Mercado já dá como certo o fim do ciclo de aperto monetário este ano. Foto: AdobeStock
Mesmo com o Banco Central elevando a Selic para o maior patamar desde 2006, a 14,75% ao ano, e adotando um tom de cautela sobre o que vai fazer à frente, o mercado ainda espera mais uma alta para 15% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), mas já enxerga o fim do ciclo de aperto monetário ainda este ano. A projeção do Boletim Focus desta semana aponta juros em 14,75% ao fim de 2025. Essa previsão, cada vez mais confiante, reforça a leitura de que o momento para se posicionar em papéis de prazos mais longos – e, portanto, mais sensíveis à trajetória futura dos juros – se mantém favorável.
“Ainda dá para ser agressivo na renda fixa”, diz Felipe Pontes, gestor de patrimônio e sócio da AvantGarde Asset Management e autor de livros como o “Manual do Investidor Completo”. Ele diz que vem posicionando 30% de sua carteira de renda fixa no longo prazo desde o ano passado, sempre comprando nos picos de juros os títulos mais longos, principalmente Tesouro IPCA+ 2050, que ainda hoje paga acima de 7% ao ano.
A lógica por trás da estratégia tem a ver com o chamado duration. Quando os juros caem, os títulos de renda fixa com prazos mais longos (maior duration) se valorizam mais. “Parte do mercado considera que a economia interna e externa passará por um desaquecimento mais intenso do que inicialmente imaginado, o que, se confirmado, pavimenta o caminho para uma taxa de juros igualmente menor”, afirma Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital.
Estratégia contém riscos
Neste cenário, é possível ter um bom retorno ao vender esses papeis, sem precisar esperar 2050 chegar. É claro que a estratégia é arriscada e, se o plano não sair como o esperado (a queda de juros), o investidor terá de segurar o papel.
“Nesse patamar de taxas, eu fico confortável de segurar por mais tempo, se precisar”, diz Pontes. Apesar do risco, ele trabalha com um cenário base de taxas menores em 2027. “Não tem como o próximo governo, qualquer que seja, continuar gastando no ritmo atual por muito mais tempo. O custo da dívida vai ficando cada vez mais alto”, opina.
O mercado trabalha com a visão de que, em algum momento, será necessário ajustar as contas públicas ou empurrar o problema através de mais inflação, que é um risco político para qualquer governo. “Por isso que eu estou pensando em 2027 como uma data de virada para a taxa de juros. Vai começar a cair mais forte e abrir oportunidade para a gente vender esses papeis de longo prazo.”
Impacto do desconto a valor presente
A lógica por trás do duration passa pelo entendimento de como funciona o desconto aplicado aos títulos. Geralmente um título público costuma ter valor de face de R$ 1.000, mas é vendido no mercado por um valor menor, R$ 700, por exemplo. A diferença (R$ 300) representa os juros embutidos, que o investidor recebe se mantiver o papel até o vencimento.
Esse abatimento é calculado com base em uma taxa de juros, num processo chamado de desconto a valor presente. Quanto maior a taxa, menor o preço do título hoje, na chamada marcação a mercado. Ou seja, quando os juros estão altos, como agora, o desconto é maior – e, por consequência, o potencial de valorização também, caso os juros caiam mais à frente.
Simulação com Tesouro Prefixado 2032:
Cenário 1: comprei o título com vencimento em 2032 pagando R$ 423,03 por cada unidade no dia 06 de maio de 2025, a uma taxa de 13,94% ao ano
Dois anos depois, a taxa de mercado (DI) cai para 10%.
O preço do título sobe para R$ 641,36
Isso gera uma valorização total de 51,6% nesses 2 anos. Equivalente à taxa de retorno anual de 23,13%
Cenário 2: comprei o mesmo título do cenário 1
Dois anos depois, a taxa ao invés de cair, sobe para 20%
O preço do título fica em R$ 427,56.
Isso gera uma valorização total de 1,07% nesses 2 anos. Equivalente à taxa de retorno anual de 0,53%
Se o vencimento do título fosse em 2050:
– Cenário 1: a valorização seria de 51,07% ao ano!
– Cenário 2: haveria desvalorização 34,84% ao ano!
Quanto maior o prazo do título, maior a duration, e maior a sensibilidade do preço às variações na taxa de juros
Marcação é melhor com títulos públicos
A estratégia é ainda mais arriscada com títulos prefixados. Isso porque as chamadas LTNs (Letras do Tesouro Nacional) têm um prazo de vencimento mais curto, com a mais longa vencendo em 10 anos. “Se eu comprei com rendimento de 15% ao ano e a Selic subir, fico travado com uma taxa menor. Por isso, combino diferentes tipos de título: compro LTN, LFT e NTN-B – o Tesouro Prefixado, Tesouro Selic e Tesouro IPCA+”, comenta.
Essa tática é mais adequada para títulos públicos. No crédito privado o mercado secundário não tem a garantia de liquidez provida pelo Tesouro Nacional, ou seja, é mais difícil se desfazer do papel antes do vencimento. Além disso, o risco é corporativo, não é soberano. Ou seja, se os juros ficam altos por muito tempo, as empresas tendem a se endividar mais, o que pode aumentar o risco de calote. “Os títulos públicos têm risco muito menor de inadimplência e oferecem liquidez diária garantida pelo Tesouro Nacional”, diz Pontes.