“O ponto não é excluir a renda variável, mas considerar que a volatilidade dos títulos longos pode proporcionar ganhos capazes de superar portfólios muito bem montados”, afirma o analista Rafael Zattar, entusiasta do Renda+ 2065, o título público mais longo disponível no mercado, com vencimento em 40 anos. O papel paga a inflação (IPCA) acrescida dos juros contratados e, no vencimento, inicia o pagamento de uma renda mensal vitalícia por 20 anos ao investidor.
A animação do profissional deriva do fato de que esse título paga hoje uma taxa excepcional de IPCA + 7,15%, uma taxa real fora do comum para contratar por décadas. “Na pior das hipóteses, se o cenário não se concretizar (os juros caírem), é uma herança garantida”, diz Zattar. Na sua visão, títulos com vencimentos mais curtos também devem fazer parte da carteira, na estratégia de carregá-los até o vencimento, usando os ultralongos para marcação a mercado, que é a reavaliação diária do preço de um título conforme as oscilações das taxas de juros de mercado.
Potencial de ganho de títulos longos
Rafael Winalda, analista de renda fixa do Banco Inter, concorda que há oportunidades, mas faz ressalvas. O IPCA+ 2050, um pouco menos longo, pagava, na semana passada, na casa do IPCA +7,10%. Segundo suas contas, se a taxa cair para IPCA+6 em dois anos, a rentabilidade bruta seria de quase 87%. Ele alerta, no entanto, que não é uma estratégia para todos. “O investidor precisa entender que os juros podem ir contra, e se precisar de liquidez no meio do caminho pode sofrer marcação negativa”.
Zattar concorda que esse tipo de operação deve ter limite. Para ele, a alocação em ultralongos não deve passar de 10% do portfólio, percentual que deve ser reduzido conforme a idade mais avançada do investidor e patrimônios maiores, casos em que o investidor deve se resguardar de riscos maiores.
A simulação ajuda a dimensionar o potencial de um título ultralongo como o Renda+ 2065. Se a parte prefixada desse título cai dos atuais 7,15% para 3% em cinco anos, por exemplo, o retorno pode chegar a 618%, num cenário de inflação a 5%. Isso transformaria R$ 100 mil em R$ 718 mil. Numa queda para 4%, o ganho seria de 412%. Caindo para um IPCA + 5%, seriam 266% de lucro. As projeções são do próprio analista.
Por outro lado, se os juros subirem, a perda viria numa mesma magnitude. Portanto, quem pensa num título longo pensando no potencial de ganho no curto prazo, tem que estar bem convencido de que a economia brasileira vai melhorar nos próximos anos.
Diferença da volatidade da Bolsa para títulos longos
A lógica, aliás, não difere muito das ações, que também se desvalorizam em cenários adversos. Mas o analista da Hike Capital, Leonardo Andreoli, chama atenção para as diferenças entre a renda fixa de longo prazo e a Bolsa. Ele lembra que os títulos têm retorno limitado ao cupom real contratado, por isso é possível mensurar o ganho ou perda de acordo com a variação das taxas.
Já as ações, além de se beneficiarem com a queda dos juros, não têm teto de valorização. “Uma empresa sólida pode expandir margens, aumentar dividendos e multiplicar de valor no longo prazo. Essa assimetria é maior na Bolsa”, defende.
Para Zattar, identificar as tais ‘boas empresas’ para investir, no entanto, é o grande problema. “Se perguntarmos a dez analistas quais são as 10 melhores companhias, teremos dez listas diferentes”, observa. Para ele, seria mais fácil capturar o ganho da duration do Tesouro 2065 do que selecionar papéis vencedores ao longo das próximas décadas. Duration é a medida que mostra em quanto tempo, em média, o investidor recupera o valor aplicado em um título, refletindo sua sensibilidade aos juros.
Por outro lado, a tarefa de encontrar boas empresas também não é impossível. Andreoli destaca que companhias sólidas como grandes bancos, seguradoras e elétricas têm histórico de ROEs (retorno sobre o patrimônio) de 15% a 20%, alta geração de caixa e dividendos consistentes, além de potencial de valorização se o prêmio de risco do Brasil melhorar.
Na visão de Matheus Amaral, especialista em renda variável do Banco Inter, há um componente de assimetria a favor da Bolsa, com os múltiplos atuais abaixo da média dos últimos dez anos. O nível de ganho, no entanto, não pode ser mensurado. “A Bolsa tem inúmeras variáveis”, diz. Ainda assim, setores como varejo, imobiliário e bancos tendem a destravar num ciclo de queda da Selic, observa.
Quando a Bolsa é mais segura que a renda fixa
Uma forma de capturar o potencial de valorização da Bolsa é investir por meio de fundos de ações bem geridos. Casas como Real Investor, Charles River e Tarpon Capital figuram entre as opções que já entregaram retornos acima do Ibovespa — ainda que seja importante lembrar que performance passada não garante resultados futuros.
Para João Piccioni, da Empiricus Asset, a Bolsa se mostra mais razoável do que alguns papéis do Tesouro. Segundo ele, apostar em um título 2065 exige “um otimismo quase cego” de que a economia brasileira terá êxito contínuo pelos próximos 30 anos. “Na Bolsa, acredito que veremos novas empresas entrando no Ibovespa e entregando retornos acima da média. Esse risco me parece mais razoável do que travar um título tão longo”, argumenta.
Na mesma linha, Laís Costa, também da Empiricus, aponta outro contraponto em favor das ações. Ela destaca que, com a curva de juros invertida, os títulos de renda fixa mais longos não oferecem prêmio adicional em relação aos de prazos curtos. “O risco de longo prazo é basicamente fisca, e o mercado não está pagando por ele. Eu prefiro duration mais curta”, afirma.
Alternativas mais seguras na diversificação
Títulos com prazos intermediários, como o IPCA+ 2029, oferecem hoje taxas reais em torno de 7,5% ao ano, sem expor o investidor ao risco fiscal prolongado. Nesse cenário, Andreoli, da Hike Capital, aponta que alocações em crédito privado — como FIC FIDCs (Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) e fundos de debêntures incentivadas — conseguem entregar retornos acima do CDI, , com baixa volatilidade e vantagens tributárias. “Só em momentos excepcionais, como prefixados pagando acima de 16% ou 17% ao ano, é que vale a pena travar um retorno por muito tempo”, ressalta.
No fim das contas, a exposição ao risco para buscar maior remuneração na carteira depende do perfil de cada investidor. O que deve prevalecer em qualquer estratégia, porém, é a diversificação. Como lembra Rafael Winalda, uma carteira equilibrada não se apoia em uma única aposta, mas em diferentes frentes: renda fixa curta, intermediária e longa, além de Bolsa e ativos internacionais.