O chamado ponto de equilíbrio é uma marca simbólica para os investidores que apostaram na empresa. Indica que o negócio saiu do vermelho e está a caminho da lucratividade. Ganha um peso maior num cenário em que a alta dos juros tornou os recursos menos disponíveis no mercado e fundos passaram a olhar mais de perto os resultados e, não apenas a curva de crescimento. Um dos pontos que sustentou o boom de IPOs em 2021 foi o baixo nível dos juros no período, quando chegou a cair a 2% ao ano.
“A maioria das empresas que abriu capital na época era de ‘crescimento’ e precisava de investimentos para alavancar. Diante dessas características das empresas, de lá para cá alguns riscos incontroláveis do mercado, como a pandemia, o aumento de juros e a inflação oneraram o capital das companhias, levando algumas delas a mudarem a rota e atrasarem a possibilidade do break even”, disse o economista-chefe da Messem Investimentos, Gustavo Bertotti.
Virada próxima
A Dotz (DOTZ3) é uma das novatas que enxerga a virada próxima: prevê alcançar o ponto de equilíbrio no último trimestre deste ano. “A empresa está em constante evolução, são quatro trimestres consecutivos de melhora, e estamos confiantes que registraremos Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ligeiramente positivo no quarto trimestre de 2023”, afirmou a CFO, Cynthia Pinho, em entrevista ao Broadcast.
Antes da companhia entrar na Bolsa, em maio de 2021, o seu lucro bruto somou R$ 23 milhões no primeiro trimestre, enquanto o Ebitda foi negativo em R$ 8,3 milhões. Agora em 2023, e considerando estes mesmos períodos, a Dotz reportou lucro bruto de R$ 31,6 milhões e Ebitda, também negativo, de R$ 5,9 milhões.
A empresa vem investindo na ampliação de suas frentes de negócios, deixando de ser apenas uma empresa de fidelidade. “Quando fizemos a abertura de capital, iniciamos um processo de investimento mais agressivo para construção de dois novos pilares: a digitalização, com Super App, e a parte de serviços financeiros, chamada de Techfin”, disse o co-fundador e CEO da Dotz, Roberto Chade.
Para aumentar os produtos e serviços e monetizar a base de clientes, a Dotz apostou em iniciativas como Super App e crédito – como intermediadora de outros parceiros, como financeiras e Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs). Já a Techfin passou a representar 25% do faturamento total da empresa no terceiro trimestre deste ano, contra uma participação de 14% no mesmo período em 2022. “Isso demonstra que a Dotz tem se tornado cada vez mais robusta e mantém todos os pilares integrados (Coalizão, Marketplace, Super App e Techfin)”, afirma Chade.
No entanto, ao migrar para a B3, a história de recuperação gradual ainda não foi embutida no papel. No primeiro pregão do mês de dezembro, a ação fechou cotada a R$ 0,99, enquanto no momento do IPO (Oferta Pública Inicial), o papel foi inicialmente negociado a R$ 13,20. Com essa desvalorização, a ação passa a integrar o grupo das chamadas “penny stocks” (quando a cotação está na casa dos centavos). A desvalorização acumulada desde a abertura de capital já alcança mais de 90%.
O desempenho das ações não tem ligação direta com o potencial break even da empresa, mas o CEO da companhia destaca que a “queima de caixa”, que comumente é mal vista no mercado, deve ser interpretada como “investimentos”, uma vez que a Dotz fez o IPO com o intuito de aumentar o capital e aplicá-lo na nas novas frentes de negócios.
Apesar do encolhimento, Chade lembra que a base acionária é composta majoritariamente pelos acionistas controladores da Dotz, e que essa base pouco se alterou desde o IPO – Farallon, Ant Group, Softbank e Velt, mantêm-se na companhia.
A Dotz encerrou o terceiro trimestre deste ano com R$ 71 milhões de caixa líquido, um terço do que tinha no mesmo período de 2022, e com aplicações financeiras o caixa total é de R$ 125,4 milhões. Além disso, o resultado líquido foi impactado por uma reestruturação da dívida, que aumentou a despesa financeira, com prejuízo de R$ 18,7 milhões no trimestre, em linha com o trimestre anterior.
Mudança de rota
O recálculo da rota foi adotado pela loja online de móveis Mobly (MBLY3). Na época do IPO (em fevereiro de 2021), a empresa planejava crescer de forma agressiva, porém, passou a notar que a demanda por móveis foi desproporcionalmente aquecida no período da pandemia e, com o afrouxamento da restrições sanitárias, a procura ficou abaixo dos níveis normais do segmento.
“Saímos de um negócio que era puramente crescimento e queima de caixa para tentar focar em margem saudáveis, visando segurar as rédeas enquanto o mercado está depreciado. Com isso, assim que o mercado voltar ao crescimento normal ano contra ano, vamos acelerar o investimento e tentar chegar no break even de lucro líquido”, disse o head de Relações com Investidores (RI) da Mobly, Victor Chunques.
A meta da empresa é ter Ebitda positivo e gerando caixa. Já em relação ao lucro líquido positivo, Chunques acredita que o resultado pode ser alcançado no longo prazo, dentro de quatro a cinco anos.
A TC Investimentos também está na mesma toada. A empresa disse que está dedicada a uma mudança no modelo B2C (negócio entre a empresa e o consumidor final), especialmente na área transacional da TC Investimentos. O segmento transacional envolve a plataforma do TC, que engloba a tanto a possibilidade dos indivíduos investirem nos fundos da TC Pandhora, como também acessarem conteúdos e análises sobre educação financeira.
Para efetivar essa transição, a ordem é reduzir custo, como ajustes na equipe e renegociação de contratos com fornecedores. “Essas ações resultaram em uma economia anual de R$ 60 milhões, aproximando-nos do break even”, afirmou o CEO e Fundador do TC, Pedro Albuquerque Filho.
Segundo ele, as iniciativas de 2023 foram direcionadas para acelerar o processo de alcançar o “ponto de equilíbrio”. “As economias anualizadas em cortes de custos desde o IPO da empresa já excedem R$ 100 milhões”, disse Albuquerque Filho.
O TC abriu capital em julho de 2021 e no terceiro trimestre deste mesmo ano, o lucro líquido ajustado foi de R$ 11,897 milhão, enquanto as despesas operacionais atingiram R$ 20,8 milhões. Já em 2023 e neste mesmo período, a companhia reverteu o lucro e somou prejuízo líquido ajustado de R$ 7,206 milhões, mas reduziu as despesas operacionais para R$ 8,7 milhões.
Reflexo nas ações
Apesar dos resultados da empresa não estarem diretamente atrelados ao desempenho das ações na Bolsa, o economista-chefe da Messem observa que se o investidor passa a não ver o retorno proposto pela companhia no momento do IPO, o mercado passa a aumentar as ordens de vendas.
Dentre os IPOs de 2021, 35 empresas tiveram suas ações desvalorizadas até aqui – 10 nomes desse grupo registraram uma queda superior a 80%. Este foi o caso da Dotz (-92,50%), da Mobly (-88,70%), do TC ([TRAD3] -90,10%) e da Westwing (-89,10%). Essa última companhia abriu capital registrando um prejuízo de R$ 16,677 milhões. Reduziu as perdas no terceiro trimestre deste ano, mas ainda reporta resultado negativo, de R$ 14,644 milhões.
Segundo a Westwing, as principais iniciativas de ganhos de eficiência e melhoria de rentabilidade foram executadas durante o último trimestre, com foco na reestruturação de despesas em geral, sublocação de parte do centro de distribuição e início de fechamento de lojas deficitárias. “O break even é uma meta almejada dentro da Westwing”, afirma a analista de branding e Relações Públicas (PR) da Westwing, Bárbara Calabresi. A executiva, porém, não indica quando isso deve acontecer.
Segundo ela, a companhia continua focada em executar os seus pilares estratégicos de ganhar eficiência, preservar caixa e retomar o crescimento do volume bruto de mercadorias (GMV, na sigla em inglês). “Com o objetivo de reforçar o compromisso público de redução de despesas fixas para o quarto trimestre de 2023”, acrescentou Calabresi.