O que este conteúdo fez por você?
- O Tordesilhas EI (TORD11) é o único fundo imobiliário do IFIX, índice de investimento que reúne os principais FIIs da bolsa, que não paga dividendos
- O motivo por trás da ausência de remuneração dos cotistas se deve à inadimplência dos portfólios que se estende desde o início do ano passado
- O problema é que, além da ausência de proventos, a comunicação dos gestores com os cotistas se resume apenas aos relatórios financeiros mensais, trimestrais e semestrais do fundo
A inadimplência dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e dos projetos imobiliários presentes no portfólio do fundo imobiliário Tordesilhas EI (TORD11) pôs um fim ao pagamento de dividendos de mais de 80 mil cotistas. A última remuneração aconteceu em fevereiro do ano passado, quando a R.Capital, gestora responsável pelo fundo, anunciou o pagamento de R$ 0,050 em proventos por cota. Não bastasse a ausência da remuneração mensal, os investidores com posição em TORD11 continuam até hoje sem previsão de quando o problema do FII será solucionado.
Leia também
O último relatório gerencial emitido pela R.Capital sobre o quadro financeiro do TORD11 foi divulgado em julho de 2023. No documento, os gestores relatam que não realizaram a distribuição de rendimentos referentes ao resultado de maio devido à inadimplência dos CRIs GPK, EDA e Brasil Parques e das concessões de carência de pagamento para os CRIs Hope, WAW Holding e Loteamento Goiás. Na época, a gestão afirmou que estava analisando a saúde financeira das operações do portfólio a fim de defender o interesse dos cotistas. A execução das garantias atreladas ao título de dívida ou a venda de alguns ativos estavam no radar dos gestores como algumas das possibilidades para solucionar o impasse financeiro.
De maio de 2023 até hoje, nada mudou. As informações sobre o fundo imobiliário Tordesilhas EI (TORD11) se limitaram apenas à divulgação dos relatórios mensais e trimestrais, enquanto a corretora se absteve de publicar relatórios gerenciais sobre o portfólio do fundo. A divulgação desse último documento, embora não seja obrigatória, é avaliada como uma boa prática das gestoras em garantir transparência aos cotistas, segundo a análise de analistas de FIIs.
Procurada pelo E-Investidor, a R.Capital não se posicionou sobre o assunto. Reforçamos que o espaço continua aberto.
Publicidade
Dado esse contexto, as cotas do TORD11 continuam em ritmo de queda com as incertezas sobre a capacidade de o fundo gerar rendimentos em um futuro próximo. Neste ano, as cotas do Tordesilhas sofrem com uma desvalorização de 31,19% em 2024. O desempenho dá continuidade à depreciação da cota vista em 2023, quando sofreu com uma perda de 69,9% no acumulado do ano, segundo dados da Elos Ayta Consultoria. A desvalorização das cotas também foi acompanhada pela saída dos investidores do fundo imobiliário. Em 2022, possuía 111,3 mil cotistas. No ano seguinte, o número de cotistas caiu para 92,4 mil. Já em 2024, o fundo possui 81 mil investidores.
Veja a performance das cotas do TORD11 nos últimos quatro anos
Ano | Retorno | Dividend yield | Nº de cotistas |
2020 | 35,41% | 9,31% | 21,2 mil |
2021 | -0,51% | 10,33% | 96,1 mil |
2022 | -14,98% | 9,95% | 111,3 mil |
2023 | -69,91% | 1,22% | 92,4 mil |
2024* | -31,19% | 0,00% | 81 mil |
Fonte: Elos Ayta consultoria/*Dados até o dia 16 de julho |
O que aconteceu com o TORD11?
Criado em 2019, o TORD11 é um fundo imobiliário voltado para o desenvolvimento de projetos imobiliários de multipropriedade e que utiliza a sobra do seu caixa para incluir CRIs entre títulos de dívidas do setor. Por se tratar de uma estratégia de investimento considerada de alto risco, a proposta do fundo era entregar um retorno acima da média do mercado e compatível com seu propósito de investimento. No entanto, com o cenário de alta de juros e o estresse no mercado de crédito, que foi potencializado com a fraude contábil da Americanas, as empresas apresentaram dificuldades de honrar seus pagamentos.
No último relatório gerencial do TORD11, referente a maio de 2023, os gestores ressaltam a dificuldade de as empresas obterem financiamento ou refinanciamento para as suas operações. Isso porque, diante de um cenário de incertezas, a oferta de crédito ficou mais restrita, enquanto as instituições financeiras buscavam administrar a sua carteira de inadimplentes. Segundo a R. Capital, no caso do portfólio de equities do Tordesilhas, o impacto desse cenário fica evidente nas operações dos projetos imobiliários de multipropriedade – sistema em que várias pessoas são donas de um mesmo imóvel com o direito a usufruir do espaço em alguns períodos do ano – que correspondem a 44,27% do portfólio.
“No Kawana, em Caldas Novas (GO), quando comparamos as vendas líquidas YoY entre os meses de janeiro a abril, temos um decréscimo de 68% e aumento na inadimplência acumulada de 3,7% para 4,6%”, afirmaram os gestores. Já o Resort Lago, também em Caldas Novas, apresentou um número de cancelamentos superior ao de novas vendas em abril de 2023, o que resultou na queda de 3,58% no percentual total de frações vendidas. Em março, o empreendimento cessou o pagamento dos juros e a renegociação da dívida estava em andamento junto com a securitizadora e os credores.
Isso também aconteceu com o projeto multipropriedade Ondas Praia Resort, localizado em Porto Seguro, na Bahia. Em abril do ano passado, o empreendimento apresentou mais cancelamentos do que vendas brutas e estava pagando apenas os juros da sua dívida. Já o Makaira Beach Resort, no município baiano de Canavieiras, registrou em abril uma taxa de inadimplência de 64% das cotas vendidas aos clientes. Isso significa que, naquela época, todos os projetos imobiliários que faziam parte do portfólio de equity do TORD11 estavam com problemas de honrar com os seus pagamentos e registraram dificuldades de expandir as vendas das cotas dos seus empreendimentos.
Publicidade
“Quando saímos de um juros de 2% (em 2020) para 13% (em 2023), o projeto não para de pé porque ele não consegue pagar a dívida”, diz Bruno Viveiros, analista de FIIs da Warren. O especialista acrescenta ainda que as dívidas eram classificadas como subordinadas. Ou seja, estavam no último patamar da estrutura de capital e, por esse motivo, eram as últimas a receber o pagamento. “Os cotistas entraram pelo dividendo sem entender bem o risco que estavam tomando”, ressaltou Viveiros. Ao olhar para o portfólio de CRIs, que representava 18,09%, o cenário não era muito diferente. Todos os títulos de dívida possuíam algum nível de estresse, seja pela inadimplência ou pela necessidade de conceder novas condições de pagamento.
Quando os detalhes das operações foram relatadas, os investidores já estavam sem receber nenhum dividendo dos cotistas porque o portfólio não tinha mais rendimentos. A ausência de remuneração ficou ainda mais grave porque o fundo não possuía um colchão de liquidez para manter os pagamentos em períodos de crise. “Se pegarmos a média histórica do TORD11, o fundo distribuiu todos os seus rendimentos. Então, quando o portfólio do fundo apresentou problemas, não havia um colchão para pagar os cotistas enquanto ocorria uma resolução jurídica”, afirma Guilherme Sharovsky, investment banker da Bloxs Capital Partners.
Por lei, os fundos imobiliários têm a obrigação de distribuir 95% dos seus lucros apurados no semestre para os seus cotistas, mas há um hábito no mercado de realizar a distribuição mensalmente. No entanto, algumas gestoras buscam criar essa reserva para garantir a remuneração em períodos de inadimplência do portfólio. Se no fim do semestre não houver a ocorrência de imprevistos nos rendimentos, o excedente passa a ser distribuído aos cotistas. Para ele, a estratégia de distribuir tudo que rendeu em cada mês visa atrair mais cotistas para o fundo. “Quanto mais o fundo distribui rendimentos mais atrativo se torna no mercado”, acrescenta o investment banker da Bloxs.
Veja o portfólio do TORD11
Ativo | PL |
CRI | 18,09% |
Imóveis | 0,03% |
Fundos | 34,18% |
Projetos imobiliários | 44,27% |
Recursos a receber | 3,96% |
Fonte: Relatório gerencial de maio de 2023 do TORD11 |
O FII TORD11 vai se recuperar?
As dúvidas sobre a capacidade de o Tordesilhas voltar a pagar dividendos e se tornar um fundo atrativo permanecem no mercado. Para Marcelo Fayh, analista de FII, a possibilidade disso acontecer é bastante baixa visto que não há muitas informações sobre como estão as tratativas de renegociação e dos pagamentos das dívidas. “Com toda a falta de informação que se tem hoje sobre todos esses negócios, não existe saída fácil para uma situação difícil. Eu não tenho expectativa de que esse fundo volte a valer sequer perto de um dia que ele valeu. Acho muito difícil se recuperar”, analisou Fayh.
Publicidade
Já Sharovsky consegue enxergar uma possibilidade de alguma recuperação no futuro. Segundo ele, os CRIs que fazem parte do portfólio possuem uma garantia real (há algum bem atrelado à dívida para cobrir a ausência dos pagamentos). Ou seja, há uma expectativa de que as garantias devem ser executadas. Ao olhar para os empreendimentos, a maior parte deles já está pronto e, por isso, conseguem ser liquidados (vendidos). “O problema é que o fundo também tem entre suas despesas que é pagar a administradora e a gestora. Nos informes mensais, o fundo recebeu algum dinheiro, mas a maior parte foi para pagar a taxa de administração”, informa investment banker da Bloxs Capital Partners.
As incertezas colocam o cotista com posição no fundo em um impasse sobre manter o fundo no portfólio ou vender no mercado com prejuízo. A decisão vai depender da realidade de cada investidor. Se houver alguma necessidade por liquidez, vender as cotas pode ser uma possibilidade mais viável com as incertezas sobre o imbróglio que o fundo vivencia. Agora, se o dinheiro aplicado não fizer falta no orçamento, Sharovsky sugere aguardar os desdobramentos referentes à execução das garantias. “Quem entrou no IPO do TORD11 e for vender as cotas a preço de mercado, vai sofrer uma perda de 80% mais ou menos”, ressalta o especialista.
Como escolher um fundo imobiliário?
Antes de incluir um fundos imobiliários na carteira, o investidor precisa ficar atento às estratégias de investimentos e aos respectivos riscos da classe de ativos. Segundo Lucas Fürst, operador de renda variável da Manchester Investimentos, o erro mais comum cometido por investidores iniciantes é decidir investir no FII com base apenas nos comentários de influenciadores de finanças sem ao menos entender se a proposta do fundo está adequada ao seu perfil de risco.
“Outro erro que vejo é investir no fundo pelo dividend yield (DY). Às vezes, o fundo paga 1,5% ao mês e o investidor compra sem entender o porquê desse rendimento”, afirma Fürst. O especialista explica que o bom desempenho pode refletir em um pagamento não recorrente ou pode até mascarar algum problema do fundo. Conhecer o histórico das gestoras por trás dos FIIs para averiguar se há alguma acusação de conflito de interesse por outros investidores e para entender o trabalho de alocação também é um hábito que deve ser adotado.
“O investidor pode buscar os relatórios gerenciais que os FIIs divulgam mensalmente. Indicadores como alavancagem do fundo, estratégia da gestão e perspectivas de distribuição de dividendos para os próximos meses são relevantes para identificar possíveis riscos de desvalorização das cotas”, afirma Jaqueline Kist, especialista em mercado de capitais e sócia da Matriz Capital. A outra dica é priorizar portfólios mais diversificados para mitigar os riscos em casos de inadimplência, como o atraso de aluguel de imóveis ou das parcelas de CRIs.