- Se a indústria de previdência privada já era competitiva pela quantidade de fundos, gestores e taxas disponíveis no mercado, desde que a portabilidade dos planos foi aprovada, a concorrência se acirrou
- Um levantamento feito pela Pluggy, uma fintech de Open Finance, com dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep), mostra que há uma tendência acontecendo neste mercado: investidores estão migrando os recursos de seguradoras tradicionais no ramo da previdência para plataformas de investimento que, até então, não tinham esse tipo de investimento como seu core business
- Conversamos com as seguradoras que mais ganharam e as que mais perderam recursos desde 2022; especialistas explicam que a modalidade integra estratégias para atingir a principalidade dos clientes
Se a indústria de previdência privada já era competitiva pela quantidade de fundos, gestores e taxas disponíveis no mercado, desde que a portabilidade dos planos foi aprovada, a concorrência se acirrou. A modalidade permite a migração dos recursos já investidos de uma instituição para outra atrás de taxas, condições e rentabilidades mais vantajosas, sem a necessidade de fazer um resgate. E alguns players têm saído na frente nessa disputa pelo capital do investidor.
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Um levantamento feito pela Pluggy, uma fintech de Open Finance, com dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep), mostra que há uma tendência acontecendo neste mercado: investidores estão migrando os recursos de seguradoras tradicionais no ramo da previdência para plataformas de investimento que, até então, não tinham esse tipo de investimento como a atividade central do negócio.
Entre janeiro de 2022 e junho de 2024, XP, BTG Pactual e Itaú receberam, juntas, R$ 41 bilhões dos R$ 41,78 bilhões dos ganhos em portabilidade na previdência privada. Na ponta negativa, Brasilprev, Bradesco Vida e Previdência, Icatu, Caixa Vida e Previdência e Zurich Santander reúnem 92,96% das perdas de volume.
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Victor Urano Braga, cofundador da Pluggy, explica que, ainda que o estudo não se atenha às condições oferecidas por cada uma das instituições, os dados levantados indicam como a portabilidade está desempenhando uma função importante na composição do patrimônio investido em previdência das casas. Muito provavelmente, pela diferença de abordagem e relacionamento com o cliente das plataformas de investimento.
“As originadoras tradicionais, como Brasilprev, Bradesco e Icatu, têm um tipo de relacionamento mais conveniente para criar um novo produto de previdência; os bancos, por exemplo, têm a figura do gerente que ensina o cliente a poupar, apresenta os benefícios”, destaca Braga. “Mas, depois de um tempo, se esse investidor começa a ter um perfil mais ativo do ponto de vista de melhorar a rentabilidade, ele passa a ter um relacionamento com corretoras, como XP e BTG.”
A portabilidade dos investimentos é relevante, especialmente no contexto da previdência, por se tratar de um ativo de longuíssimo prazo. Mudanças na rentabilidade ou no custo de determinado produto podem fazer muita diferença lá na frente, quando o investidor começar a receber a renda na aposentadoria, por exemplo.
Mesmo naquelas instituições que estão sofrendo com a portabilidade, o montante de reais investidos também está crescendo. O que as seguradoras estão vendo diminuir, na realidade, é a fatia de mercado que dominam; o chamado market share. Um sinal de como a possibilidade de transferir os recursos investidos tem acirrado a concorrência entre os players do mercado.
Os dados da Pluggy mostram que, para alguns dos maiores fundos de pensão, as perdas com a portabilidade representam fatias muito pequenas de seus patrimônios totais. Para BrasilPrev e Bradesco, por exemplo, os montantes perdidos com a saída de clientes correspondem apenas a 3,4% e 3,3% dos valores sob gestão, ainda que as duas instituições sejam as que mais perderam desde 2022.
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“É uma perda que se dilui no crescimento, porque continuam gerando novos investimentos no produto. Mas, comparativamente, estão ficando para trás”, destaca Braga.
Quem está ganhando e quem está perdendo na previdência
O estudo da Pluggy mostra que a XP foi quem mais ganhou volume de previdência privada via portabilidade, capturando 43,48% dos recursos movimentados desde 2022. A evolução do share da corretora foi mais elevada entre 2022 e 2023, arrefecendo em 2024.
Para Amâncio Paladino, head da XP Vida e Previdência, a casa tem conseguido liderar as portabilidades nos últimos anos devido à diversidade de produtos oferecidos na plataforma. Atualmente, a instituição possui cerca de 300 ativos de previdência. “O cliente pode fazer aplicações de previdência via cartão de crédito e acompanhar a rentabilidade do plano junto com a carteira de investimentos dele. Qualidade do aplicativo, a capilaridade do modelo de assessoria, incluindo as frentes B2B e B2C; é a conjunção desses fatores”, destaca.
Logo atrás, está o BTG, que recebeu 32,31% do volume transacionado, com um ritmo mais acentuado especialmente em 2024. Gabriel Escabin, head de Vida e Previdência do BTG Pactual, atribui esse movimento a fatores semelhantes: a tecnologia da plataforma, a prateleira com cerca de 120 fundos de previdência e a forma de se comunicar com os clientes.
“Lá atrás, esses ativos eram tratados como uma caixinha segregada. Havia o portfólio de investimento e os seguros, oferecidos por instituições financeiras voltadas para aquele determinado produto”, explica Escabin. “Mas com uma evolução contínua da carteira de produtos, junto aos investimentos em tecnologia que fizemos ao longo dos últimos anos, não segregamos a previdência dos nossos clientes, queremos ver o portfólio deles globalmente”.
E é este último ponto que dialoga bem com as conclusões da Pluggy sobre as transações no mercado: a previdência tem sido encarada como um produto que compõe o portfólio de investimentos como um todo, não uma estratégia a parte voltada apenas para seguros. O que pode explicar os movimentos dos investidores de transferirem seus recursos para corretoras de investimento onde já possuem outros tipos de ativos. Além de capturar market share, o que estas instituições estão ganhando é a principalidade dos clientes.
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O Itaú se atentou a essa tendência. Entre 2022 e 2023, o banco estava entre os players que perdiam recursos investidos em previdência via portabilidade. Mas, desde então, vem conseguindo reverter o movimento negativo. No período analisado pela Pluggy, a instituição capturou 22,33% dos ganhos de portabilidade.
“No fundo, isso se trata de adquirir a principalidade do cliente, que é um objetivo que o banco tem na área de investimentos”, afirma Rogério Calabria, superintendente de produtos de investimento do Itaú Unibanco.
Ele destaca que a virada de chave acontece na esteira da expansão do portfólio de produtos, que hoje conta com cerca de 180 opções voltadas à previdência, mas também da forma como a assessoria constrói o relacionamento com os clientes. “Isso é importante para o cliente não abandonar o banco quando achar que tem um produto melhor para ele na concorrência. Quando falamos de portabilidade, isso ajuda muito, porque às vezes é até o mesmo ativo, mas o investidor tem que preferir o nosso ecossistema, a nossa experiência digital, a nossa capacidade de prestar assessoria etc.”
Mas essa pode não ser a única dinâmica por trás das movimentações desse mercado. Henrique Diniz, diretor de produtos de previdência da Icatu, a 3ª instituição que mais perdeu com portabilidades em previdência, destaca que o período de tempo analisado pela Pluggy é pequeno, dado a característica de longo prazo desse tipo de investimento. E coincide com um outro recorte: uma das piores janelas temporais dos fundos de ações e multimercados, tópico que abordamos nesta outra reportagem.
Diniz explica que a carteira da Icatu é formada por um perfil de investidor que busca mais diversificação dos produtos e dos investimentos. E, exatamente nessa janela analisada, essas estratégias mais arrojadas sofreram maior volatilidade devido às variações de juros no cenário macroeconômico. “Isso naturalmente fez com que o investidor reposicionasse a sua carteira, buscando desde opções dentro da seguradora, como também em outras instituições. E é natural que, ao reavaliar a sua alocação, ele eventualmente mude. Por sermos uma seguradora independente, estamos plugados a diferentes canais, e alguns deles têm suas próprias seguradoras.”
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A Icatu é uma das maiores seguradoras independentes do País, com cerca de R$ 55 bilhões em reserva e 150 fundos de previdência. Mas foi responsável por 17,30% da diminuição total do volume via portabilidade entre 2022 e 2024, atrás do Bradesco (24,08%) e do Brasilprev (34,07%). “No final das contas, a portabilidade é um benefício para o participante final. O que a gente tenta na estratégia é buscar mais diversificação e clientes novos, porque o potencial do mercado é muito maior do que ele é hoje”, destaca Diniz.
Como funciona a portabilidade da previdência
Especialistas são unânimes em dizer que a portabilidade de previdência privada tem um beneficiário principal: o investidor. Isso porque permite que ele faça a transferência dos recursos investidos, seja para um outro plano dentro da mesma instituição, a chamada portabilidade interna, ou para uma seguradora diferente, a portabilidade externa, sem precisar pagar nenhum imposto ou resgatar os valores aportados.
Leia também: Qual é a vantagem tributária da previdência privada nas heranças hoje?
Independentemente do tipo de transferência, no entanto, a modalidade do plano deve continuar a mesma. Não é possível fazer a portabilidade de um VGBL para um PGBL ou vice-versa.
“A portabilidade na previdência é um direito do consumidor e já era uma prática existente neste tipo de investimento. Contudo, para cada caso, existem regras de carência que são assinadas no momento da contratação”, destaca Renata Coutinho, diretora de Previdência na Evertec + Sinqia.
Mas a possibilidade de transferir os recursos para outro plano ou instituição precisa ser avaliada com cautela, considerando o retorno prometido, mas também a taxa de administração, confiabilidade da instituição e regras de cálculos do saldo e de aposentadoria. “É preciso avaliar os custos dos fundos que ele investiu e dos fundos para os quais ele vai portabilizar os seus investimentos, além de observar se a estratégia do fundo escolhido corresponde ao que o investidor busca”, afirma Victor Oliveira, head da Grão Investimentos.
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A portabilidade faz sentido, segundo os especialistas, no caso daqueles investidores que tenham recursos alocados em produtos não tão vantajosos assim; que tenham taxas elevadas para estratégias simples ou não ofereçam a renda futura desejada dentro do planejamento, por exemplo. A orientação é fazer uma simulação do resultado final do investimento. Assim, é possível avaliar se aquele outro ativo oferece um resultado de longo prazo mais alinhado ao objetivo da carteira.