Dólar é a principal moeda de reserva internacional e sua queda recente frente ao real levou a divisa americana ao menor valor dos últimos 14 meses. (Foto: Adobe Stock)
Os recentes dados econômicos dos Estados Unidos aumentaram as expectativas do mercado para o tão aguardado início de corte de juros em setembro, quando ocorre a próxima reunião Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O otimismo influenciou na recente queda do dólar em relação ao real para o seu menor valor dos últimos 14 meses, após recuar X% no acumulado da última semana.
O dado de inflação ao consumidor americano (CPI, na sigla inglês), divulgado na terça-feira passada (12), tem sido o grande responsável por essa contração. Em julho, o indicador econômico subiu 0,2% em comparação ao mês anterior, em linha com as projeções do mercado.
O resultado, somado aos dados fracos do mercado trabalho que foram divulgados no início do mês, reforça a necessidade de mudanças na condução da política monetária do país, que mantém as taxas de juros nos intervalos de 4,25% e 4,5% ao ano.
Por que o dólar está caindo em 2025?
Dado essa perspectiva, os investidoresestrangeiros tendem a buscar alocar seu capital em outros mercados, como o Brasil, cuja as taxas são maiores do que as americanas. O objetivo visa obter lucros com a diferença de juros entre as duas economias. Esse movimento ajuda a enfraquecer o dólar e fortalecer outras moedas, como o real.
Contudo, o atual comportamento da divisa americana não reflete esta situação. Nos últimos meses, os agentes econômicos têm questionado se a moeda estaria perdendo o seu “privilégio” no sistema financeiro global.
Desde o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2025, os mercados vivenciam dias de intensa volatilidade devido às tarifas de importação, promessa de campanha do republicano que supostamente visam reduzir o déficit comercial dos EUA com mais de 90 países.
Os analistas ainda tentam precificar o impacto das medidas sobre a economia americana, enquanto os investidores redirecionam parte do seu capital para outros mercados na tentativa de proteger o seu patrimônio.
E o dólar tem absorvido bem essa dinâmica. Nos meses de janeiro a julho, o índice DXY, que compara a moeda americana contra outras seis divisas fortes, caiu 7,97%. A depreciação, segundo dados da Economatica obtidos pelo E-Investidor, é a maior desde 2017 para igual período. Em relação ao real, o câmbio já recuou mais de 10%.
As tarifas de Donald Trump, presidente dos EUA, contribuíram para a queda do dólar (Foto: Adobe Stock)
Desdolarização avança com China e Brics
Em paralelo, os especialistas acompanham a perda de participação da divisa americana nas reservas internacionais. Em 1999, o dólar respondia por 70% da composição das reservas oficiais dos bancos centrais do mundo. Em 2024, esse porcentual caiu para 57,8%. Os dados são da pesquisa Composição Monetária das Reservas Cambiais Oficiais (Cofer), do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A situação também é acompanhada pelo processo de desglobalização, impulsionada pela pandemia e agravada pelas tensões geopolíticas e pelo tarifaço de Trump. A nova dinâmica força os países a reestruturar as suas cadeias de suprimento e reduzir a dependência pelo dólar em busca de soberania nacional. É o caso da China, que tem promovido o uso do yuan em transações comerciais com parceiros estratégicos.
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Em julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu o uso de uma moeda local como alternativa ao dólar para as transações entre os países membros do BRICS durante encontro no Rio de Janeiro do bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além de outras nações que foram admitidas posteriormente.
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A realidade das contas públicas do governo americano também não tem ajudado na performance do dólar. Nos últimos anos, as agências internacionais de classificação de risco reduziram o rating americano devido ao risco fiscal dos EUA. O rebaixamento mais recente aconteceu no último mês de maio.
Na ocasião, a Moody’s retirou a nota máxima do governo americano, caindo de ‘Aaa’ para ‘Aa1’, devido ao crescimento do déficit orçamentário e à ausência de medidas para reverter o cenário. A perspectiva para o governo americano também foi alterada, saindo de negativa para estável. Veja os detalhes nesta reportagem.
O dólar vai perder a liderança global?
O reinado do dólar ainda está longe do seu fim. Embora os recentes movimentos mostrem uma suposta decadência, Marcelo Cabral, CEO da Stratton Capital, gestora de investimentos voltada para brasileiros, avalia que a atual queda da moeda americana aparenta ser mais um comportamento pontual do que estrutural.
Segundo ele, a depreciação já era esperada pelo governo Trump visto que as tarifas de importação, impostas pela Casa Branca a 69 parceiros comerciais, aumentam a oferta da moeda no mercado.
“Isso acontece porque o preço da moeda é influenciado pelo comportamento da balança comercial. Ou seja, as tarifas buscam reduzir o déficit comercial dos EUA e, naturalmente, há uma correção da moeda”, diz Cabral.
Quanto às preocupações sobre o risco fiscal dos EUA, o especialista observa que as condições das contas públicas do governo americano ainda são melhores do que a de outros países desenvolvidos, como Japão, China e União Europeia. Isso ajuda a sustentar a liderança do dólar como a principal moeda de reserva internacional.
“Outro termômetro do mercado vem da demanda por títulos por títulos americanos. Ela continua igual e não há nenhuma indicação de que esteja reduzindo”, afirma o CEO da Stratton Capital. “O mercado não tem alternativa ao dólar”, acrescenta.
Criptomoedas a favor do dólar
O “status” do dólar é a principal preocupação do atual governo. Contudo, Trump tem buscado alternativas para sustentar a liderança da moeda no sistema financeiro. No dia 18 de julho, o republicano sancionou a Genius Act. Considerada como um marco histórico para o mercado cripto, a lei cria uma série de regras regulatórias para a emissão de stablecoins, criptomoedas atreladas a moedas fiduciárias.
Agora, esses ativos precisam ter uma garantia de reserva com ativos líquidos, como dólares americanos ou títulos do tesouro americano. A regulação da criptomoeda pode elevar a busca pelo dólar à medida que os bancos tradicionais busquem desenvolver as suas próprias stablecoins. Para Cabral, ainda está cedo para estimar o real impacto da medida sobre o câmbio, mas já demonstra um claro compromisso da gestão em manter a relevância do dólar.
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Para a XP, embora a condução das contas públicas americanas estejam distantes do ideal exigido pelos investidores, os outros pilares que sustentam o excepcionalismo americano permanecem intactos, mantendo a força do dólar no mercado internacional.
“Os EUA continuam líderes globais em inovação, especialmente nas frentes de tecnologia, inteligência artificial, biotecnologia e transição energética”, diz a corretora”. “E não há hoje no mundo um mercado de capitais tão profundo, líquido e confiável”.
O que esperar da cotação do dólar nos próximos meses
A expectativa é que o dólar permanece em ritmo de queda nos próximos meses (Foto: Adobe Stock)
O enfraquecimento do dólar frente a outras moedas deve continuar, mas em um ritmo menos intenso em comparação ao do último semestre. Para Felipe Sales, economista-chefe do C6 Bank, isso deve acontecer por dois motivos: corte de juros dos EUA e o risco Brasil. Juntos, os dois fatores devem manter o câmbio próximo da estabilidade.
“A dívida local continua subindo e o problema fiscal precisa ser solucionado, algo que ainda não temos. Isso leva o real a se enfraquecer frente ao dólar. Ou seja, temos dois fatores indo na direção contrária”, diz Sales, que projeta um câmbio de R$ 5,50 em 2025.
Marcelo Bacelar, gestor de portfólio da Azimut Brasil Wealth Management, também enxerga um desempenho lateralizado do dólar nos próximos meses em função do fluxo do capital estrangeiro para economias com juros mais elevados do que a dos EUA.
Contudo, ele ressalta que tais projeções podem sofrer mudanças relevantes devido às tensões diplomáticas entre os Estados Unidos e Brasil deflagradas pelas taxas de importação de 50% sobre os itens que saem daqui rumo à maior economia do mundo.
Segundo ele, a crise diplomática entre os dois países adicionou um risco que, dificilmente, os investidores conseguem precificar a sua magnitude. “Há um risco de uma sanção mais pesada vir a público nas próximas semanas. Não sei dizer o que seria, mas há essa possibilidade”, diz Bacelar.
O receio do especialista se deve à insatisfação de Trump com a relação comercial do Brasil com a Rússia e com os desdobramentos do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, réu no processo da trama golpista, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Vale investir em dólar agora?
O cenário, aparentemente estável e com riscos ainda desconhecidos, não retira a importância de destinar parte do patrimônio em ativos dolarizados. Isso porque os títulos soberanos dos EUA continuam com rentabilidades acima de 4% em moeda forte e ainda atuam na diversificação de portfólio.
A estratégia ainda protege o capital do “risco Brasil” que, segundo William Castro Alvez, estrategista chefe da Avenue, poderá pressionar o mercado de câmbio nos próximos meses, especialmente com a proximidade das eleições presidenciais de 2026.
“Momentos de queda do dólar são sempre uma oportunidade de dolarizar parte da carteira. E olhando para a frente, tenho minhas dúvidas se os fundamentos da economia brasileira sustentam uma valorização do real”, avalia o estrategista chefe da Avenue.
Já o nível de exposição vai depender do perfil de risco de cada investidor. Bruno Shahini, especialista em investimentos da Nomad, diz que o método mais conservador consiste em fazer aportes periódicos (mensais, semanais ou trimestrais) para obter um preço médio do dólar.
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“O mais aconselhável é definir previamente a fatia do patrimônio que será destinada ao exterior e seguir fielmente o plano, sem se preocupar excessivamente com oscilações pontuais na cotação do dólar“, orienta Sahini.