Ao contrário. Enquanto os estrangeiros deixaram um saldo negativo de R$ 20,4 bilhões na bolsa entre os dias 2 e 20 de março, os investidores individuais incrementaram R$ 15,5 bi no mesmo período em compra e venda de ações, de acordo com dados da B3.
Isto porque, no total, as pessoas físicas venderam R$ 75,9 bilhões e compraram R$ 91,5 bi. E, entre os investidores de fora do País, a Bolsa perdeu R$ 285,5 bi e só recebeu R$ 265,1 bi.
A participação do segmento de investidores individuais ainda é bem menor no volume total: 14,6% contra 48% de estrangeiros – o restante fica com instituições, clubes de investimentos, entre outros. Mas a fatia do grupo vem crescendo bastante nos últimos quatro anos. A quantidade de CPFs registrados na Bolsa saltou de 564 mil, em 2016, para 1,9 milhão no final de fevereiro de 2020.
O analista de mercado da Ágora Investimentos, Ricardo França, explica que a sequência de cortes da taxa Selic incentivou muitos brasileiros a trocarem a renda fixa pela variável nos últimos anos. “O novo cenário de juros baixos fez os investidores despertarem para a importância de diversificar seus investimentos”, afirma.
Porém, esse movimento não está só associado à redução da Selic, que chegou a 3,75% na última quarta-feira (18), o menor patamar da história. Segundo França, empresas de diversos setores tiveram um crescimento bem destacado nesse período, o que também seduziu os investidores individuais que buscavam aumentar a rentabilidade.
Antes da crise do coronavírus estourar, o vento era favorável aos navegantes da B3. Em 2019, as empresas de consumo e de planos de saúde, por exemplo, tiveram bom desempenho na Bolsa. Respectivamente, nesses segmentos, as que mais cresceram foram Via Varejo (154,44%) e Qualicorp (229,99%). As ações com maior alta no ano foram as do BTG Pactual, que subiram 238,53%. O Ibovespa cresceu 31,58%, fechando dezembro em 115 mil pontos.
“As pessoas físicas acabaram tendo esse impulso porque não havia atratividade na renda fixa”, ressalta o analista da Ágora. “Era um momento positivo para investir na renda variável antes do coronavírus chegar.”
O analista de mercado da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, lembra que esse momento de crise é novidade para a maioria dos investidores individuais. Até agora, boa parte só havia surfado a onda de crescimento da bolsa. “Esse período de volatilidade forte assusta, especialmente os novatos, que só viam o rendimento da B3 crescer”.
Apesar do choque com a queda repentina no valor das ações, o especialista conta que seus clientes, assim como todos os investidores individuais, se viram encurralados. “Do mesmo jeito que a bolsa traz dúvida e incerteza, a renda fixa ou a poupança também vão gerar perda de patrimônio”, diz o analista.
Segundo Arbetman, a saída é ter paciência e não fazer nenhum tipo de movimento brusco no atual cenário. “Com a atual taxa de juros, inflação estabilizada e o câmbio nesse patamar, outros investimentos deixam de ser atrativos. Isso pode ajudar a reter mais gente na bolsa”, avalia.
Para Sandra Peres, analista da Terra Investimentos, a partir de agora o investidor vai precisar analisar a fundo as empresas em que apostar. “Mesmo com a crise, os produtos de primeira necessidade e voltados para o mercado interno continuarão sendo demandados.”
Por ora, as apostas mais seguras na Bolsa são nos setores de alimentos, saneamento e os bancos. Os mais prejudicados, segundo a analista, são turismo e aviação e as gigantes Vale e Petrobras, devido à iminente queda nas exportações e à fuga do capital estrangeiro.
Como foi na crise de 2008?
Neste momento de caos nas bolsas de valores mundiais, é impossível não lembrar da crise de 2008. Se atualmente o problema foi causado por um agente externo, como é o caso da propagação do Sars-CoV-2 (nome científico do novo coronavírus), há 12 anos o colapso teve origem na bolha imobiliária, que levou diversos bancos, como o Lehman Brothers, à falência.
Naquela época, os brasileiros ainda começavam a navegar nos mares do mercado acionário. Em 2007, a quantidade de CPFs registrados na Bolsa era de cerca de 457 mil, quatro vezes menor que os atuais 1,9 milhão.
Quando a crise bateu à porta, no ano seguinte, não houve o mesmo movimento que vemos em 2020 por parte dos investidores individuais. Embora não tenha ocorrido uma fuga de capitais como se imagina, o saldo entre compras e vendas que seguia um patamar positivo ou mais próximo de zero, foi negativo no final do ano de 2008, no pior momento para a bolsa brasileira após a crise.
Em dezembro daquele ano, quando o Ibovespa teve máxima de 39,9 mil pontos no mês depois de chegar ao patamar dos 70 mil pontos em maio, o saldo entre compras e vendas de pessoas físicas foi de 1,3 bilhão negativo. Em maio, o resultado havia sido de 1,6 bilhão positivo.
O processo de retomada não demorou. A bolsa se recuperou ao longo de 2009 e chegou a 69 mil pontos em dezembro. Com isso, as pessoas físicas não deixaram de investir na renda variável. “A bolsa apresenta bons resultados desde 2007. O movimento de migração começou nessa época”, recorda Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
Como estará a bolsa daqui a um ano?
A atual conjuntura, com perspectiva de juros mais baixos por um bom tempo, deve contribuir para ampliar ainda mais a participação dos investidores individuais na B3. É o que aponta França, analista da Ágora. “A tendência de longo prazo é de aumento de pessoas físicas na Bolsa”.
A manutenção da Selic em um patamar baixo para os padrões brasileiros pode deixar os investidores adaptados à volatilidade da renda variável, que, em médio e longo prazo, será mais lucrativa do que a renda fixa.
“Ainda há espaço para novos entrantes como pessoa física na Bolsa”, indica França. Ao comparar o mercado acionário do Brasil com o de países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, ele lembra que ainda temos muito chão a percorrer. “Temos um número muito pequeno, só 2 milhões de CPFs em uma população de 210 milhões. À medida que aprimoramos as condições de mercado, mais pessoas físicas vão entrar.”
Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos, concorda. O analista lembra que existe uma gama de produtos além das ações que tendem a crescer e a agradar diferentes gostos, como os fundos imobiliários, por exemplo.
O especialista não arrisca qual será a quantidade de CPFs na B3 daqui a um ano, mas acredita que será maior que a atual: “A crise vai acabar tendo um papel muito didático, mostrando como é importante buscar ser efetivo com seus investimentos.”