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De olho no lucro, empresas de private equity focam no petróleo

Desde 2010, a indústria de private equity investiu pelo menos US$ 1,1 trilhão no setor de energia

De olho no lucro, empresas de private equity focam no petróleo
Máquina realiza extração em poço de petróleo (Foto: Evanto Elements)
  • Os investidores de private equity estão aproveitando que a indústria de petróleo enfrenta duras críticas dos grupos ambientalistas para começar a se afastar dos combustíveis fósseis
  • As empresas de capital privado surgiram como uma força de investimento cada vez mais poderosa, ainda que discretas, nas últimas décadas
  • O setor de private equity, que administra US$ 7,4 trilhões em ativos globais, atualmente tem uma participação importante em uma ampla área da vida americana

(Hiroko Tabuchi, NYT) – À medida que a indústria de petróleo e gás enfrenta uma reviravolta em meio a flutuações de preços globais e mudanças climáticas catastróficas, as empresas de capital privado – uma classe de investidores altamente focada em maximizar lucros – entraram na briga.

Desde 2010, a indústria de private equity investiu pelo menos US$ 1,1 trilhão no setor de energia – o dobro do valor de mercado combinado das três das maiores empresas do setor no mundo, Exxon, Chevron e Royal Dutch Shell -, de acordo com uma nova pesquisa. A esmagadora maioria desses investimentos foi em combustíveis fósseis, segundo os dados da Pitchbook, empresa que acompanha os investimentos do mercado de capital privado, e uma nova análise do Private Equity Stakeholder Project, uma organização sem fins lucrativos que reivindica mais transparência sobre as negociações de capital privado.

Desde 2010, apenas cerca de 12% dos investimentos no setor de energia por empresas de private equity foram em energia renovável, como a solar ou a eólica; embora esses investimentos tenham crescido em um ritmo mais rápido, de acordo com os dados da Pitchbook.

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Os investidores de private equity estão aproveitando que a indústria de petróleo enfrenta duras críticas dos grupos ambientalistas, tribunais e até mesmo de seus próprios acionistas para começar a se afastar dos combustíveis fósseis, a principal força por trás das mudanças climáticas. Como consequência, muitas empresas de petróleo começaram a se desfazer de alguns de seus ativos mais poluentes, que muitas vezes acabaram nas mãos de empresas apoiadas por capital privado.

Ao investir em ativos que passaram por quedas pagando preços de barganha – procurando adquirir ativos mais arriscados a preços baixos -, os compradores estão mantendo alguns dos poços mais poluentes, usinas de queima de carvão e outras propriedades ineficientes em operação. Isso mantém os gases de efeito estufa sendo lançados na atmosfera.

Ao mesmo tempo, os bancos, enfrentando sua própria pressão para reduzir os investimentos em combustíveis fósseis, começaram a recuar no financiamento da indústria, enaltecendo o papel do capital privado.

Os investimentos em combustíveis fósseis chegaram a um ponto em que os especialistas em clima, assim como a organização de energia mais influente do mundo, a Agência Internacional de Energia, dizem que os países precisam se distanciar de modo mais agressivo da queima de combustíveis fósseis, afirmou Alyssa Giachino, do Private Equity Stakeholder Project.

“Você percebe que as grandes petrolíferas estão em uma situação desconfortável”, disse ela. “Mas o capital privado está silenciosamente recolhendo os resquícios, perpetuando as operações dos ativos menos desejáveis.”

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Em seu relatório, o Private Equity Stakeholder Project analisou os investimentos realizados pelas 10 maiores empresas de private equity desde 2010, entre elas as gigantes Blackstone, KKR e Carlyle, e descobriu que cerca de 80% estavam em petróleo, gás e carvão. Isso, apesar de muitas dessas empresas se gabarem de seus investimentos sustentáveis.

As empresas de capital privado surgiram como uma força de investimento cada vez mais poderosa, ainda que discretas, nas últimas décadas. Elas normalmente reúnem vastas reservas de dinheiro, de investidores ricos a instituições com o objetivo de investir diretamente em empresas, frequentemente aquelas em dificuldades e incapazes de levantar capital de modos mais tradicionais. Como se exige que as empresas divulguem relativamente poucas informações, pode ser difícil ter uma visão completa de suas propriedades ou práticas climáticas ou ambientais.

Drew Maloney, presidente e CEO do American Investment Council, uma associação comercial que representa as empresas de private equity, disse que a indústria estava “desempenhando um papel importante na transição energética e investindo mais a cada ano em projetos de energia renovável”. Segundo ele, em 2020, o capital privado financiou mais da metade de todos os projetos privados de energia renovável nos Estados Unidos.

“Esse importante investimento está gerando mais empregos e energia mais limpa para o futuro”, disse Maloney.

O setor de private equity, que administra US$ 7,4 trilhões em ativos globais, atualmente tem uma participação importante em uma ampla área da vida americana, desde serviços de combate a incêndios a lares de idosos, muitas vezes financiando seus negócios com dívidas enquanto gera lucros para seus clientes e comissões para seus gerentes. Os clientes incluem fundos de pensão públicos, que hoje alocam, em média, cerca de 20% de seus investimentos em capital privado.

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Na indústria de combustíveis fósseis, um efeito das vendas para investidores de private equity é transferir esses ativos, suas emissões e outros riscos ambientais para longe dos olhos do público. Embora todas as empresas, públicas ou privadas, devam seguir as regulamentações ambientais, as empresas privadas estão dispensadas de muitas regras de divulgação das finanças públicas. Como consequência, alguns dos maiores emissores de metano dos EUA, um gás especialmente potente para o aquecimento do planeta, são os produtores de petróleo e gás apoiados por empresas de investimento relativamente pouco conhecidas.

Em 2017, a Hilcorp, uma empresa privada apoiada pela gigante de private equity Carlyle, comprou os ativos da Bacia de San Juan da multinacional petrolífera ConocoPhilips no Colorado e no Novo México por US$ 3 bilhões, e, no ano passado, comprou todas as operações da BP no Alasca e participações por US$ 5,6 bilhões. A Hilcorp é agora a maior emissora de metano conhecida nos EUA, responsável por quase 50% mais emissões devido às suas operações que a maior produtora de combustível fóssil do país, a Exxon Mobil, apesar de apenas produzir cerca de um terço do volume de petróleo e gás da Exxon.

Hilcorp, Carlyle e ConocoPhilips não quiseram se pronunciar.

David McNeil, chefe de risco climático da Fitch Ratings, escreveu em um memorando no início deste ano que há uma tendência crescente entre as empresas de capital aberto e investidores de se desfazerem de ativos de combustíveis fósseis ou outras participações que contribuam para as mudanças climáticas, mas “comparativamente, pouca atenção é dada a quem compra esses ativos”, e as empresas de private equity, em particular, “de modo geral, terão menos incentivos para reduzir as emissões do que suas equivalentes públicas”.

No auge da pandemia, dezenas de produtores de petróleo e gás apoiados por capital privado declararam falência, levantando preocupações de que eles usariam o processo de reestruturação para escapar das regras de energia limpa. Agora, à medida que os preços do petróleo e do gás aumentam outra vez, a perfuração e fracking privados de xisto estão liderando uma recuperação na perfuração de petróleo e gás.

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“Qualquer fundo de private equity é obcecado por uma coisa, e apenas uma: quanto dinheiro podemos ganhar com determinado investimento?”, disse Ludovic Phalippou, professor de economia financeira da Saïd Business School da Universidade Oxford. “E quando essas grandes empresas anônimas entram em colapso, você nem sabe de quem ficar com raiva, porque você nem mesmo sabe quem elas são.”

Sinais de mudança

Desde 2010, segundo os dados da Pitchbook, o investimento de capital privado em energias renováveis cresceu cerca de três vezes mais que o número de investimentos em combustíveis fósseis, embora a partir de uma base muito inferior. No ano passado, uma queda na demanda de petróleo desencadeada pela pandemia de covid-19 resultou no menor número de negócios com combustíveis fósseis entre as 10 maiores empresas de private equity desde 2011, enquanto o número de investimentos em energias renováveis aumentou.

E, paradoxalmente, a alta dos preços do petróleo e do gás talvez ajude as energias renováveis a se tornarem ainda mais competitivas com os projetos de combustíveis fósseis, porque um aumento nos preços da eletricidade poderia ajudar a impulsionar a demanda por novos projetos eólicos ou solares entre as concessionárias e outros que buscam se proteger das fortes oscilações no mercado.

Ayako Yasuda, professor de finanças da Escola de Pós-graduação em Administração da Universidade da Califórnia, em Davis, disse que o capital privado foi “muito incentivado a maximizar o que seus clientes desejam”. Se os clientes pressionassem os fundos para obter lucros em investimentos ambientalmente responsáveis, “não acho que eles teriam dificuldades em fazer isso”.

Kate Holderness, porta-voz da Blackstone, disse que praticamente nenhum capital da empresa nos últimos três anos foi para exploração ou produção de petróleo, enquanto aproximadamente US$ 11 bilhões foram investidos em projetos de energia limpa. A empresa almeja reduzir suas emissões em 15% em todos os novos investimentos em que controla o uso de energia, disse ela.

As regulamentações fracas de transparência significam que é difícil verificar as reivindicações ambientais em toda a indústria de private equity. A Blackstone recebeu críticas por seus acordos de aquisição de um projeto para construir um novo oleoduto e terminal de exportação na Louisiana que emitiria mais de 500 mil toneladas de gases de efeito estufa por ano. Kate disse que o oleoduto seria equipado com tecnologia de monitoramento e detecção de emissões em tempo real.

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Grupos como o Private Equity Stakeholder Project recorreram à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (Sec, na sigla em inglês) para obrigar as empresas de capital privado a divulgar completamente as informações de suas participações em combustível fóssil. O American Investment Council se opôs a essa movimentação dizendo que as atuais exigências eram adequadas, especialmente porque a indústria de private equity atende a investidores relativamente sofisticados – fundos de pensão ou outros com imensas quantias de dinheiro para investir e meios para fazer suas próprias pesquisas.

Sophie Shive, professora de finanças da Universidade de Notre Dame, disse que normas mais rigorosas de transparência ajudariam a diferenciar as boas empresas de capital privado em um setor obscuro e ganhar novos investidores. Neste momento, segundo Sophie, “está mais fácil para as mal intencionadas se esconderem”.

Tradução: Romina Cácia

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