- Este é o oitavo aumento consecutivo na taxa de juros, em uma tentativa do Banco Central para conter a inflação no país, que fechou 2021 com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 10,06% ao ano
- Analistas acreditam que o Banco Central pode suavizar as altas na taxa de juros nas próximas reuniões, com sinais de desaceleração futura na inflação
- Nos investimentos, o reajuste da taxa de juros torna as aplicações de renda fixa mais atrativas para o investidor, sem impactar tanto no mercado de capitais, que já incluiu a alta no preço dos ativos
Na primeira reunião de 2022, o Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou nesta quarta-feira (2) um aumento de 1,5 ponto percentual na Taxa Selic. Com o reajuste, a taxa básica de juros brasileira passa de 9,25% para 10,75% ao ano – ultrapassando a casa dos dois dígitos pela primeira vez em cinco anos.
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Este é o oitavo aumento consecutivo na taxa de juros, em uma tentativa do Banco Central para conter a inflação no país, que fechou 2021 com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 10,06% ao ano.
A Selic a 10,75% ao ano já era esperada pelo mercado, explica João Beck, economista e sócio da BRA. Para ele, o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB), a abertura de postos de trabalho e um superávit nas contas externas do Brasil podem trazer certo alívio em relação à inflação durante o ano, o que reduziria a pressão na taxa de juros.
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Neste cenário, o economista acredita que o Banco Central pode suavizar as altas na taxa de juros nas próximas reuniões. “Pode aparecer no comunicado uma espécie de brecha, uma abertura de reconhecer que a inflação tem sinais de desaceleração futura e que novos aumentos da mesma magnitude não serão necessários. A tendência é de que, mesmo que a Selic chegue aos 12% ao ano, que faça isso de uma forma mais suavizada ao longo do tempo”, afirma sobre as expectativas para 2022.
Este não deve ser o primeiro aumento na taxa de juros a ser anunciado pelo Banco Central: a projeção do último boletim Focus, divulgado em 31 de janeiro, é de que a Selic encerre 2022 a 11,75% ao ano. Tendo pela frente um cenário de novas altas, o mercado espera qual vai ser a magnitude do próximo aumento na reunião do Copom, em março.
Para Ricardo França, analista de research na Ágora Investimentos, o tamanho das próximas elevações depende do comportamento da inflação no Brasil – a projeção do Focus é de que o IPCA termine o ano em 5,38%. “A gente ainda deve ter um processo de alta de juros, provavelmente até meados de 2022. Parte do mercado já está imaginando que estamos próximos do final do ciclo de alta de juros. Só que temos que entender como vai ser essa dinâmica, porque exatamente em março o banco central americano vai começar a subir juros por lá”, afirma.
França destaca ainda os impactos que uma alta taxa de juros pode ter, no longo prazo, na atividade econômica do país. Se a inflação convergir para a meta, o analista acredita que os juros também devem cair. “Talvez mais para frente, no final de 2022, início de 2023, a gente comece a ver um processo de redução. Em um primeiro momento, a Selic sobe para conter essa inflação, mas, em um segundo momento, como temos uma atividade econômica mais fraca, a gente entra em uma trajetória de redução dos juros para tentar estimular a economia” explica.
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Leandro Vasconcellos, head da mesa de alocação Alta Renda e sócio da BRA, destaca ainda a pressão que o ano eleitoral pode fazer na curva de juros: “Por mais que o Banco Central seja independente, isso pode afetar a decisão do banco sobre o rumo dos juros de alguma forma. A receita de bolo padrão diz que é preciso aumentar juros para conter a inflação, só que o efeito colateral dessa medida é a estagnação econômica, que em um país com 13% de desempregados pode pesar na decisão do BC”, destaca Vasconcellos.
Como ficam os investimentos
A alta na taxa de juros torna as aplicações de renda fixa mais atrativas para o investidor. Os analistas explicam que, como o reajuste era esperado, o mercado financeiro já tinha precificado e o anúncio desta quarta pode não impactar tanto na renda variável como de costume.
Se em algum momento de 2021, quando a taxa de juros estava em 2%, o mercado acreditou que os investimentos de renda fixa estavam “mortos”, agora eles estão de volta. Orlando Bachesque, sócio da Alta Vista Investimentos, explica que, conforme a Selic foi sendo reajustada ao longo do último ano, mais gente migrou de investimentos de risco para os de renda fixa, o que já beneficiou alguns tipos de ativos, principalmente os pré-fixados.
“Se o juro subiu, é porque a inflação estava alta. Então os ativos de inflação, indexados ao IPCA mais uma taxa pré-fixada, foram valorizados”, diz.
Com a Selic a 10,75%, os ativos que mais se beneficiam são os indexados à Selic e ao CDI. Para o investidor interessado em aproveitar a alta dos juros e investir na renda fixa, Bachesque aconselha que diversificar a carteira é a melhor opção. “Em vez de olhar para um ativo só, a diversificação nas três caixinhas dentro da classificação de renda fixa faz muito mais sentido. Ter um pouco em pós-fixado, um pouco em inflação e um pouco que te garanta no médio e longo prazo”, afirma.
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Uma simulação feita pela Yubb, a pedido do E-Investidor, mostra que os títulos de LCI e LCA a 95% ou 100% do CDI são mais atrativos para o investidor, já que apresentam, entre as opções da renda fixa, as maiores taxas de rentabilidade descontadas a inflação, além de serem investimentos isentos de imposto de renda.
Bernardo Pascowitch, CEO e fundador da Yubb, acredita que o cenário para 2022 é mais interessante para a renda fixa do que nos últimos anos. “A elevação da Selic trará rentabilidades mais elevadas para os títulos de renda fixa e, consequentemente, o rendimento real desses investimentos será positivo, caso não tenhamos uma disparada da inflação”, explica.
Para que o investidor consiga aproveitar as melhores rentabilidades, porém, é importante se atentar às taxas cobradas pelas instituições e ao rendimento bruto de cada investimento – se aquela aplicação vai superar a inflação. Do contrário, o produto não é vantajoso, reforça Pascowitch. “Na prática, rentabilidades acima de 110% do CDI para CDBs, LCs e RDBs e acima de 95% do CDI para LCIs e LCAs tendem a remunerar acima da inflação, mas é preciso fazer a conferência na prática” diz.
Bolsa de valores
A Selic a 10,75% deve impactar o mercado de renda variável no Brasil? Para Mauro Morelli, estrategista-chefe da Davos Investimentos, o mercado de ações não se surpreendeu com a decisão do Copom, e, por isso, não deve ser tão afetado.
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O Ibovespa está apresentando bons resultados em 2022, recuperando parte dos descontos do ano anterior – somente em janeiro, a bolsa brasileira acumulou 6,98% de alta. Parte do bom humor é explicado por um aumento no fluxo de investimentos estrangeiros, com o mercado externo preocupado com o endurecimento do discurso do Fed e uma tendência de aumento da taxa de juros nos Estados Unidos.
“Isso faz com que a gente tenha um movimento lastreado por esse fluxo de investimentos e, como muito da alta dos juros já está no preço, os vendedores locais já se posicionaram”, explica Morelli. Na visão do especialista, o fluxo de investidores internacionais na bolsa brasileira supera o impacto do reajuste do Copom, e, por isso, não deve impactar tanto os papéis do Ibovespa.
Francisco Levy, estrategista-chefe da Vitreo, também não acredita que “o evento do Copom não vai ser um divisor de águas para as tomadas de decisão de risco”. “Essas altas estão muito incorporadas nos preços. O que vai fazer a diferença é a curva de juros futura mexer, quando as pessoas começarem a achar que chegou no final do ciclo de altas nos juros”, explica.
Apesar disso, Levy pontua que ações menores podem sentir certo impacto. “Quando sobem os juros, sobe mais o custo de capital de empresas menores, além de o mercado dessas ações ser menos líquido. E quando o juro é mais alto, os investidores acabam dando preferência para os papéis de maior liquidez”, diz.
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Para Morelli, o principal setor que se beneficia com o aumento da taxa de juros é o bancário, enquanto segmentos dos quais os investidores têm maior aversão ao risco ou que precisam de maior financiamento saem mais prejudicados. “O setor que mais se beneficia é o setor bancário, porque tem uma vantagem na parte de financiamento de empréstimos. Os bancos conseguem se financiar no curto prazo em uma taxa menor, enquanto emprestam o dinheiro com uma taxa maior no médio e longo prazo”, diz.