigir desgastes — precisa estar atento a uma etapa frequentemente negligenciada: a organização e a guarda dos documentos. Mais do que um cuidado administrativo, manter os papéis certos em ordem pode fazer a diferença entre pagar imposto a mais ou manter a regularidade fiscal.
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Ao contrário do que muitos imaginam, declarar os gastos com obras no Imposto de Renda não é suficiente por si só. A Receita Federal exige que toda benfeitoria que altere o valor do imóvel seja comprovada de forma documental. E anotações em cadernos, estimativas ou planilhas sem respaldo fiscal não são aceitas em caso de fiscalização. “Todos os valores declarados são passíveis de comprovação perante o auditor fiscal da Receita se o contribuinte for intimado a isso. Então é necessário ter esses documentos guardados para não sofrer nenhuma sansão se a intimação ocorrer”, afirma David Leite, sócio da Blue3 e diretor contador da Contabilidade da Bolsa.
O primeiro passo, segundo especialistas ouvidos pelo E-Investidor, é reunir todas as notas fiscais de materiais, emitidas obrigatoriamente em nome do proprietário do imóvel. Elas devem detalhar os itens adquiridos — como pisos, tintas, móveis planejados embutidos, sistemas hidráulicos, elétricos, entre outros. No caso de contratação de mão de obra, notas fiscais de prestadores de serviço também são exigidas. Se o serviço foi realizado por um profissional autônomo, como um pedreiro ou eletricista, o recibo precisa conter CPF, a descrição dos serviços prestados, datas e valores.
Outro documento que dá respaldo formal à reforma são os contratos com empreiteiras, arquitetos ou engenheiros. Eles demonstram a contratação e o escopo do trabalho. Orçamentos, e-mails trocados, plantas, cronogramas e demais arquivos complementares também devem ser arquivados. Nos casos de intervenções estruturais, é necessário guardar os projetos técnicos e plantas assinados por profissionais com registro no CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) ou CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo).
E não adianta ter os comprovantes fiscais sem os comprovantes de pagamento correspondentes. Transferências via TED ou PIX, comprovantes de boletos quitados ou extratos bancários que demonstrem a saída dos valores ajudam a fechar o elo entre a documentação fiscal e o desembolso efetivo. Sem eles, há risco de questionamento mesmo com a nota fiscal em mãos.
Prazo para guardar a documentação
A legislação determina que os documentos que respaldam o Imposto de Renda devem ser guardados por cinco anos a partir da data de entrega da declaração. No entanto, no caso de reformas, especialistas em contabilidade e direito tributário recomendam manter esses papéis até o momento da venda do imóvel. Isso porque, na hora de apurar o ganho de capital, só poderão ser abatidos os valores devidamente comprovados. “Jogar fora a nota da obra é como rasgar dinheiro. Mesmo após cinco anos mantenha todos os documentos até a alienação definitiva do imóvel”, diz Gabriel Santana Vieira, advogado especialista em direito tributário e sócio-proprietário do Grupo GSV.
A lógica é simples: ao vender um imóvel por valor superior ao que consta na declaração, o contribuinte deve pagar imposto sobre a diferença, que é tratada como ganho de capital. Entretanto, esse valor pode ser reduzido caso reformas feitas ao longo dos anos tenham sido devidamente registradas e comprovadas. Quem não possui a documentação, mesmo tendo realizado a obra, pode ser impedido de incluir esse custo no cálculo — e, consequentemente, pagar imposto maior.
Há ainda casos em que reformas são realizadas em imóveis herdados, doados ou em comum com outros proprietários. Nessas situações, a organização documental é ainda mais relevante porque pode haver necessidade de comprovação conjunta, partilhada ou judicial, dependendo da configuração do imóvel e do relacionamento entre os proprietários. “Enquanto for proprietário do bem, manter a documentação indefinidamente. Isso porque, caso a Receita questione o valor declarado ou a evolução patrimonial, o contribuinte precisará comprovar o custo de aquisição atualizado pelas benfeitorias”, enfatiza Marcos Piellusch, professor da Fia Business School.
Guia rápido: documentos do imóvel – o que guardar e por quanto tempo
Item
Orientações práticas
Documentos
Notas fiscais, recibos, contratos, projetos, alvarás, comprovantes de pagamento, fotos.
Prazo mínimo de guarda
Cinco anos após a entrega da declaração que utilizou os documentos (geralmente após a venda do imóvel).
Prazo ideal de guarda
Indefinidamente, até a venda ou alienação do imóvel.
Por que é importante?
Evita aumento indevido do imposto, glosas fiscais, multas e questionamentos da Receita.
Reformas por conta própria
Guarde notas fiscais dos materiais e a descrição detalhada da obra. Fotos ajudam na comprovação.
Cruzamento de dados
O aumento da digitalização no sistema da Receita também significa maior capacidade de cruzamento de dados. Informações sobre transações bancárias, emissão de notas fiscais eletrônicas e movimentações de bens já são frequentemente analisadas por algoritmos que identificam inconsistências. Por isso, guardar os comprovantes em meio físico e digital, com backup seguro, se torna uma medida de prudência. “Se o contribuinte declara que reformou o imóvel, mas não consegue comprovar, ele pode cair na malha fina, ser autuado e ter que pagar multa e juros; pode ter dificuldades para defender patrimônio numa futura venda, e de enfrentar problemas, inclusive, para herança ou inventário do bem”, completa Vieira.
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Outro ponto importante: reformas que envolvam modificações na planta original, ampliações ou construção de áreas externas muitas vezes precisam de aprovação da prefeitura local. A ausência de regularização pode gerar multas e embargos, além de inviabilizar o uso dessas benfeitorias para fins de valorização do imóvel no IR.
Para quem já realizou a reforma e não guardou os documentos, ainda é possível tentar reunir parte das provas, solicitando segunda via de notas fiscais ou recuperando comprovantes de transferências bancárias. Mas o ideal é se organizar desde o início da obra, como se estivesse se preparando para uma eventual auditoria.