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‘Modelo de comissão tem interesses perversos’, diz Vitreo

O CEO Patrick O'Grady fala sobre conflito de interesse, transparência, regulação e mercado

‘Modelo de comissão tem interesses perversos’, diz Vitreo
Patrick O'Grady, CEO da Vitreo
O que este conteúdo fez por você?
  • Ex-sócio da XP, o CEO Patrick O’Brady faz críticas ao modelo de comissão - tema que gerou atrito entre Itaú e XP nas últimas semanas
  • Segundo O’Brady, nenhum avanço regulatório é necessário para o mercado ser mais transparente

Ex-sócio da XP, Patrick O’Grady, CEO da Vitreo, tem bagagem suficiente no mercado financeiro para opinar sobre o conflito de visões que marcou a rixa pública entre sua antiga casa e o Itaú. Ele aponta as fissuras dos dois modelos de negócio e diz que o que a fintech criada por ele e outros cinco sócios propõe é uma evolução para colocar o cliente realmente no centro dessa discussão.

Fundada em 2018, quando lançou seu primeiro produto de investimentos, a Vitreo recebeu o aval do Banco Central na virada de 2019 para 2020 para se transformar em uma plataforma, ou seja, uma distribuidora de títulos e valores mobiliários (DTVM). Na semana passada, O’Grady e seus sócios comemoraram a marca alcançada de R$ 5 bilhões de reais sob gestão.

Confira a seguir os principais pontos da entrevista que ele concedeu ao E-Investidor.

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E-Investidor – A rusga pública entre Itaú e XP expôs várias contradições dos dois modelos de negócio. Como o senhor enxerga essa questão do conflito de interesse?

Patrick O’Grady – As mídias sociais produziram várias teorias conspiratórias sobre esse atrito entre XP e Itaú, até a que seria um simples jogo de marketing. Mas a resposta é mais simples. Esse embate é Darwin na veia, faz parte do processo evolutivo. Assim como o sistema 1.0 dos balcões ruiu, o 2.0 da XP também apresenta fissuras graves, como foi bem pontuado pela propaganda do Itaú. É isso que me dá a convicção de que vem aí o modelo 3.0. O que não pode é haver conflito de interesses. O modelo de comissão tem interesses perversos, ele vai empurrar ao cliente o produto com a maior margem. É preciso ser transparente, e o modelo da XP é pouco transparente. Há espaço para os modelos de fee e commission, a maneira de comunicar é que importa.

Qual é o melhor: o fee business (com tarifa, praticado pelos bancos) ou o commission business (de comissões repassadas aos agentes, como na XP)?

Depende do que o cliente quer. Se você entende minimamente de mercado financeiro, gosta de decidir sozinho e quer apenas alguém que execute, tudo o que você precisa é de uma plataforma confiável, que não dê pau, e um bom leque de produtos para escolher. Se o cara só quer comprar Petrobras, é melhor cobrar tarifa, não taxa de administração. Do outro lado, há o cara que não quer se preocupar com investimentos. Ele gosta de gastronomia, carros, náutica, e para ele acompanhar o mercado financeiro é uma dor. Ele só quer achar uma instituição em que confie para levar o dinheiro dele. Aí ele vai para o modelo fiduciário, com uma taxa de administração para que alguém tome conta do dinheiro dele, conforme os interesses dele.

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E qual seria exatamente esse “modelo 3.0” que a Vitreo propõe?

A nossa proposta é justamente mitigar os conflitos de interesse. Nós crescemos muito com os Fundos de Fundos (FoF). Neles, todo rebate recebido pelo fundo é devolvido ao cotista. Qualquer gestor que eu escolher, o rebate que ele me pagar vai para o cliente. No “saiba mais”, nós abrimos a caixa preta para o cliente, mostramos quanto de rebate volta, qual o custo total do fundo. Em breve, vamos lançar uma plataforma para distribuir fundos de terceiros. Uma gestora “XYZ” vai passar a distribuir na Vitreo também. Teremos o conceito de cashback, mas de forma menos conflituosa, com valor fixo. Qualquer que seja o fundo que eu vá distribuir, eu ganharei a mesma coisa porque irei tabelar a minha remuneração. O que eu receber acima da remuneração que eu tabelei, eu devolverei para o cliente.

Assim, eu não serei conflitado na minha recomendação, não estarei estimulado a dar mais visibilidade para um ou outro produto. E devolverei para o cliente porque posso trabalhar dessa forma, com custos mais baixos, com abertura e transparência.

É preciso mudar alguma regra?

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No Brasil, não é necessário nenhum avanço regulatório, nenhuma norma nova da CVM ou do BC, para o mercado ser mais transparente. Basta ele querer. Nada impede que banco e corretora trabalhem de forma mais transparente, é só uma questão de prática comercial.

A Vitreo tem alguns produtos que replicam indicações da Empiricus, ainda que com uma validação interna posterior. Isso ajudou a atrair clientes, seja por aqueles que já assinavam a Empiricus e queriam alguém para executar a estratégia, seja simplesmente como uma chancela extra para a marca nova que vocês apresentaram?

Não tenho dúvidas que sim, por duas razões. A primeira é a mais óbvia. O assinante de uma publicação de investimentos – e o que a Empiricus faz é elaborar PDFs com sugestões – tem interesse de implementar o que ele está consumindo naquela assinatura. De cara, a Vitreo tinha diante de si um aquário qualificado, de pessoas que já tinham interesse no tema e no mercado financeiro. A conversão é muito maior que a que se obteria via Google e Facebook. E aí é que estão a origem e o cerne do acordo comercial e publicitário que a Vitreo tem com a Empiricus.

O segundo elemento é a proximidade de princípios: nós e eles comungamos de valores parecidos, como a transparência e o fim dos conflitos de interesse. Essa pegada é parte central da parceria e estamos muito felizes com ela.

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Por falar em conflito de interesse, vocês foram questionados pela relação comercial com a Empiricus. Até que ponto isso fere a independência das duas empresas?

Sim, tanto a ANBIMA como a CVM nos questionaram, e já respondemos a eles. Deixamos clara a natureza da nossa relação e como ela funciona. Talvez o ambiente da publicidade deles (da Empiricus) seja menos regulado, mas o nosso é extremamente regulado. Temos regulação por todos os lados, sabemos onde podemos e onde não podemos pisar. Nossos executivos são veteranos no mercado financeiro, isso ajuda a dar credibilidade com o regulador. E faz parte do regulador emitir esse tipo de questionamento. Nosso plano de negócio foi submetido ao aval do Banco Central, da ANBIMA e da CVM.

O que o investidor deve esperar da Bolsa no segundo semestre?

Eu estou no rol dos gestores que veem a recuperação da B3 com certo espanto, porque ela não está em sintonia com a recuperação da economia. Ela saltou na frente. A resposta dos bancos centrais foi forte e rápida, o que deixou (a crise de) 2008 no chinelo. Com o BC injetando tanta liquidez, é natural que os ativos tenham subido tanto de preço. Não sabemos a extensão dos danos da covid-19, mas sabemos que o buraco é fundo. Qualquer um que estiver olhando 2020 está olhando a bússola errada: este ano já está perdido para a economia. Aqui nós já olhamos de 2021 em diante. A B3 continua tendo oportunidades, mas é legal ser seletivo. E confiar em bons gestores, a menos que você já seja um investidor muito experiente.

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Os juros devem ficar baixos por muito tempo?

A taxa básica de juros, a Selic, está no mínimo histórico e ainda com chance de novo corte, mas tem pouco suco para tirar dessa laranja. Os juros não ficarão baixos por muito tempo. A curva de juros está abrindo, as taxas de longo prazo estão subindo, a rentabilidade é maior para você emprestar a prazos longos. O que é normal: o desafio de equacionar as contas é gigante, o investidor tem que financiar o governo. Se a curva abrir muito, uma NTN-b que pague o IPCA + 6% vai atrair muitos recursos importantes. Um cupom abaixo de 4% não será ruim, mas talvez não seja a melhor oportunidade que o investidor terá pela frente.

O investidor deve calibrar o quanto de exposição terá nesses instrumentos, em função da rentabilidade que ele poderá ter no mercado internacional. A diversificação internacional pelo investidor de varejo veio pra ficar. O investidor que tem mais dinheiro já faz isso há muito tempo.

O que vocês têm a dizer para quem veio do conforto da renda fixa e de repente está sendo forçado a repensar os investimentos na marra?

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É preciso montar uma carteira diversificada, e são vários os passos para isso. O primeiro é formar uma reserva de emergência para momentos difíceis. O investidor deve calcular o equivalente a seis meses de despesas mensais e alocar com liquidez e livre de risco. Assim, ele não periga ter que vender os ativos de risco no pior momento possível.

Depois, há o suitability. É importante passar por um processo de autoconhecimento, para que ele entenda o quanto de risco pode assumir. Nós trabalhamos com 9 perfis diferentes, com gradações de pontos, olhando a carteira como um todo. É diferente do modelo tradicional, em que o conservador não pode ter Bolsa. Ele pode ter uma parcela pequena no fundo Canabidiol, por exemplo.

Se seu horizonte temporal for maior que 10 anos, aloque uma parte dos recursos em previdência, que dá maior eficiência tributária (a alíquota cai a 10%) e não tem come-cotas. Com o resto do capital, você diversifica em quatro níveis: gestor (é sempre bom ter mais de um), moeda (não alocar tudo em reais), geografia (o Brasil é apenas 1,5% do mercado financeiro mundial, não dá para ignorar o resto) e proteções, com fundo cambial e ouro. Ao balancear os riscos da carteira, esses ativos ajudam a atravessar momentos mais duros.

É importante ter um portfólio diversificado, com exposição internacional. O juro real de dois dígitos não voltará por um bom tempo.

Como vocês veem o câmbio para os próximos meses?

O câmbio está em um patamar alto, mas não sei se cai abaixo dos R$ 5 ou passa dos R$ 6. O investidor deveria manter uma exposição estrutural em ativos dolarizados, por uma questão de diversificação e pela incerteza política. O desafio fiscal aumentou bastante. A covid-19 jogou fora 10 anos de ganhos proporcionados pela reforma da Previdência, isso é matemática. Será necessário um esforço extra para equilibrar as contas públicas, sob risco de piora do câmbio. Quem puder, tem que alocar no Exterior.

“Ah, mas eu ainda não tenho alocação no Exterior. Devo começar agora, pagando tão caro pelo dólar?”. Sim. Faça agora metade do que faria, e quando o dólar der uma aliviada você faz a outra metade com um câmbio melhor. Quanto mais dinheiro a pessoa tem, mais dolarizados são os gastos dela, porque suas necessidades de consumo no mercado local já foram todas supridas. Grandes fortunas têm exposição internacional em 40%, 50% ou mais da carteira.

A Vitreo tem na prateleira alguns produtos interessantes, como fundos temáticos, ligados à exploração do canabidiol ou a criptomoedas. Como têm sido a aceitação e os resultados desses fundos, especialmente o do canabidiol, que mexe o tabu social em torno da maconha?

Nós lançamos o fundo Canabidiol, que investe em empresas dos EUA e Canadá que exploram o uso medicinal da cannabis; um mês depois, a XP lançou também. No dia seguinte ao IPO da XP nos Estados Unidos, lançamos o fundo Exponencial, com ações da XP Inc. na carteira. Depois, a XP também.

Nada de ilegal nisso: o concorrente lançou, deu ibope, vou lançar também. Do ponto de vista do produto, você tem pouco espaço para ficar com vantagem competitiva por muito tempo, porque o concorrente pode te copiar. Mas, se você está antenado com o mercado e ele te dá a oportunidade, você atrai a atenção de vários clientes e é percebido como um player inovador.

A indústria do canabidiol ainda está na infância, com taxas de crescimento altíssimas. Hoje movimenta dezenas de bilhões de dólares, amanhã podem ser centenas. E boa parte tem foco nos usos medicinais. É uma indústria gigante. Uma instituição financeira conservadora seria medrosa, diria que há uma barreira. Mas há uma tendência crescente de os mercados regulamentarem o uso da cannabis para fins medicinais e até recreativos.

É uma indústria nova, depende de bastante canetada do órgão regulador, tem bastante risco. E fomos transparentes com o cliente em relação a isso, aconselhamos a alocação de uma fração pequena da carteira. Mas damos a ele a chance de se expor a uma indústria que pode se multiplicar por cinco ou por dez nos próximos anos. Isso atraiu para cá pessoas que não conheciam a Vitreo e elas passaram a conhecer também os outros produtos.

Quando a XP fez seu IPO nos Estados Unidos, e não no Brasil, ela alijou sua própria base de investidores, que participaram do sucesso da empresa e ficaram frustrados por não poderem comprar as ações dela na B3. Montamos o fundo com as ações dela no dia seguinte, e muitos clientes da XP vieram para cá, foi uma grande sacada. É uma coisa atrás da outra que cristaliza na audiência essa imagem de que somos inovadores, trazemos coisas novas.

Foi uma questão de aproveitar o timing certo?

Apesar do sucesso dos nossos fundos temáticos, o pulo do gato não está aí. Um cliente que tem R$ 100 milhões é superdesejado, é disputado pelo Itaú, pelo Credit Suisse, por gestoras de patrimônio, porque é rentável. Para ele, a informação chega sempre de forma perfeita, com transparência, ele sabe pelo que está pagando – e, pelo volume investido, ele paga a tarifa mais baixa.

Por que não dá para fazer isso com o cara que tem menos dinheiro para investir? Tirando as questões regulatórias da CVM (que limita o acesso a produtos com ativos de risco no Exterior aos investidores qualificados), nada impede que o investidor menor tenha a mesma qualidade de produtos. Se você conseguir resolver com tecnologia e plataforma ágil a dúvida que ele tem, o produto não é tão difícil de entregar. Aí está nossa oportunidade de negócio.

O que queremos é fazer um raio X do cliente e depois montar uma carteira para ele, dar uma solução completa. Os modelos 1.0 e 2.0 têm foco no produto, o 3.0 é centrado no cliente. Com cada um que chega até a Vitreo, o que quero é construir uma relação em que ele possa ter 100% do dinheiro aqui, em uma relação ganha-ganha, e para isso eu preciso ser transparente. Com a DTVM, eu trago as peças que faltavam para dar uma solução completa a ele, com o lançamento de produtos novos até o final do ano.

A Vitreo acaba de bater os R$ 5 bilhões sob gestão. Qual é o balanço que você faz da caminhada até aqui e o que foi decisivo para o crescimento da captação?

A leitura que faço, com humildade, é que soubemos escolher a direção certa. E que a premissa da qual partimos estava correta: há espaço para modelos de negócio alternativos. Na fase 1, éramos apenas gestora, então havia uma limitação dos produtos que podíamos oferecer. Agora, como plataforma, estamos bastante animados. Lançamos a DTVM em maio, no meio da pandemia, e todos poderemos dizer no currículo que colocamos de pé uma instituição financeira de forma completamente remota. Dos 100 colaboradores que contratamos, 40 nunca puseram os pés no escritório.

Entendemos que temos grandes mercados para atender e não deveríamos deixar a pandemia nos segurar. Sempre soubemos que queríamos ser uma plataforma, e uma plataforma iniciada do zero, esse senso de propósito está presente na gente desde o início. Queríamos continuar crescendo e precisávamos de mão de obra, de novos talentos. Sabíamos que muitas empresas em dificuldades teriam que abrir mão de funcionários talentosos e ficamos de olho em programas de demissão de grandes empresas, sobretudo de tecnologia.

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