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“Criptoativos não são inimigos do mercado”, diz presidente da CVM

João Pedro Nascimento quer transformar produtos já existentes no mercado para que sejam acessíveis ao investidor de varejo

“Criptoativos não são inimigos do mercado”, diz presidente da CVM
Foto: Ismar Ingber

Com a intenção de atrair e empoderar os investidores pessoa física, João Pedro Nascimento, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) usa a regulação e a opinião pública ao seu favor. Ele quer transformar alguns produtos já existentes no mercado de capitais para que sejam mais acessíveis ao investidor de varejo, mas sem deixar de lado as regras e riscos de mercado.

“Dar voz e vez aos investidores de varejo é sinônimo de inclusão, o que está diretamente alinhado com o Open Capital Markets, a democratização do Mercado de Capitais, que tem como base um conjunto de ações com o propósito de facilitar a jornada do cidadão, com mais entendimento, confiança e agilidade em suas operações”, afirmou em entrevista ao E-investidor.  

Com uma Agenda Regulatória bastante ativa para 2024, está no plano alterar o formato das Assembleias Gerais de Acionistas, estabelecer a norma definitiva dos Fiagros (Fundos de Investimentos em Cadeias Agroindustriais) e aprimorar a fiscalização de criptoativos. A autarquia também avalia os frutos de iniciativas recentes como flexibilizar o acesso a FIDCs (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) e investimentos no exterior.

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O caminho é árduo, mas Nascimento segue firme no seu propósito de atrair 10 milhões de pessoas físicas na bolsa brasileira até 2027 – até dezembro de 2023, eram 4,952 milhões de CPFs presentes na B3. “Em várias economias semelhantes à brasileira, o número de participantes do mercado de capitais equivale a 5% da população do país. Para celebrar esses 5%, deveríamos ter 10 milhões de investidores”, destaca Nascimento.

Para alcançar este objetivo de 10 milhões, Nascimento deve se guiar pelo Open Capital Market (Mercado de Capital Aberto) que reúne na sua estratégia pilares como portabilidade de ativos entre corretoras, democratização de acesso a novos serviços, produtos e mercados, agenda ESG (ambiental, social e de governança) e simplificação da jornada de investimento.

Veja a seguir as principais impressões dele sobre algumas transformações presentes na Agenda Regulatória de 2024:

E-Investidor – A Consulta Pública para a regra definitiva dos Fiagros terminou em 01 de fevereiro. Quando deve ser publicada a regulação final?  

João Pedro Nascimento – O nosso objetivo foi aperfeiçoar e modernizar os Fiagros, como reconhecimento à relevância que o Agronegócio tem no Brasil e dentro da nossa estratégia de aumentar a expressividade deste segmento no Mercado de Capitais. Nosso propósito é ouvir o público sobre as escolhas refletidas na Minuta apresentadas pela CVM, bem como outras regras específicas que poderiam ou deveriam ser impostas pela regulamentação. Sobre a expectativa de entrega da versão final da regra do fiagro, que integrará o arcabouço único da Resolução CVM 175, nosso intuito é que isso ocorra ainda este ano.

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Que tipo de propostas estão em avaliação?

Há propostas para que as regras sobre assembleia e representação dos cotistas oponíveis aos Fundos Imobiliários (FII) também sejam aplicadas aos Fiagros. Também há questões sobre a relevância da participação dos Fiagros no mercado de finanças sustentáveis, por meio da aquisição de ativos ambientais. Já instituições como Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) trouxeram contribuições sobre o cuidado que deve se ter com o uso dos Fiagros para financiar desmatamento e estimular atividades irregulares em áreas de conservação, indígenas ou embargadas pelo Ibama. Com a maturidade desse segmento também aumenta a responsabilização e obrigação de monitorar estas atividades no mercado de capitais.

Sobre a ampliação de produtos para o investidor de varejo, como os FIDCs (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) muitos analistas já criticaram o fato de ser um produto arriscado para o investidor pessoa física. Não estaríamos expondo o investidor de varejo a um produto de alto risco que o torna dependente da decisão dos gestores?

Um dos objetivos da agenda da CVM é empoderar os investidores de varejo e faz parte deste propósito disponibilizar mais produtos, especialmente os que possam gerar maior diversificação dos investimentos, como os fundos estruturados alternativos. As alterações regulatórias na Resolução CVM 175 permitiram esse acesso maior com segurança e proteção. Os investidores de varejo foram empoderados a investir em FIDCs e em ativos no exterior, com mais direitos, poderes e prerrogativas que trouxeram segurança e proteção para o patrimônio deles.

A CVM se preocupou, além da limitação à cota sênior, de estabelecer requisitos de segurança quando o produto seja ofertado ao varejo. Por exemplo, a necessidade de ter classificação de risco, que ajuda na decisão de investimento. Também foi vedada a aquisição de direitos creditórios em situação de conflito de interesses, impedindo assim estruturas do tipo “originar para distribuir”. Existe um equilíbrio. Também há proteções relevantes por meio da limitação de responsabilidade do cotista ao valor de suas cotas, a insolvência e a necessidade de os direitos creditórios serem registrados no âmbito de registradoras, o que gera mais segurança para esses veículos. Entendemos que é um processo de aprendizagem natural e iremos coletando experiências para supervisão.

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Em relação a regulação do mercado cripto e de ativos tokenizados com características de ativos mobiliários. De que forma isso beneficia o mercado de capitais e os investidores?

Criptoativos não são inimigos do mercado de capitais e eles podem atrair novos perfis de investidores e oportunidades diferenciadas de investimento no segmento. A CVM apresentou esclarecimentos sobre a atuação do regulador e as possíveis formas de normatizar, fiscalizar, supervisionar e disciplinar agentes de mercado nessa esfera. Também foram divulgados ofícios para orientar sobre a caracterização de tokens de recebíveis e de renda fixa como valores mobiliários. Nosso próximo passo será iniciar a comunicação com instituições do ecossistema cripto, que potencialmente atuem com valores mobiliários. Vamos entender o papel delas no ecossistema, a estrutura e característica dos ativos.

No ano de 2023, o investidor minoritário foi muito lesado na bolsa. De que forma implementar o voto a distância nas assembleias pode contribuir com mudanças neste cenário e o que a CVM espera com esta reformulação?

A reforma vai facilitar não apenas a votação, como a efetiva participação a distância dos acionistas. Estamos diante de uma oportunidade de fazer uso da tecnologia para reduzir os ônus financeiros suportados por acionistas para participação de assembleias e sem gerar ônus para as companhias e prestadores de serviço.

A CVM busca promover maior engajamento e empoderamento dos acionistas e principalmente investidores de varejo. Eu acredito que empoderar, dar voz e vez aos investidores de varejo, é sinônimo de inclusão, o que está diretamente alinhado ao que tenho chamado de Open Capital Markets, a democratização do mercado de capitais.

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Entendo que a evolução das Assembleias Gerais deve seguir em direção a alguns princípios básicos, entre estes: incentivar e valorizar a efetiva e ampla participação dos acionistas nas assembleias, promover um tratamento equitativo e de igualdade de oportunidade para todos os participantes respeitando os direitos e especificidades de cada um. Precisamos criar mecanismos para que exista uma interação entre os participantes presenciais e remotos.