

Em meados de fevereiro, quando a Berkshire Hathaway, conglomerado de investimentos do megainvestidor Warren Buffett, divulgou os resultados do último trimestre de 2024, a redução do tamanho da carteira do mago de Omaha chamou a atenção do mercado. As movimentações de um dos maiores investidores do mundo costumam ser acompanhadas com lupa por investidores e podem, mais uma vez, ter dado um indício de uma estratégia que vem ganhando espaço e pode ajudar a navegar melhor por 2025. A Berkshire aumentou sua reserva de caixa para o recorde de US$ 334 bilhões – uma escolha por liquidez em meio a tempos incertos no mercado.
Com i cenário global repleto de fatores que trazem volatilidade, manter um caixa estratégico pode ajudar a proteger o portfólio. Uma estratégia que, no Brasil, parece ainda mais vantajosa graças aos altos retornos oferecidos por ativos conservadores e com liquidez diária na renda fixa.
“É a flexibilidade de fazer uma alocação ponderada ao longo do tempo para aproveitar oportunidades, que surgem em tempos de maiores incertezas como os que estamos vivendo hoje”, define João Acar, sócio fundador da Driven Capital.
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Se é justamente nos momentos de estresse que surgem as melhores oportunidades de investimento, o investidor não pode correr o risco de ficar de fora porque não tinha recursos no momento. Acar dá um exemplo: em meados de 2024, quando as taxas de juros dos títulos públicos começaram a subir, o “IPCA + 6%” era tido como uma oportunidade única, um “juro insano” que há tempos não era visto. Era verdade, sim, mas quem colocou todo o dinheiro que tinha logo naquele momento ficou sem recursos para investir mais quando os retornos ficaram ainda melhores e o “IPCA + 7%” apareceu.
Na prática, o caixa funciona como um colchão de liquidez para ganhar tempo para analisar no que se deseja investir. O diferencial em países como o Brasil é que o investidor é muito bem remunerado para pensar. “Hoje, um caixa rendendo a 14% ao ano é algo muito agradável de se ter. Você perde muito pouco em relação a outros investimentos”, destaca o sócio da Driven.
A casa tem reduzido a exposição a risco das carteiras dos clientes, diminuindo a parcela investida em ações e multimercados e direcionando para a renda fixa. Um movimento estratégico para surfar a alta de juros no País. “Quando os juros começarem a cair, faremos o inverso. Tirar aos poucos do nosso caixa e ir aplicando nessas classes de ativos”, diz Acar.
Não existe um tamanho ideal para esse caixa, mas, segundo os especialistas, o momento pede que a reserva de liquidez seja um pouco maior do que o habitual. Isso porque, idealmente, o investidor já mantém uma reserva de emergência em investimentos de baixo risco e de liquidez diária – uma segurança importante, mas que se difere do caixa estratégico. A ideia aqui é estar preparado para ajustar o portfólio de investimentos em meio às oscilações que podem, e devem, acontecer ao longo do ano.
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Para Fernando Bento, sócio fundador da FMB Investimentos, o bom início de ano vivido pelo mercado brasileiro, com certa acomodação da curva de juros, alívio no dólar e alta na bolsa não deve predominar em todo 2025. O cenário ainda conta com incertezas fiscais no Brasil, um ciclo de alta de juros ainda em voga e desafios de combate à inflação, além da antecipação das discussões relacionadas às eleições de 2026. Lá fora, a cautela também predomina frente às tarifas comerciais divulgadas na última semana pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e receios com o ritmo da economia americana.
“Eu particularmente não me animo, mas são justamente as pioras de mercado que geram oportunidade. Quanto mais incerteza no cenário, maior deveria ser esse caixa estratégico”, destaca.
Estratégia de negócios
Manter um nível maior de caixa de liquidez não é uma alternativa que pode ajudar apenas os investidores individuais. Do ponto de vista de negócios, algumas assessorias e gestoras de recursos também têm optado pela estratégia. Assim, se o cenário piorar, estão preparadas para eventuais turbulências de mercado; se melhorar, conseguem capturar oportunidades e até, eventualmente, fazer aquisições.
A FMB se diz particularmente atenta às oportunidades do momento. “Em um cenário de aumento de juros, é natural que uma parcela das empresas passem aperto. Uma incorporação de um escritório menor, por exemplo, poderia fazer sentido e estamos atentos a isso”, destaca o CEO Fernando Bento.
O argumento é que, dado o nível de incerteza no mercado, um nível de caixa mais elevado serve de proteção. “Faz sentido tanto para aproveitar uma oportunidade de compra, mas também para passar por esse período mantendo um bom rating de crédito, sem nenhum tipo de perrengue em um contexto que, de forma geral, deve começar a impactar quem está menos precavido”, afirma Bento.
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Na carta de gestão do mês de fevereiro, a Sparta também destacou que está mantendo níveis elevados de caixa. Em 2024, a gestora surfou o boom vivido pelo mercado de crédito privado e viu seu patrimônio sob gestão subir de R$ 10 bilhões para R$ 17 bi. Desde então, fechou a captação de alguns fundos justamente para evitar a pressão de alocar a qualquer preço e, assim, conseguir manter maior liquidez.
Para atender à demanda, a gestora reabriu pontualmente o fundo Debêntures Incentivadas Inflação no dia 1º de abril. Com patrimônio perto de R$ 1,2 bilhão e cerca de 25 mil cotistas, a captação estava fechada há um ano. A ideia, a princípio, é captar no máximo R$ 500 milhões. “Temos outros fundos ainda abertos, mas que não temos divulgado muito. Se começarem a captar, a gente fecha”, diz o CEO Ulisses Nehmi.
Ele explica que não vê gatilhos objetivos que levariam a uma abertura dos spreads dos títulos de crédito. Na outra ponta, o momento macroeconômico de alta de juros torna o risco de crédito potencialmente maior. Na dúvida, gestores do segmento têm preferido manter uma cautela adicional, reabrindo a captação apenas em momentos pontuais quando veem oportunidade de comprar títulos melhores. “O ambiente exige prudência, até porque é assim que conseguimos transformar eventuais chacoalhões, crises, em oportunidades. Se tiverem coisas boas sendo negociadas com preços descontados, teremos caixa para aproveitar”, afirma.
Para Nehmi, um investidor que esteja 100% alocado no momento não é arrojado, mas pouco estratégico. “Quando os papéis caírem, a única coisa que ele vai poder fazer é acender uma vela”, brinca. “Um investidor inteligente é o que tem metade investido e metade em caixa; esse, na queda, vai poder comprar ativos baratos.”
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