Nos dias seguintes ao discurso de Trump, o S&P 500 e o Nasdaq registraram as maiores quedas desde a pandemia, recuando 4,9% e 6%, respectivamente. A reação foi imediata, mas não duradoura. Com o passar das horas, os índices voltaram a subir e atingiram novas máximas históricas, em parte graças às gigantes de tecnologia. Analistas observam, porém, que esse movimento está fortemente ancorado na aposta de ganhos de eficiência por meio da inteligência artificial (IA), o que concentra ainda mais o risco em um grupo restrito de ações.
Para piorar a insegurança dos investidores, estudos da Factset apontam que uma tarifa média de 17% pode reduzir as margens de lucro das empresas do S&P 500 em até 50 pontos-base, mesmo que os dados macroeconômicos ainda não indiquem desaceleração severa ou alta da inflação. Ainda assim, os chamados soft data, que medem expectativas de consumidores e empresários, sugerem preocupação crescente com os rumos da atividade e dos preços. Esse desconforto tem se traduzido em maior demanda por ativos de proteção, como o ouro, e por mercados menos dependentes dos EUA.
Especialistas ouvidos pelo E-Investidor dizem que, a depender do grau de implementação das tarifas e das possíveis retaliações, automotivo, eletrônico, materiais de construção, varejo e alimentos processados devem ser os setores mais afetados. Companhias com forte integração em cadeias globais enfrentam maior dificuldade de adaptação diante de custos adicionais e mudanças logísticas. Em contrapartida, ações de empresas ligadas a saúde, utilidades e serviços tendem a ser menos sensíveis ao efeito direto das tarifas e têm sido procuradas como opções mais estáveis.
Gestoras ressaltam que, embora as Treasuries – títulos de renda fixa de dívida pública do governo norte-americano – sigam sendo consideradas referência mundial de segurança, o ruído institucional gerado por declarações políticas começa a afetar até mesmo os ativos mais tradicionais. Isso acontece em um momento em que os EUA continuam respondendo por cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, o que reforça a dependência de diversas economias desenvolvidas e emergentes em relação ao consumo americano.
A movimentação dos investidores mostra que nenhum ativo está blindado. A valorização recente das bolsas não elimina os riscos que vêm sendo precificados nos bastidores. Caio Mitsuo, planejador financeiro e especialista em investimentos, afirma que, no mercado de renda fixa, investidores seguem dando prioridade a ativos considerados seguros, o que mantém a pressão sobre os rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA.
A movimentação também influencia os bonds corporativos cujos spreads (prêmios) já vinham passando por um processo de compressão nos últimos meses. Ele avalia que, em um ambiente de maior previsibilidade política e econômica, deve haver uma retomada do interesse por ativos de maior risco, com destaque para mercados emergentes, commodities e ações listadas fora dos EUA.
Por que investidores estão deixando os EUA?
A confiança no dólar foi colocada à prova após o tarifaço de Donald Trump, segundo Mitsuo. Embora ainda não exista uma alternativa de reserva de valor com a mesma escalabilidade, a percepção de risco aumentou. O déficit fiscal dos Estados Unidos está estimado em 6,2% do PIB, o equivalente a 1,9 trilhão de dólares, com projeção de atingir 2,6 trilhões em 2026.
Até o fim de junho, fundos de ações nos EUA registraram saídas líquidas de US$ 11,75 bilhões. No mesmo período, fundos europeus captaram US$ 4,66 bilhões e asiáticos, US$ 718 milhões. Para Mitsuo, o movimento ainda não representa uma fuga de capitais, mas uma readequação estratégica de portfólios. Ele avalia que ampliar a exposição aos EUA no longo prazo continua sendo uma boa alternativa, já que as empresas americanas representam 53% da capitalização global das bolsas de valores e tendem a se fortalecer com as novas políticas tarifárias.
“Não há como fugir do mercado americanos, pois assim como em todos os grandes ciclos e transformações, eles estão na vanguarda de tudo, como podemos ver na indústria da saúde, da comunicação e da IA”, diz. Ao mesmo tempo, ele aponta a diversificação em mercados com menor risco político e regulatório como uma alternativa complementar.
Paula Zogbi, estrategista-chefe da Nomad, também observa sinais de desconfiança dos investidores quanto aos EUA, apesar das bolsas americanas seguirem em níveis recordes. Segundo ela, o rebaixamento da dívida dos EUA pela Moody’s chamou atenção para a insustentabilidade da política fiscal e elevou o risco para investidores estrangeiros com ativos denominados em dólar, provocando a saída de parte desses recursos. No primeiro semestre, o dólar se desvalorizou 10% em relação às principais moedas globais, enquanto os prêmios de risco dos títulos do Tesouro subiram, em meio a tensões geopolíticas e à busca por menor vulnerabilidade aos EUA.
Apesar da pressão, assim como Mitsuo, ela afirma que a economia americana mantém posição de liderança em temas que influenciam os mercados, como a IA. Esse fator, segundo Zogbi, ainda sustenta o desempenho superior das bolsas e os lucros corporativos, mesmo diante das interrupções provocadas pelas tarifas.
“Vale lembrar que manter investimentos nos EUA não significa necessariamente negligenciar uma exposição global mais diversificada. O Índice MSCI ACWI – que mede o desempenho das ações em mercados desenvolvidos e emergentes – excluindo EUA subiu dois dígitos em 2025, enquanto o S&P 500 também apresentou alta, mas com mais períodos de volatilidade. A correlação diminuiu entre os mercados dos EUA e os não americanos, o que indica que a diversificação internacional pode fornecer um ‘amortecedor’ contra as quedas do mercado dos EUA”, avalia.
Investimentos alternativos fora dos EUA: para onde os investidores estão fugindo
A saída de fluxos de capital dos EUA tem beneficiado principalmente países como Índia, Vietnã, Malásia e México, além da Europa, onde setores defensivos como saúde e serviços públicos ganham destaque, diz Leandro Aires, especialista em investimentos offshore da XP Investimentos. Esses destinos, afirma, atraem investidores em busca de alternativas diante da instabilidade americana.
“Entre as opções recomendadas para investimentos internacionais estão Índia, Vietnã, México, Singapura e Suíça. Enquanto os mercados emergentes oferecem potencial de crescimento, Singapura e Suíça se destacam pela estabilidade e valuations (valor de ativos) atrativos. Esses países têm se beneficiado da migração de recursos devido às tarifas impostas pelos EUA e ao ambiente político-econômico turbulento”, afirma.
Mitsuo, por outro lado, diz que a Europa é apontada como um mercado especialmente relevante, graças à estabilidade de seu sistema financeiro, forte regulação e oferta de ativos de qualidade. Segundo ela, muitas plataformas de investimento sediadas nos Estados Unidos utilizam fundos europeus para reduzir impactos fiscais, inclusive para investidores brasileiros. A combinação de diversificação geográfica e menor tributação sobre ganhos de capital torna o continente uma das melhores alternativas para investimentos de longo prazo.
Zogbi afirma ainda que regiões como Europa, Oriente Médio e mercados emergentes têm registrado fluxos positivos diante da busca por maior diversificação global. Segundo ela, no primeiro semestre, bolsas como as de Hong Kong, Alemanha, Itália e mercados emergentes se destacaram, sobretudo pelo interesse por ativos com preços mais descontados e localizados em geografias potencialmente menos afetadas pelas tarifas comerciais.
Recomendação e cuidados
Grandes investidores estão agindo com mais cautela diante do alto interesse por riscos nos mercados, que pode trazer quedas repentinas, segundo Caio Mitsuo. Ele explica que muitos estão preferindo títulos de renda fixa com prazos mais curtos. Outra estratégia usada é apostar ao mesmo tempo em ações que podem subir e outras que podem cair, como o caso de comprar ações da BYD e vender as da Tesla. Além disso, eles estão investindo mais em setores que resistem melhor às crises, como na Europa e na Ásia, e guardando parte do dinheiro em ativos considerados seguros, como ouro e moedas fortes, a exemplo do iene e do franco suíço.
Para quem não é profissional, Mitsuo indica usar fundos negociados na bolsa (ETFs) que permitem investir nessas estratégias de forma simples e com baixo custo. Entre os exemplos que ele cita estão ETFs de ouro, fundos que investem em títulos de curto prazo, ações de empresas que atuam em áreas mais estáveis, fundos que pagam dividendos, além de investimentos em commodities e ações de países como Índia, Europa e Sudeste Asiático. Para quem quer investir em imóveis, há também opções por meio de fundos que replicam o mercado imobiliário.
Aires acrescenta que diversificação de carteira envolve usar uma combinação de fundos, ações, renda fixa e investimentos alternativos, sempre ajustando a carteira e protegendo contra variações cambiais.
Pulverizar investimentos em diferentes países é uma forma eficiente de aumentar a proteção da carteira, afirma Zogbi. Ao acessar mercados internacionais, o investidor passa a contar com oportunidades que não estão diretamente ligadas ao Brasil, além de aproveitar a oscilação do câmbio, que geralmente se comporta de maneira independente dos ativos brasileiros. No exterior, aponta ela, há opções que atendem desde perfis mais conservadores até os mais arrojados, tornando necessário adaptar as estratégias ao perfil e aos objetivos individuais.
Para quem busca diversificar investimentos internacionalmente, Zogbi recomenda alinhar os investimentos ao perfil e conhecer profundamente os produtos disponíveis para equilibrar oportunidades e segurança. “Buscar uma plataforma confiável, com credibilidade, e conhecer os investimentos antes de aplicar também é essencial para evitar tomar mais risco que o pretendido, já que a dinâmica dos ativos globais nem sempre é a mesma do mercado brasileiro”, orienta.