Modelo de consultoria pode sugerir produtos mais alinhados aos interesses dos investidores. Foto: Adobe Stock
O número de consultores de investimentos no Brasil cresceu 173% nos últimos sete anos, passando de 659 em 2018 para mais de 1,8 mil em 2025, segundo dados da SmartBrain. A empresa, que fornece ferramentas e informações para profissionais do setor, projeta uma expansão ainda mais acelerada até 2030, quando o total deve superar a marca de 5 mil consultores.
Os efeitos desse “boom” não são puramente nos negócios: o novo formato também pode mexer na carteira do investidor. Isso porque a consultoria funciona a partir da cobrança de um preço fixo e não depende do comissionamento vindo da venda de produtos, como acontece nas assessorias. Por isso, ela é defendida como um modelo que pode reduzir o conflito de interesses.
Como a remuneração dos profissionais não depende da comissão recebida pelos produtos, a gestão do portfólio consegue ser feita de maneira mais independente e alinhada com o perfil de risco e objetivos do cliente.
Artur Carneiro, sócio-fundador da gestora Éxes, acredita que o formato pode ampliar a aceitação de produtos hoje pouco recomendados por assessores.
“Estou bem confortável em dizer que o perfil da carteira dos investidores deve mudar ao longo do tempo com a redução do conflito de interesses”, diz Carneiro.
A percepção de integridade no mercado brasileiro, no geral, ainda mostra fragilidades. É o que revela uma pesquisa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que avaliou o comportamento ético dos profissionais do mercado, incluindo conselheiros e diretores de companhias abertas, auditores independentes, assessores de investimento, analistas, consultores, gestores e administradores de fundos de investimento.
Os participantes da pesquisa atribuíram nota 2,57 – numa escala de 1 a 5 – à integridade dos profissionais. O resultado ficou entre pouco íntegro (2,00) e razoavelmente íntegro (3,00 – valor médio da escala). O levantamento foi feito entre os dias 28 de abril e 19 de maio de 2025, com 1.526 respostas.
Para Gian Kojikovski, CEO da Suno, não existe um modelo profissional “melhor” do que outro. “Não dá para cair nesse conto de que a profissão de assessor é a pior do mundo e a profissão de consultor é a melhor. Existem maus profissionais em todos os lugares. Tudo depende da qualificação de cada um”, afirma.
Ele recomenda que o investidor busque um atendimento completo, que não olhe só para a “caixinha” dos investimentos, mas monitore a sua vida financeira por inteiro, com foco em temas como sucessão patrimonial e planejamento tributário.
Consultoria veio para ficar
Se antes os consultores tinham dificuldades para se manter no segmento, hoje o desenvolvimento na área se tornou mais acessível. “Há uma estrutura tecnológica, muitas vezes sustentada por escritórios maiores, que oferecem suporte jurídico. Isso possibilita atender clientes com tíquetes menores do que no passado”, afirma Bruno Salles, head de produtos e marketing da SmartBrain.
Há negócios já consolidados no mercado. Um exemplo é a Nord Wealth, que tem cerca de R$ 8 bilhões em ativos sob custódia (AuC). A Portfel, do Grupo Primo, atingiu recentemente R$ 11 bi em AuC e planeja chegar a R$ 100 bilhões em cinco anos atendendo um público com tíquete menor, a partir de R$ 100 mil investidos. Veja aqui a entrevista com o novo CEO da empresa.
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Carneiro, da Éxes, afirma que a gestora também está mapeando oportunidades de investimento em consultorias. “Ainda é preciso uma mudança de mentalidade por parte dos investidores para que o setor ganhe escala, mas esse movimento deve acontecer com o tempo.”
Os produtos que podem ganhar espaço
Especialistas ouvidos pelo E-Investidor avaliam que a evolução do modelo de consultoria, sozinha, não garante a popularização de determinados produtos de investimento, mas pode ser uma peça relevante nesse quebra-cabeça – ao lado das condições macroeconômicas e do amadurecimento da própria indústria.
Entre os ativos com maior potencial de adesão, estão os ETFs (fundos de índice). Como raramente geram comissões para assessores, tendem a ganhar mais espaço entre os consultores. Somado a isso, o mercado evolui com uma maior variedade de fundos disponíveis. Hoje já existem opções que combinam estratégias de renda fixa e variável e que pagam dividendos — modalidade autorizada pela B3 desde o início de 2023.
Outro segmento que pode ganhar tração são os títulos públicos do Tesouro Direto, em especial os mais recentes: o Renda+, voltado à aposentadoria, e o Educa+, direcionado ao financiamento de estudos. Profissionais acreditam que esses papéis devem se consolidar ao longo do tempo, à medida que o mercado se familiarize com eles.
Rodrigo Sgavioli, head de alocação do research da XP, também vê potencial em ativos internacionais. “Acho que os profissionais do mercado têm um papel muito relevante de aproximar o investidor desse tipo de ativo e fazer com que ele entenda os riscos e benefícios de usar esse instrumento na construção do portfólio”, diz.
Ele pondera que não existe uma receita única: cada caso deve ser avaliado de acordo com o perfil de risco e os objetivos individuais do investidor. “É fundamental ajustar a dose para que o ativo não se torne um veneno, mas sim um remédio para a carteira”, conclui.
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Uma outra questão está no timing das indicações de produtos. Hoje, Carneiro, da Éxes, observa uma forte atuação dos assessores na venda de fundos listados em Bolsa – como Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) –, no momento em que há uma oferta de cotas, quando há maior possibilidade de remuneração para os profissionais.
Para o investidor, no entanto, o melhor momento de entrada costuma ser outro. “Muitas vezes, a melhor hora de comprar esses produtos é justamente quando não há novas ofertas, pois os preços tendem a estar mais descontados”, afirma.
E quem pode perder espaço?
Se, de um lado, alguns produtos podem receber maior atenção dos consultores, do outro, ativos mais arriscados tendem a perder destaque. Kojikovski, da Suno, identifica isso no caso dos produtos de crédito privado – opção em que o investidor compra títulos emitidos por empresas e, em troca, recebe remuneração com juros.
“Muitos desses títulos eram vendidos diretamente ao investidor, que às vezes nem entendia seu funcionamento. Agora o crédito privado deve entrar na carteira por meio de fundos, com ativos selecionados por gestores qualificados”, afirma Kojikovski.
Além da discussão sobre os produtos em si, o estilo de movimentação da carteira também pode mudar. Caio Tonet, diretor institucional da W1, observa que assessores sem postura profissional acabam girando demais o portfólio do cliente em renda variável — comprando e vendendo ativos muito mais vezes do que o necessário, para gerar maior benefício de corretagem.
“Com o consultor e o uso de uma remuneração fixa, em vez de ficar girando o ativo sem necessidade, existe espaço para que o investidor tenha posições mais longas. Isso deve ajustar o estilo de alocação na renda variável”, destaca.