No cenário doméstico, as atenções se voltaram para a condução da política fiscal. O anúncio de um aumento no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) gerou ruídos entre os agentes econômicos. A reação negativa forçou o governo a recuar parcialmente, reacendendo a expectativa de que o Congresso possa barrar o decreto. Esse movimento, segundo especialistas consultados pelo E-Investidor, acentuou as incertezas sobre a capacidade de o Executivo de cumprir as metas de arrecadação e controlar os gastos públicos. A resistência tanto em cortar despesas quanto em aprovar novas receitas alimentou a percepção de risco em relação ao Brasil, o que pressiona a taxa de câmbio.
Ao mesmo tempo, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu elevar a taxa Selic para 14,75% com o objetivo de conter a inflação. Esse nível elevado de juros costuma atrair capital estrangeiro interessado em retornos mais altos, o que tende a beneficiar o real. Ainda assim, os fatores internacionais se sobrepuseram, limitando a capacidade da moeda brasileira de se firmar.
Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) manteve os juros entre 4,25% e 4,50%, sem sinalizar cortes no curto prazo. A decisão, associada à persistência da inflação americana, provocou uma reavaliação das apostas de mercado sobre o início de um eventual ciclo de afrouxamento monetário. Com isso, investidores se mantiveram mais cautelosos e preferiram ativos considerados mais seguros, como o próprio dólar. Essa postura elevou a moeda americana em relação à maior parte das moedas emergentes.
“A manutenção de uma postura contracionista pelo Federal Reserve, aliada à postergação das expectativas de início do ciclo de corte de juros, elevou os rendimentos dos Treasuries longos. Isso reforçou o movimento de fortalecimento do dólar global (DXY) e gerou um deslocamento de fluxos para ativos considerados mais seguros. Para o real, isso resultou em depreciação cambial, à medida que os diferenciais de juros reais perderam atratividade”, explica Elson Gusmão, diretor de operações da Ourominas.
A tensão internacional também ajudou a reforçar esse movimento. O avanço da ofensiva russa sobre o território ucraniano e o aumento do envolvimento militar da União Europeia no conflito elevaram a aversão global ao risco. Em períodos assim, investidores também tendem a retirar recursos de países em desenvolvimento e a buscar proteção em ativos mais líquidos, como títulos do Tesouro americano.
Balanço do real e do dólar entre os emergentes
O dólar registrou alta frente à maioria das moedas globais. Levantamento feito por Einar Rivero, CEO da Elos Ayta Consultoria e especialista em dados financeiros de mercado, a pedido do E-Investidor, mostra que a valorização mais acentuada foi em relação ao dólar taiwanês, com avanço de 7,19%. Também houve fortes ganhos frente ao rand sul-africano (3,96%), ao won sul-coreano (3,64%) e ao novo shekel israelense (3,43%). No mesmo período, o índice DXY — que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de moedas — subiu 0,41%.
Na contramão da tendência, o real brasileiro teve desempenho positivo. A moeda nacional se valorizou 0,58% frente ao dólar, superando pares como o peso argentino (0,95%), o peso chileno (0,80%) e o peso colombiano (0,80%), que registraram desvalorização frente à moeda americana. Também ficaram abaixo do real moedas como a rúpia indiana (-0,93%), o euro (-1,12%), o iene japonês (-1,15%) e a lira turca, que teve a maior queda entre os países analisados, com recuo de 1,51%.
Câmbio: o que esperar em junho
Junho começa sob expectativa de continuidade nas oscilações do câmbio, com o real ainda exposto a movimentos externos e locais, projetam os analistas ouvidos pela reportagem. Após um mês marcado por forte volatilidade, o dólar segue operando em patamares elevados e sem sinais claros de estabilidade no curto prazo.
No radar dos investidores, dois eixos seguem determinantes para a direção da moeda: a condução da política monetária americana e a situação fiscal brasileira, segundo Alex Nery, professor da Fia Business School.
A ausência de indicações mais firmes do Federal Reserve sobre o início do ciclo de cortes de juros alimenta a cautela. Com a inflação nos Estados Unidos se mantendo acima do esperado em diversos segmentos, o mercado reavalia constantemente suas apostas. Qualquer surpresa negativa nos indicadores econômicos americanos pode reforçar a valorização global do dólar e gerar novas pressões sobre moedas de países emergentes, como o real.
“A combinação de incertezas sobre a condução da política fiscal e a sensibilidade aos dados econômicos globais, incertos pela presença de conflitos bélicos e a política confusa de Donald Trump, cria um ambiente propício para oscilações na taxa de câmbio. Enquanto essas incertezas persistirem, é provável que o dólar continue oscilando frente ao real”, diz.
Por aqui, o câmbio também responde à leitura sobre o equilíbrio das contas públicas. Os investidores seguem atentos ao comportamento do governo federal em relação ao controle de gastos e à arrecadação. Episódios como a tentativa de aumento no IOF, que gerou reação negativa e teve de ser parcialmente revertida, ainda devem ser digeridos pelo mercado.
Analistas apontam que, de um lado, seria necessário que o Fed indicasse com mais segurança quando pretende iniciar a flexibilização monetária. De outro, o Brasil precisaria avançar na recomposição de credibilidade junto ao mercado, com medidas concretas que mostrem compromisso com o equilíbrio das contas públicas.
Enquanto isso não acontece, o real tende a permanecer sensível a episódios de instabilidade política e a eventos do calendário econômico global. Dados de inflação nos EUA, decisões do comitê de política monetária americano (Fomc), divulgação de arrecadação federal e votações no Congresso Nacional podem funcionar como gatilhos para novos movimentos no câmbio.