

Os primeiros relatórios trimestrais de transparência dentro das normas da CVM 179 começaram a ser divulgados no início deste mês. Agora, investidores finalmente vão ter acesso às taxas de remuneração e comissão cobradas nos produtos financeiros que têm na carteira e que, em muitos casos, nem sabiam que existiam.
A nova regra da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entrou em vigor em novembro de 2024 e determina que as instituições informem quanto receberam com os investimentos do cliente, detalhando a remuneração de assessores e comissões de distribuição. É preciso informar, entre outros pontos, o porcentual da taxa de administração e da taxa de performance, o spread e as taxas de distribuição cobradas sobre as aplicações.
Como a CVM 179 afeta os investidores?
Apesar de já estar em vigor há alguns meses, é com a chegada dos relatórios trimestrais referentes a novembro e dezembro que esses dados passam a ser mais acessíveis. Nas duas maiores corretoras do Brasil, por exemplo, as informações já estão disponíveis no aplicativo. Na XP, como “extrato de remuneração”, e no BTG, como “relatório de remuneração”.
É uma mudança importante, dizem especialistas, mas isso não significa que as informações serão fáceis de compreender, sobretudo para o investidor iniciante. “É uma evolução, mas não está padronizado. O cliente ainda tem um desafio de navegar dentro das plataformas para acessar e entender os relatórios, até que consiga ter uma visão mais clara do que está pagando e comparar os diferentes produtos”, diz França Lauria, diretor B2C e B2B da Warren Investimentos.
O desafio, segundo eles, é conseguir comparar “banana com banana”, ou seja, ponderar se aquele valor que está sendo cobrado está dentro da média do mercado – e, eventualmente, buscar soluções de como pagar menos taxas – e se faz sentido para o produto financeiro em questão. Afinal, o investidor de uma corretora X não sabe quanto a corretora Y cobra, a menos que tenha conta em mais de uma instituição e invista nos mesmos produtos em ambas.
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Para Diego Ramiro, sócio-fundador da Miura e presidente da Associação Brasileira de Assessores de Investimentos (ABAI), os primeiros extratos da CVM 179 são importantes, mas ainda precisam evoluir para simplificar a vida do investidor. Ele dá um exemplo. A regra não vale para valores bancários, como os Certificados de Crédito Bancário (CDBs), o que não significa que não haja nenhum custo de distribuição por trás do produto.
“Um cliente com um CDB em uma corretora e um fundo na outra, quando puxar o extrato, vai achar que só uma está cobrando corretagem. Mas não é”, diz. “A principal pauta é que a leitura do extrato seja feita de forma qualitativa.”
CVM 179 pode impulsionar o ‘fee fixo’
O amadurecimento da CVM 179 vai permitir que investidores acompanhem os custos ocultos nos investimentos que, em muitos casos, nem sabiam que existiam. O questionamento e a comparação das cobranças de diferentes corretoras e produtos deve levar a uma outra discussão: a de modelo de remuneração.
Atualmente, a grande maioria das casas de investimento funcionam via comissão – ou commission-based, como também é conhecido. Nesse modelo, o assessor e a distribuidora são remunerados por meio da venda dos produtos, a depender do tipo de ativo e com as regras da própria corretora. O problema é que isso abre espaço para conflitos de interesse. O que pode acontecer é o profissional indicar ao cliente determinado produto com prioridade para as taxas de comissão que receberá em troca ao invés do benefício à carteira do investidor.
Em outras reportagens, o E-Investidor mostrou como o conflito de interesses já fez inúmeras vítimas no mercado; não raro, isso interfere no próprio trabalho da assessoria de investimentos.
Em alguns países, como no Reino Unido, o modelo de remuneração via comissão foi proibido para evitar tais conflitos de interesse. Em mercados mais maduros, a relação mais popular entre assessores e clientes acontece via fee fixo, ou fee-based; um modelo em que o assessor tem uma remuneração fixa em cima do patrimônio investido do cliente e que independe do tipo de produto investido.
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“Mostrando quanto cada pessoa ganha em cima de cada produto fica muito mais difícil colocar no portfólio um que não seja bom para o investidor só porque ele gera receita. Se o assessor fizer isso uma vez, o cliente vai embora. Essa transparência é, sem dúvida nenhuma, o mecanismo de indução da mudança no modelo de remuneração do mercado financeiro”, destaca Henrique de Barros, especialista em investimentos e cofundador da Invés, casa de investimentos que trabalha apenas com o modelo de taxas fixas.
O fee fixo já é utilizado no Brasil nos family offices, que se dedicam à gestão financeira de clientes com patrimônio muito elevado. Mas agora que a CVM 179 vai permitir a investidores, até mesmo os menores, calcular as taxas escondidas cobradas sobre seus investimentos, esse modelo deve se popularizar.
A Warren Investimentos já trabalhava com o fee fixo e, segundo o diretor França Lauria, viu crescer em 50% a procura de clientes para entender melhor o modelo desde que a norma entrou em vigor em novembro. “A falta de clareza da informação atrapalhava muito a decisão do investidor. Agora, conseguindo entender o quanto paga de taxas, as próprias necessidades de investimento e auxílio e o quanto faz de movimentação, ele consegue decidir pelo melhor formato”, diz.
Vale a pena mudar de corretora com a CVM 179 em vigor?
Com as informações de taxas agora disponíveis, investidores vão conseguir ponderar qual o modelo de remuneração mais adequado para o seu próprio portfólio. Mas os especialistas adiantam: não existe uma resposta única.
O fee fixo costuma ser utilizado em mercados mais maduros e, para muitos, é reconhecido como um modelo que reduz as chances de conflito de interesses. Com a remuneração já garantida, as chances de um assessor de investimentos indicar ao cliente um produto pouco interessante apenas por causa da comissão envolvida são reduzidas. Mas isso não significa que este modelo seja a saída para todo e qualquer tipo de investidor.
Diego Ramiro, da Miura, destaca que o fee fixo pode fazer sentido para investidores mais ativos, que demandam assessoria especializada. “Já para aquele cliente que é ‘buy and hold’, vai comprar um Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) de dez anos e não mexer na carteira mais, por exemplo, talvez faça mais sentido pagar a taxa de comissão na cabeça e ficar os outros nove anos sem pagar nada”, diz.
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Henrique Barros, da Invés, destaca que, no fim das contas, a discussão sobre o modelo de remuneração – levantado pela CVM 179 – também passa por educar o investidor quanto ao papel do assessor de investimentos. E a importância de ter um auxílio técnico por trás da tomada de decisão – por isso, o especialista acredita que o fee fixo faz sentido até para aqueles investidores menores.
“Um modelo alinhado que traga a boa técnica e a fidúcia, a confiança para o relacionamento, é válido independente do tamanho do investidor. A única pessoa que eu entendo que não precisaria de um modelo assim é aquela que sabe fazer tudo por conta própria, sabe selecionar quais são os melhores fundos e não precisa de recomendação.”