Este ambiente mais positivo faz o investidor ponderar se é hora de sair um pouco da renda fixa e começar a prestar atenção na Bolsa, uma alternativa que se mostrou frustrante nos últimos anos. Especialistas ouvidos pelo E-Investidor apontam quatro sinais que podem mostrar que chegou a hora de dar uma nova chance à renda variável.
Além do possível fim do ciclo de alta e da entrada dos estrangeiros, há um contexto de ativos muito descontados, o que dá um potencial de bons lucros para quem aposta ainda em um cenário de incertezas, que poderá ser impulsionado pelas eleições de 2026. Veja o que dizem os especialistas sobre esses pontos:
Fim do ciclo de alta da Selic
Daniel Gewehr, estrategista-chefe do Itaú BBA, diz que seu time projeta queda de 2 pontos percentuais na Selic até 2026, quando chegará a 12,75%. “Vemos o movimento como positivo para o mercado de ações, tanto do ponto de vista das empresas (ao reduzir a taxa de desconto e aliviar o custo da dívida das empresas) quanto pelo custo de oportunidade mais baixo para os investidores, motivando diversificação além da renda fixa”, afirma.
Por outro lado, Gewehr fala que a maior participação do investidor local (financial deepening) só se consolidará com Selic abaixo de 12% – um horizonte ainda distante -, já que os fundos de pensão só mudam a alocação estrutural quando a renda fixa deixa de entregar o famoso “1% ao mês”.
Raphael Figueredo, estrategista de ações da XP, diz que historicamente, em fases de transição de regime – quando a curva futura de juros começa a cair, mesmo com inflação resistente, como agora -, a Bolsa tende a se valorizar, “com 62% de acerto e ganho real anualizado de 7,5%”. Esse padrão, somado ao forte desconto do Ibovespa, diz o especialista, reforça a tese de alta no longo prazo. “É o momento para compras progressivas e seletivas, priorizando papéis de altíssima qualidade. Não recomendo uma entrada agressiva.”
O movimento de valorização mais amplo da Bolsa, no entanto, só deve ganhar força quando o juro real começar a ceder, reforça Felipe Moura, sócio e analista da Finacap. Hoje, os títulos atrelados à inflação (Tesouro IPCA + / NTN-B) ainda pagam juros historicamente altos acima de 7%. “Muitos investidores ainda preferem travar retornos altos, reais e isentos (de IR), na renda fixa”, avalia. Ele vê um quadro semelhante a 2016, quando a alocação dos fundos em ações era de apenas 8% e chegou a dobrar nos anos seguintes, impulsionando a Bolsa. Isso revela um potencial significativo de retomada à medida que o juro real recua.
Matheus Spiess, analista da Empiricus Research, destaca que o mercado já começou a precificar o fim do ciclo de aperto monetário, mesmo com a possibilidade de um último ajuste na Selic, para 15% em junho.
Rotação de portfólios globais
A valorização da Bolsa este ano se deu pela entrada de mais de R$ 20 bilhões vindos de fora. Esse fluxo estrangeiro foi estimulado pelo posicionamento comercial protecionista de Donald Trump, que colaborou com a visão de que os investidores globais precisam buscar alternativas aos EUA.
O fluxo natural de recursos passou para a Europa, “em especial para o setor de defesa”, diz Matheus Spiess, e até para a China, com o evento do DeepSeek Day mostrando que o país asiático é um concorrente de peso na corrida tecnológica pela inteligência artificial. Outra parte do dinheiro veio para os emergentes. “E dentro desse pool, o Brasil, quase que por exclusão, acaba sendo atrativo”, diz o analista da Empiricus, sugerindo que a vantagem brasileira acontece não por méritos próprios, mas pela falta de alternativas melhores.
“Desde o início da nova administração nos EUA, vimos um movimento de dólar fraco no mundo e saída de recursos da bolsa americana”, reforça Daniel Gewehr do Itaú BBA. Ele menciona uma pesquisa do banco com 120 investidores locais e estrangeiros no final de abril, com 80% deles dizendo que o Brasil pode ser um ganhador relativo neste cenário de mudanças no comércio global, com o país podendo expandir suas vias comerciais.
Outra vantagem é que o Brasil é uma economia relativamente fechada e que tem pouca sensibilidade à dinâmica da economia mundial. Cada 1 ponto percentual de queda no crescimento global impacta apenas 0,5 ponto no PIB brasileiro. “Isso torna o Brasil uma alternativa defensiva relativa para investidores estrangeiros em tempos de incerteza global”, avalia Gewehr.
Preços de mercado descontados e espaço para small caps
Países emergentes, a exemplo do Brasil, oferecem maior prêmio de risco e por isso atraem o investidor internacional, explica Felipe Moura da Finacap. “Os portfólios globais começam a migrar agora naturalmente para economias em que você tem o maior retorno esperado”, ressalta.
Na sua visão, a Bolsa está toda descontada, incluindo as grandes empresas como Petrobras (PETR4) e Vale (VALE3). E quando o Ibovespa sobe, as small caps podem ter um ganho relativo maior por serem mais sensíveis à volatilidade do mercado. O contrário também é verdade.
“Naturalmente, as small caps devem ter um ciclo de alta acompanhando o mercado como um todo, mas muito em função do beta, que é mais elevado do que o valuation (preço de mercado) delas. As maiores empresas estão com o valuation muito deprimido.”
Para Spiess da Empiricus, o retorno vale o risco de se começar a investir na Bolsa agora. Comparando com os juros altos dos títulos públicos, há um prêmio extra ainda maior para quem resolve tentar a renda variável. “A Bolsa em dólar ainda está longe da máxima de 2008 e os múltiplos em comparação à média histórica também. A única coisa que andou um pouco foi o equity risk premium, porque os juros estão muito altos.” Na visão dele, a partir do momento que o Brasil ajustar o fiscal, haverá uma enorme correção nos ativos de risco.
Alternância de poder em 2026 no radar
Para o mercado, independente de quem levar a eleição presidencial do ano que vem – governo ou oposição -, terá como missão zero o ajuste fiscal. Apesar de a rejeição ao atual governo, indicada em pesquisas, ser considerada positiva pelos agentes, o tema eleitoral ainda é sensível. Daniel Gewehr preferiu não comentar o assunto e Raphael Figueredo disse que a eleição está distante e há muitas variáveis a serem consideradas até lá. “Acredito que é prematuro posicionar-se visando alternância de poder”.
Felipe Moura reconhece que o mercado tem uma preferência pela vitória da oposição. “Naturalmente, você vê que as reações do mercado são mais positivas diante desse cenário”, diz.
Dos quatro, Matheus Spiess é o mais vocal sobre o tema e diz que este será o grande gatilho para o mercado brasileiro. “Os investidores internacionais sabem disso. Eles estão observando as eleições na América Latina”, diz, lembrando que haverá pleitos no Chile e Colômbia, antes das disputa presidencial brasileira. “Tudo indica que haverá migração de pêndulo político. Há rejeição aos incumbentes e mudança no pêndulo político para algo mais pró mercado, reformista e fiscalista.”
Spiess reconhece que esse possível movimento precisa também de uma organização das forças políticas pró-mercado. “Provavelmente, ao longo do primeiro trimestre do ano que vem, já teremos um desenho melhor para onde as coisas estão indo na formalização de uma candidatura única de oposição.”
Sinal / Especialista |
Daniel Gewehr (Itaú BBA) |
Raphael Figueredo (XP) |
Felipe Moura (Finacap) |
Matheus Spiess (Empiricus) |
1. Fim do ciclo de juros e volta do investidor local |
✅ Sim. Espera queda de 200 bps na Selic até 2026. Avalia que Selic abaixo de 12% será gatilho para entrada mais estrutural de fundos e investidores locais. |
✅ Sim. A mudança de regime monetário é vista como o principal gatilho para retomada da Bolsa. Sugere aportes progressivos em ativos de qualidade. |
✅ Sim. Cita forte compressão na curva nominal e um juro real ainda alto (NTN-B). Assim que o juro real cair, o fluxo para Bolsa tende a acelerar. |
✅ Sim. A percepção de fim do ciclo já está precificada e o mercado começa a discutir cortes. O juro mais baixo impulsiona ativos de risco via taxa de desconto e resultado operacional. |
2. Rotação de portfólios globais pós-Trump favorece Brasil |
✅ Sim. Aponta saída de capital da Bolsa americana e interesse crescente em Brasil como ganhador relativo na nova ordem comercial. |
✅ Sim (com ressalvas). Vê fluxo estrangeiro favorecendo o Brasil, mas como movimento conjuntural. |
✅ Sim. Destaca enfraquecimento da Bolsa americana e proteção industrial nos EUA como gatilhos para migração a emergentes mais atrativos. |
✅ Sim. Brasil se beneficia por exclusão dentro da rotação regional de recursos. A entrada de R$ 20 bi estrangeiros já movimenta o mercado local, dado o esvaziamento do varejo e institucional. |
3. Valuation descontado e potencial das small caps |
✅ Parcial. Reconhece movimento dos gestores para ações locais e valuations atrativos, mas não comenta small caps diretamente. |
✅ Parcial. Destaca desconto do Ibovespa, mas diz que é cedo para apostar em small caps por eleição. |
✅ Parcial. Bolsa como um todo está barata, mas vê volatilidade maior nas small caps. Valorizações virão mais por beta do que por fundamentos específicos. |
✅ Sim. Afirma que, apesar do recorde nominal, Bolsa está muito abaixo do pico em dólar e descontada em múltiplos. Equity risk premium segue atrativo. |
4. Alternância de poder em 2026 como gatilho |
❌ Não aborda o tema. |
❌ Vê como prematuro tratar eleições agora. |
✅ Parcial. Mercado prefere oposição, mas eleição ainda é tema futuro. |
✅ Sim. Enxerga possível virada pró-mercado em 2026 como grande gatilho para Bolsa. Acredita que movimento pode se fortalecer até o 1T26. |