Hoje, o cenário não poderia ser mais diferente. As Bolsas de NY amargam quedas entre 7% e 11%, enquanto o bitcoin, que viveu uma verdadeira euforia ao final de 2024 graças à vitória de Trump, cedeu mais de 16%.
A perspectiva de um mandato mais favorável à desregulamentação, com promessas de uma reserva de criptomoedas na maior economia, além de maior adesão institucional, fizeram a cotação da maior cripto do mercado cravar um novo valor histórico, a US$ 108 mil na reta final de 2024. A nomeação de Paul Atkins ao cargo de presidente da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (U.S. Securities and Exchange Commission, ou SEC, na sigla em inglês) também ajudou a inflamar os ganhos do segmento logo após a eleição de Trump.
“Havia uma expectativa legítima de que as promessas do novo presidente poderiam impulsionar uma alta no preço do bitcoin e das demais criptos, mas o mercado parece ter precificado as notícias um pouco antes da concretização das promessas e acabou enfrentando uma trajetória mais turbulenta do que muitos esperavam”, descreve Ana de Mattos, analista técnica e trader parceira da Ripio.
Não fosse uma valorização de dois dígitos em abril, o desempenho do bitcoin poderia estar ainda pior. No início deste mês, na mínima do ano, a cotação chegou a bater US$ 74 mil. Mattos explica que, ainda que o governo Trump tenha espaço para transformar as promessas pró-cripto em realidade, a euforia dos investidores foi sendo substituída por maior cautela no meio das notícias da guerra comercial. A narrativa de que as criptomoedas eram ativos descorrelacionados dos produtos de investimento tradicional mudou; agora, o mercado não fica imune à volatilidade e sofreu junto com os ativos de risco no meio da guerra comercial americana.
Dólar mais fraco pelo mundo
Dado a agenda mais inflacionária prometida na campanha – e que acabou mesmo saindo do papel –, especialistas projetavam também que o dólar teria tendência de valorização. Mais inflação significaria juros mais altos na maior economia do mundo, atraindo capital estrangeiro para os títulos americanos e fortalecendo a moeda do país. O que ninguém contava, no entanto, era que as políticas de Trump acenderiam um alerta contra os EUA.
O dólar à vista contra o real caiu de R$ 6,18 para os atuais R$ 5,63. Muito disso tem a ver com o exagero do pessimismo do mercado brasileiro, que estressou o mercado de câmbio para além dos fundamentos em dezembro por causa do fiscal. Mas o componente externo também fez preço. Lá fora, o dólar também se desvalorizou frente a outras moedas, especialmente divisas fortes.
Matheus Pizzani, economista da CM Capital, explica que o tarifaço de Trump mudou as projeções do mercado em relação ao ciclo de aperto monetário e cortes de juros por parte do banco central americano, o Federal Reserve (Fed). Antes de as tarifas recíprocas serem apresentadas em abril, predominava a expectativa de que a política comercial como havia sido anunciada poderia elevar a inflação americana, dado o impacto nas importações americanas – um cenário que poderia manter a taxa de juros do país mais alta por mais tempo, fortalecendo a moeda.
No entanto, com as tarifas recíprocas atingindo muitos países com taxas entre 10% a 145%, no caso da China, a preocupação mudou da inflação para a atividade econômica. “O mercado passou a acreditar que existe a possibilidade de uma recessão nos Estados Unidos e que esse ambiente levaria o Fed a adotar uma postura mais propensa a cortar juros para tentar evitar um colapso na atividade econômica”, destaca Pizzani.
E é nessa situação que o governo Trump chega à marca de 100 dias. A expectativa de uma redução de juros nos EUA mais cedo do que o inicialmente esperado está levando o capital financeiro em busca de outros mercados que considere mais rentáveis; incluindo emergentes. “O Brasil é visto hoje como um destino interessante para esses recursos, pois tem uma taxa de juros extremamente elevada e uma economia que é considerada relativamente segura pelos investidores internacionais apesar de todos os ruídos. Isso é boa parte da explicação da apreciação do real”, diz o economista. “Mas é importante ter em mente que isso tudo pode mudar num espaço extremamente curto.”
O grande campeão dos 100 dias de Trump
Bitcoin em queda, bolsas no vermelho e dólar mais fraco. Quanto pior ficavam as incertezas, mais os investidores globais direcionavam o capital ao ativo de proteção mais antigo do mundo: o ouro. A onça-troy, que já vinha em alta forte desde 2024, mas até a virada do ano nunca tinha superado os US$ 2,8 mil, bateu US$ 3,5 mil no dia 22 de abril.
Mario Aguilar De Irmay, estrategista de portfólio sênior na Janus Henderson Investors, explica que as políticas de Trump levaram a um aumento das dúvidas em relação ao papel do dólar no sistema econômico global. Isso porque, se os embargos comerciais via tarifas forem a regra a partir de agora, os países tendem a se organizar em novos acordos comerciais que podem envolver outras moedas. “Obviamente, é impossível prever qual moeda será a vencedora, mas, dada a possibilidade de o dólar perder seu status global, os investidores tendem a diversificar seus portfólios e buscar exposição a outros países, outras regiões e outras moedas. Especialmente metais preciosos”, destaca.
Mas o fator Trump não é o único impulsionando a cotação do ouro. Mauriciano Cavalcante, economista da Ourominas, lembra que o metal já vinha em tendência de valorização forte desde meados de 2024, por causa dos conflitos geopolíticos no leste europeu e no Oriente Médio, além da forte demanda por bancos centrais de países desenvolvidos, especialmente da China, que atuou para aumentar suas reservas do metal em meio às incertezas.
Esse pacote fez a cotação saltar 26,55% em 2024. Agora, com Trump, o valor pode ir mais além. “As projeções são de um movimento maior em busca de novos recordes, com o ouro podendo fechar o ano de 2025 na faixa entre US$ 3,5 mil e US$ 4 mil a onça-troy”, diz Cavalcante.