- Mudança de cenário em favor dos imóveis passa pelos juros mais baixos. De um lado, eles reaquecem o mercado imobiliário, ao baratear os financiamentos. De outro, para os proprietários, ganhar 0,5% ao mês sobre o valor investido deixou de ser tão ruim quando a taxa Selic está em apenas 2% ao ano
- Levantamento feito pela RB Capital com 37 incorporadoras apontou que projetos passaram a contemplar espaço para o home office no apartamento ou em áreas comuns. Mas 81% delas ainda apostam em localizações centrais, mais próximas dos eixos corporativos
- Outra conclusão é que os apartamentos compactos, que têm sido a aposta de muitos investidores, devem perder atratividade. Com o confinamento imposto pela pandemia, muitos moradores deixam de tolerar lugares tão pequenos
Em um ano marcado por transformações tão radicais, e que ainda estão sendo digeridas, o ‘novo normal’ dos investimentos deve contar com a volta de um velho conhecido, que andava meio sumido: o imóvel.
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A compra de imóveis físicos para alugar estava fora do radar do investidor por várias razões. O mercado imobiliário entrou em uma longa ressaca em 2015, interrompendo a trajetória de valorização dos anos anteriores. Outros ativos ofereciam taxas de retorno bem mais interessante que a dos imóveis – em que o preço da locação costuma oscilar entre 0,3% e 0,6% do valor do bem.
Mas o jogo virou, e essa mudança de cenário em favor dos imóveis passa principalmente pelo novo ambiente de juros mais baixos. De um lado, eles reaquecem o mercado imobiliário, ao possibilitarem a contratação de financiamentos mais baratos pelos mutuários. De outro, para os proprietários, ganhar 0,5% ao mês sobre o valor investido deixou de ser tão ruim, na medida em que a taxa Selic, à qual se atrelam as aplicações de renda fixa mais conservadoras, foi murchando até chegar aos atuais 2% ao ano.
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Para o investidor voltar a ter imóveis físicos na carteira, vale a pena analisar os ventos atuais do mercado antes de apostar nos consensos de antigamente. A pandemia trouxe novos comportamentos e definiu tendências que têm reflexo nos tipos de imóveis que são mais procurados.
A RB Capital Asset, uma gestora de fundos imobiliários, elaborou um levantamento com 37 incorporadoras da cidade de São Paulo para sentir o clima desse mercado que começa a vislumbrar o pós-covid-19. A ideia da gestora era apurar se a pandemia trouxe mudanças de estratégia, adiou projetos e quais eram as perspectivas para a retomada do setor.
As conclusões reunidas a partir das respostas dessas incorporadoras – que atuam principalmente no segmento residencial e juntas respondem por cerca de 40% do valor geral de vendas da capital paulista – fornecem alguns insights interessantes para o investidor.
A pandemia e a ascensão do home office
As medidas de isolamento social impostas pela pandemia trancafiaram a população em casa e impactaram muitos setores. Mas, por incrível que pareça, o cenário do setor imobiliário não é de terra arrasada.
Das incorporadoras ouvidas no levantamento, 64% afirmaram que as vendas não foram afetadas de maneira expressiva. Isso porque, mesmo com os estandes fechados, as vendas on-line funcionaram de forma satisfatória. O impacto mais visível foi no cronograma dos lançamentos, postergado por 78% das empresas – mas apenas entre 3 e 6 meses.
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Por outro lado, a adesão maciça à prática do home office não passou despercebida pelas incorporadoras. Cientes de que esse comportamento circunstancial pode se tornar uma tendência consolidada, boa parte delas fez mudanças na concepção dos projetos para contemplar essa nova dinâmica de trabalho: 48% incluíram espaços para home office dentro dos apartamentos.
“As pessoas perceberam que podem trabalhar de casa de forma mais intensa e passaram a querer organizar um espaço adequado para isso”, diz Marcio Rocha, sócio gestor responsável pela estratégia na RB Capital.
Quando não é viável encaixar essa nova necessidade na planta, a saída pode ser criar espaços de trabalho compartilhado em áreas comuns dos empreendimentos, solução adotada por 27% das incorporadoras que participaram do levantamento.
“Temos um empreendimento em que o salão de jogos deu lugar a um espaço de coworking, para que os moradores possam trabalhar sem sair do condomínio”, conta Rocha.
A aposta na qualidade de vida longe do centro não vingou
Enquanto a incerteza sobre o alcance e a duração da pandemia era generalizada, houve quem fizesse apostas mais ousadas sobre o fim da concentração da vida corporativa nas regiões centrais. Nesse “novo normal” imaginado, o trabalho presencial deixaria de ser regra e, com isso, cairia por terra a preocupação em morar perto da empresa.
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A consequência é que haveria um êxodo em direção a áreas mais afastadas, em que seria possível morar com mais espaço e qualidade de vida, pagando preços mais baratos que os do inflacionado centro expandido. Ou seja, previa-se que o apartamento funcional perto do metrô daria lugar a casa em condomínio fechado no subúrbio.
Mas parece que essa aposta não vingou. Para 81,1% das incorporadoras ouvidas, o mercado vai continuar preferindo as áreas mais centrais. Apenas 10,8% acreditam que a maior valorização ocorrerá em bairros mais afastados, ao passo que os 8,1% restantes enxergam esse potencial em regiões ao redor da capital.
“A localização central ainda é um diferencial. As pessoas vão continuar tendo vidas urbanas e querem ter uma vida mais fácil e flexível, em que podem fazer coisas a pé e usar o transporte público”, comenta Rocha.
Rodrigo Cagali, diretor financeiro e RI da Mitre Realty, considera que a idealização de uma vida confortável fora de São Paulo é um sonho ao alcance de poucos e que a grande maioria vai continuar preferindo moradias mais centrais.
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“É muito fácil falar ‘vou morar em Alphaville ou no interior’ se você tem uma vida flexível e pode oferecer um bom padrão de vida para a família. Mas para a família de classe média que precisa continuar vindo para o centro e vai gastar três horas por dia no trânsito, isso não é uma opção”, diz.
Um basta aos ‘apertamentos’
Uma aposta que vem sendo feita com força pelo mercado imobiliário, e isso desde muito antes da pandemia, é nos apartamentos subcompactos, com metragens que às vezes mal passam de 20 m². Para as incorporadoras, eles são uma forma de tornar o tíquete do imóvel mais acessível, sem a redução do valor do metro quadrado.
Um fator que deu ainda mais impulso à oferta desses produtos foi a mudança no Plano Diretor da capital. A alteração permitiu que as construtoras ultrapassassem os limites do potencial construtivo em até 20%, desde que esse excedente fosse em unidades compactas, próximas a eixos de transporte público. Com isso, a oferta desses verdadeiros “apertamentos” se multiplicou, especialmente nas cobiçadas regiões centrais – atraindo o interesse de uma quantidade enorme de investidores.
Mas parece que o poder de sedução dos microapês está diminuindo. Em uma de suas conclusões mais surpreendentes, o levantamento da RB com as 37 incorporadoras apurou que 37,84% delas acham que os imóveis compactos vão perder atratividade.
Rocha explica que os compactos se aproveitaram de um anseio geral de reduzir o tempo gasto no trânsito e foram muito bem até o início da pandemia. Com a quarentena, porém, os moradores passaram a ficar em casa por longos períodos, e o confinamento mudou a percepção que eles tinham desses espaços tão diminutos.
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“Com uma boa solução de arquitetura, até dá para viver com menos espaço. Mas, depois de tanto tempo em casa, outros aspectos ficaram mais latentes, e esses moradores perceberam que um imóvel pequeno demais não atende às expectativas”, diz o sócio da RB.
Não se cogita que os compactos sairão de cena da noite para o dia. Eles ainda fazem sentido para alguns perfis de morador e não devem ser completamente abandonados. Mas a oferta desses produtos foi superdimensionada, e os especialistas acreditam que haverá um momento de correção.
“O estoque de compactos na cidade começa a preocupar. Não sei se haverá público para todos. A pandemia fez as pessoas repensarem a questão do espaço e talvez a fatia dos compactos passe a ser bem menor que o imaginado”, avisa Cagali.
Ele destaca que o sucesso comercial de um apartamento compacto tem ligação crucial com a localização. Unidades próximas a faculdades, por exemplo, sempre terão demanda garantida, principalmente de estudantes vindos de outras cidades ou Estados.
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O acesso fácil ao metrô é outro ímã de inquilinos, que aceitam o trade-off das dimensões acanhadas em nome do tempo que passam a economizar nos deslocamentos.
“O cara que morava no Jaçanã e se muda para um compacto no Tucuruvi, perto do metrô, ganha duas horas por dia. Ele abre mão do espaço por esse benefício. Financia R$ 200 mil, tem piscina e churrasqueira e pensa que, mesmo morando em 25 m², está ganhando qualidade de vida”, diz Cagali. “Mas é algo transitório: depois de dois ou três anos ele migra para um lugar maior.”
Os compactos do momento… não são tão compactos assim
Se os apartamentos com menos de 40 m² podem se tornar os novos micos do mercado, as configurações que o diretor financeiro da Mitre Realty considera como as mais vantajosas para o investidor não deixam de merecer a alcunha de “compactas”. São os compactos de dois dormitórios, com áreas úteis entre 60 m² e 66 m², e de três dormitórios, entre 75 m² e 100 m².
“Eles têm um tíquete bom e uma faixa populacional demandante muito grande: famílias que casam, que se separam, que fazem um upgrade vindas de apartamentos menores”, afirma.
Enquanto as tipologias de três dormitórios mais espaçosas, a partir de 120 m², não cabem em qualquer bolso, as compactas têm liquidez maior. “Um três-quartos de 90 m² se encaixa em uma família com uma renda um pouco mais justa. O investidor consegue alugar mais facilmente”, diz Cagali.
Também há boa procura por plantas de dois dormitórios mais amplas, com cerca de 80 m². Mas o mercado imobiliário tem poucos produtos novos com esse perfil. “O mais comum é oferecer um empreendimento com três dormitórios e 90 m² e dar ao comprador a possibilidade de eliminar um dos quartos e ampliar a sala”, conta.
É mais fácil encontrar essas metragens mais generosas em apartamentos antigos. Mas eles não são vistos como as melhores opções para o investidor. Enquanto os empreendimentos novos têm como diferencial áreas comuns mais recheadas de opções de lazer, os “velhinhos” costumam ter custo de manutenção bem maior. “E um imóvel vago com condomínio caro é um tiro no pé do investidor”, resume o diretor da Mitre.
Vale a pena ir além das regiões mais óbvias
Bairros centrais e valorizados como Pinheiros, Bela Vista, Itaim e Jardins são um porto seguro para muitos investidores. Com bons serviços, gastronomia e facilidade de transporte, são regiões que nunca sairão de moda. Mas, em paralelo a esses eixos consagrados, há outros mais novos em franca expansão no momento.
Rocha, da RB, cita duas regiões. Na zona oeste, para absorver parte da demanda pelo saturado bairro de Perdizes, o vizinho Água Branca entrou de vez no radar das incorporadoras. Já na zona sul, o dínamo é a extensão do corredor corporativo da Berrini, em direção à avenida Chucri Zaidan. “Existe uma demanda natural de pessoas que vão trabalhar lá e querem morar por perto”, diz.
Cagali diz que o investidor tende a ficar na zona de conforto de bairros óbvios, como Brooklin, Pinheiros e Perdizes, mas deveria olhar com mais atenção para regiões mais afastadas, que escondem ótimas oportunidades de negócio.
“As zonas norte e leste têm densidades demográficas gigantes, e muitas pessoas não querem deixar o lugar onde nasceram e cresceram. O investidor só precisa se familiarizar com a região. Quando começar a entender esses bairros mais secundários, verá que neles há uma demanda muito interessante”, recomenda.