Juros remuneram não só pelo tempo, mas também pelos riscos envolvidos. Foto: AdobeStock
Quando títulos com vencimento de curto prazo passam a pagar mais do que os de longo prazo, algo está fora do lugar. Afinal, os juros remuneram pelo tempo e, quanto maior o prazo, maior costuma ser o risco. Por isso, no jargão do mercado financeiro, esse fenômeno é conhecido como curva invertida, que apareceu nos papéis do Tesouro IPCA+em 2024 e 2025. É o sinal de que o mercado espera queda dos juros no futuro, que geralmente vem acompanhada de desaceleração econômica.
“Temos hoje uma taxa de curto prazo extremamente elevada. A curva (invertida) reflete a avaliação do mercado de que essa taxa mais alta vai provocar desaceleração da economia e da inflação, o que abre espaço para cortes à frente”, explica Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter.
O movimento do Banco Central reforça essa dinâmica. Na semana passada, na reunião do Copom de 18 de junho, a autoridade monetária a Selic de 14,75% para 15% ao ano ampliando ainda mais o aperto, mas sinalizando que pode interromper o ciclo de alta reconhecendo que o atual patamar atual de juros é bastante restritivo.
A explicação está na diferença entre a Selic atual em relação ao que seria considerado o juro neutro da economia, uma taxa que nem estimula, nem contrai a atividade. “A taxa de hoje é muito alta. Com isso, a atividade cai, a inflação cai e aí você pode fazer alguns cortes [nos juros]”, explica a economista. “A taxa de juros neutra hoje é mais próxima de 5%. Com a inflação mais próxima de 4%, a Selic poderia voltar para a faixar mais próxima de 9%”.
Em junho, o IPCA fechou em 5,32% no acumulado de 12 meses. Para 2026 a mediana do mercado, aponta, segundo o Boletim Focus, para uma inflação de 4,5% em 2026.
Os movimentos mais recentes dos títulos do Tesouro IPCA + mostram como esse movimento de expectativas em relação aos juros na forma de uma boca de jacaré, com os títulos de vencimentos mais curtos pagando cada vez mais em relação aos longos:
“Em condições normais, quanto maior o prazo do título, mais elevada a taxa exigida, como compensação pelo tempo e risco. Quando essa lógica se inverte, com prazos mais curtos pagando mais que os longos, o mercado está sinalizando que espera uma desaceleração da economia e de necessidade de cortes de juros à frente”, explica Rafael Haddad, planejador financeiro do C6 Bank. É a forma como o mercado expressa sua desconfiança em relação ao cenário econômico adiante.
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No caso de 2024 e 2025 , a inversão da curva se deu pelo cenário de inflação fora de controle causada pela falta de disciplina fiscal do governo, o que pressionou o banco central a manter as taxas de juros mais altas. O aperto monetário mais forte aumentou a expectativa de uma desaceleração econômica. Por isso, os investidores passaram a exigir retornos menores nos títulos de médio e longo prazo, ao prever uma queda nos juros e no crescimento da economia nos próximos anos.
O Brasil tem um nível de endividamento alto para um país emergente. Segundo dados do Banco Central, a dívida bruta do setor público alcançou 76,2% do PIB em fevereiro de 2025, um aumento em relação aos 75,7% registrados em janeiro. O nível de endividamento do País é uma preocupação crescente, especialmente devido à sua composição e sensibilidade às taxas de juros. Quase metade da dívida é corrigida pela Selic, sendo que quase 20% dela vai vencer no curto prazo, em até 12 meses.
Mas, quando a curva aponta para uma conversão, os sinais são outros. A partir dos primeiros meses de 2025, houve uma divergência entre as taxas do Tesouro IPCA+ 2029, que passaram a cair e as de 2040, que passaram a subir. “Isso aponta para preocupações específicas com o médio prazo (5 a 10 anos)”, explica Vitor Oliveira, sócio da One Investimentos.
Segundo ele, o mercado reage a riscos relacionados à sustentabilidade da dívida pública ou à incerteza sobre políticas econômicas nesse horizonte, o que aumenta os prêmios de vencimentos intermediários como os de 2040. “Outro ponto também é o fluxo de capital para a parte intermediária da curva: com demanda mais baixa, o preço do título cai e a taxa sobe”, completa.