O que este conteúdo fez por você?
- O mercado de câmbio doméstico foi influenciado na última semana pelas expectativas em torno da decisão monetária no Japão
- Com expectativas por um corte nos juros do país, o real sofreu com o desmonte de operações de “carry trade”
- Agora investidores reagem ao anúncio realizado pelo Banco do Japão (BoJ) na madrugada desta quarta-feira (31)
Uma decisão tomada no outro lado do globo pode impactar diretamente o bolso do investidor brasileiro. Apesar das atenções estarem voltadas para os comunicados do Federal Reserve (Fed) e do Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta-feira (31), a medida anunciada pelo Banco do Japão (BoJ) no mesmo dia também deve mexer com o mercado e, principalmente, com o dólar.
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A autoridade monetária japonesa decidiu nesta madrugada elevar os juros no país em 15 pontos-base. Com isso, as taxas de depósitos de curto prazo passaram para a faixa entre 0,15% e 0,25%. Até então, as taxas estavam numa banda entre 0% a 0,1%, após o BoJ ter abandonado sua política de juros negativos em março, elevando as taxas pela primeira vez em 17 anos.
Antes da decisão, o mercado estava dividido entre uma manutenção e um aumento de juros no país. Dados de inflação acima da meta de 2% ao ano sugeriam que o aperto monetário pudesse ser necessário. O núcleo do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) do Japão, por exemplo, subiu 2,6% em junho em relação ao ano anterior.
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“Isso dava aos membros do BoJ motivos para considerar o aumento das taxas de juros. Porém, dentro do conselho do Banco, havia um debate sobre quando exatamente essas mudanças deveriam ser implementadas”, afirma Felipe Miranda, sócio da corretora de câmbio 305 Markets.
Nos últimos dias, as expectativas por uma elevação dos juros japoneses contribuíram para a valorização do iene. A moeda japonesa conseguiu reverter parte de sua desvalorização excessiva em relação ao dólar em 2024, registrando uma valorização de 4,23% ante a divisa americana em julho. No acumulado do ano, no entanto, as perdas ainda são de 8,65%.
Segundo informações da Dow Jones Newswires, o BoJ também teria realizado uma intervenção no mercado de câmbio no começo de julho, comprando ienes, para fazer o dólar recuar ao patamar psicológico de 160 ienes. A decisão teria seguido as diretrizes do Ministério das Finanças do Japão.
Com a recuperação da moeda japonesa e as expectativas por um aperto na política monetária do país, investidores reverteram operações de “carry trade” nos últimos dias. O movimento penalizou moedas de países emergentes, que possuem taxas de juros mais altas. Isso inclui o real, já que o dólar alcançou, no mercado doméstico, a segunda maior cotação de fechamento do ano na sexta-feira (26) – R$ 5,66.
O que são operações de carry trade?
O termo “carry trade” pode parecer estranho para um investidor iniciante, mas representa uma estratégia de investimento onde uma pessoa toma emprestado dinheiro em uma moeda com uma taxa de juros baixa, como o iene japonês, e o investe em uma moeda não tão depreciada em uma economia com taxa de juros mais alta, como o real.
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“A ideia é lucrar com a diferença nas taxas de juros entre as duas moedas. Esse tipo de operação vinha trazendo fluxo para o real. Mas a expectativa de mudança de política monetária no Japão e a própria forte valorização do iene provavelmente levaram a um desmonte de operações como essas”, explica Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad.
Quando se fala em “desmonte de operações”, isso significa que os investidores que tinham posições em “carry trade” precisaram se desfazer delas para não sair no prejuízo. Miranda, da 305 Markets, explica que esse tipo de investimento deve ser realizado com cautela. “É uma estratégia bem lucrativa se você souber o que estiver fazendo e mantiver um bom controle dos riscos. Um dos perigos é justamente quando os Bancos Centrais resolvem mexer nos juros”.
Outro risco é a moeda comprada pelo investidor sofrer uma forte desvalorização. Nesse caso, é possível ter perdas significativas e nem aproveitar a diferença nas taxas de juros. Por esse motivo, o “carry trade” costuma ser praticado em ambientes macroeconômicos mais estáveis, em que as expectativas de política fiscal e monetária estejam bem ancoradas.
Como no Japão o cenário era de incertezas, o caminho adotado foi se desfazer das posições. O movimento, porém, afetou moedas de países emergentes, normalmente envolvidas nessas operações. “Moedas latino-americanas, por exemplo, têm muito essa característica de ‘carry trade’. É um exemplo do que acontece não só com real, mas também com o peso mexicano”, destaca Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.
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Movimentações como essas explicam por que uma medida tomada no outro lado do globo mexe com o bolso do brasileiro. Apesar do Japão parecer um país muito distante daqui, suas decisões econômicas afetam diretamente a oscilação do dólar em relação ao real e, consequentemente, o dia a dia dos consumidores.
Como a decisão do BoJ pode mexer com o investidor brasileiro?
Na visão de analistas, a elevação dos juros no pais asiático deve complicar o cenário para a moeda brasileira nos próximos dias. “A gente vai ter mais fortalecimento do iene e enfraquecimento relativo do real frente ao dólar. É claro que esses ajustes são, muitas vezes, técnicos, de caráter especulativo, para além de fundamentos”, pontua Spiess, da Empiricus.
Dessa forma, o movimento de alta do dólar no mercado doméstico deve ser diferente do observado nos últimos meses, quando declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) geraram incertezas em relação ao futuro fiscal do País. Lula fez diferentes investidas contra a autonomia do Banco Central e o seu dirigente, Roberto Campos Neto, além de ter dito falas contrárias ao corte de gastos públicos.
Em julho, o governo adotou uma outra linha de comportamento – além das declarações do presidente terem sido “mais comportadas”, foi anunciado um congelamento de R$ 15 bilhões em despesas para tentar atingir as metas do arcabouço fiscal neste ano. Mesmo que as dúvidas fiscais ainda rondem os investidores, agora são fatores externos que têm tido maior peso para o câmbio, cenário que deve se manter após a decisão do BoJ.
Para Igliori, da Nomad, os investidores devem ajustar suas posições para se alinhar com o novo cenário econômico japonês, o que pode gerar volatilidade no curto prazo. “O desmonte de posições de ‘carry trade’ pode ser mais significativo e prolongado, especialmente se o aumento de juros for percebido como um sinal de uma mudança sustentável na política monetária”, afirma.
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A valorização da divisa americana, decorrente desse cenário, impacta a vida dos brasileiros. Isso porque o dólar é a principal moeda de reserva global, influenciando diretamente o preço de diversos produtos e serviços, tanto importados quanto nacionais, pois muitas empresas brasileiras dependem da importação de insumos, peças e componentes para a produção de seus bens.
As consequências não param por aí: conforme mostramos nesta reportagem, em um contexto de dólar alto, a economia brasileira também perde atratividade para os investimentos internacionais, o que pode levar a uma fuga de capital estrangeiro e pressionar ainda mais o câmbio.
E, com o aumento de juros pelo BoJ, não é só o dólar que é afetado – o próprio iene também deve se fortalecer. Em relatório, o estrategista de mercado da Citi Research, Tomohisa Fujiki, pontuou que, mesmo com a recente valorização da moeda japonesa ante a divisa americana, o iene ainda não alcançou seu valor justo. Para o analista, o dólar deveria estar cotado a, aproximadamente, 145 ienes.
Ou seja, na visão da casa, ainda há espaço para a moeda asiática subir, o que também pode tornar os produtos japoneses mais caros, incluindo eletrônicos e carros, que são muito populares no Brasil. “Então, aquele novo PlayStation ou aquele Honda que você está de olho pode ficar mais caro”, comenta Miranda, da 305 Markets. “Mesmo que pareça que uma decisão de juros no Japão não tem nada a ver com a gente, a verdade é que estamos todos conectados. Por isso, vale sempre a pena ficar de olho nesses anúncios”.
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