O fim de 2025 foi marcado pelo movimento de empresas que anteciparam o pagamento de dividendos para evitar a nova cobrança de Imposto de Renda prevista para 2026.
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O fim de 2025 foi marcado pelo movimento de empresas que anteciparam o pagamento de dividendos para evitar a nova cobrança de Imposto de Renda prevista para 2026.
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De um lado, algumas empresas — principalmente fora do Ibovespa — aproveitaram para “engordar” a distribuição de lucros após movimentos pontuais de vendas de ativos e reestruturações societárias.
“Esses casos explicam dividend yields acima de 30% em alguns papéis, mas, na maior parte do tempo, refletem eventos pontuais, difíceis de repetir ano após ano”, observa Ricardo Trevisan, CEO da Gravus Capital.
Por outro lado, as maiores pagadoras de proventos que fazem parte do principal índice da Bolsa, na média, seguiram o receituário padrão esperado pelas “vacas leiteiras“, com dividendos sustentados por geração recorrente de caixa e por modelos de negócio maduros, típicos de setores como energia, telecom, seguradoras e instituições financeiras.
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Mas há exceções, e a primeira delas é justamente a líder do ranking: a Cyrela (CYRE3), incorporadora focada em empreendimentos residenciais, encabeçou a lista com dividend yield de 22,4% em 2025. Foi seguida mais de longe por BB Seguridade (BBSE3), Itaúsa (ITSA4), Bradesco (BBDC4), Cemig (CMIG4), ISA Energia (ISAE4) e TIM (TIMS3), todas com retornos de dois dígitos.
“São empresas que operam em setores intensivos em ativos reais ou em negócios com forte componente de receitas recorrentes”, explica Trevisan, da Gravus Capital.
Bruno Corano, CEO da Corano Capital, reforça que rendimentos de dividendos acima de 15% já são atípicos e, quando ultrapassam 20%, entram no território do extraordinário. Ele lembra que esses picos costumam resultar de eventos únicos e também devem servir de alerta ao investidor que busca renda recorrente. “Dividendos muito altos geralmente indicam distorção, não oportunidade”, comenta. Veja como identificar armadilhas nesta matéria.
Em muitos casos, o yield pode ser inflado artificialmente por uma queda acentuada no preço da ação. Isso pode levar o investidor menos experiente a conclusões equivocadas sobre a qualidade e a sustentabilidade do pagamento. “Com a queda do preço, o denominador do cálculo cria um aumento artificial na distribuição de dividendos.”
A Marfrig (MBRF3), indústria de proteína animal, que está no top 5 com dividend yield de 16,5% no ano, é um exemplo de empresa que não costuma aparecer entre as tradicionais pagadoras de dividendos. Mesmo avaliando positivamente a gestão da Marfrig, Corano aredita que a distribuição generosa de 2025 não deverá se repetir.
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“O que acontece em geral é que, quando a distribuição é tão grande, é porque as políticas prévias estabelecidas [pela empresa] não contemplavam tamanho ganho”, diz. Em outras palavras, ele acredita que a gestão da Marfrig não esperava uma sobra tão expressiva de caixa e teve que manter o payout (percentual do lucro distribuído) planejado previamente.
A Marfrig consolidou este ano a integração com a BRF, anunciando a incorporação dessa empresa em maio, num processo concluído em setembro, que resultou na criação da MBRF Global Foods Company. O payout de dividendos foi estabelecido, neste processo, em 25% do lucro líquido ajustado — mínimo estabelecido em estatuto pela Lei das S/A.
Em 12 meses, a companhia acumula um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões e um retorno sobre patrimônio líquido (ROE) de 23%. No ano, as ações da Marfrig (agora MBRF) valorizam quase 30%.
Para Corano, a companhia está surfando um momento muito favorável de alta demanda de seus produtos, além de ter desenvolvido um modelo de gestão eficiente e de crescimento. “É uma combinação de competência com uma dinâmica favorável de mercado”, diz.
Entre os gigantes dos dividendos, quem voltou ao jogo foi o Bradesco, após uma redução de payout diante de um processo de reestruturação. “O banco tipicamente já é um bom pagador de dividendos”, comenta Corano. “Mas a reestruturação do banco está, finalmente, surtindo efeito”. No ano, as ações do Bradesco valorizam quase 70%.
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Diferente da MBRF e da Cyrela, o Bradesco faz parte do grupo tradicional de empresas pagadoras de dividendos, reconhecidas como companhias geradoras de caixa, que, no geral, já concluíram grande parte de seus ciclos de investimento e, por isso, conseguem remunerar o acionista de forma recorrente.
Nesse conjunto, predominam utilities (empresas de serviços públicos) e bancos, que aparecem todos os anos entre os principais pagadores, variando apenas conforme a cotação e o momento de cada companhia. “Trata-se do núcleo estável do mercado de dividendos brasileiro”, diz Isabel Lemos, gestora de renda variável da Fator Administração de Recursos.
Além desse grupo tradicional, Isabel comenta que há o segundo grupo de boas pagadoras, formado por empresas que estão em momentos positivos dos seus negócios, mas que mas que historicamente não se destacavam em dividendos porque estavam concentradas em expansão e desenvolvimento de novos projetos. É o caso das incorporadoras e construtoras que aparecem no ranking deste ano, como Cyrela, Direcional (DIRR3) e Cury (CURY).
“Esses negócios geraram mais caixa à medida que projetos foram entregues e a necessidade de novos aportes diminuiu, o que abriu espaço para distribuições maiores”, afirma a gestora.
“Como os múltiplos ainda estão relativamente baixos, o dividend yield aparece inflado”, completa. Ou seja, não são exatamente empresas estruturalmente voltadas à renda, mas que estão atravessando um ponto do ciclo que favorece o pagamento. Esse impulso, no entanto, não garante sustentação no longo prazo para quem pensa em dividendos.
É importante ter em mente também que as melhores empresas do setor de incorporação souberam “surfar” uma tendência macroeconômica favorável. As construtoras do segmento de baixa renda foram impulsionadas por políticas públicas recentes, como o programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, e iniciativas estaduais também. As regras mais favoráveis ao setor incluem incentivos à construção popular e funding do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Isabel chama atenção ainda para o terceiro grupo, que surge de um movimento específico de 2025, que foi a antecipação ou ampliação de dividendos em resposta à mudança na regra de tributação. A partir de 2026, passa a valer a alíquota gradual de até 10% de Imposto de Renda para contribuintes de alta renda, visando compensar a ampliação da isenção para salários de até R$ 5 mil.
A medida atinge quem ganha acima de R$ 50 mil por mês ou R$ 600 mil por ano e inclui a taxação de lucros e dividendos. “Diversas companhias passaram a estudar a possibilidade de distribuir mais dividendos ainda este ano, antes da nova regra produzir efeitos”, comenta.
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Segundo a gestora, esse tema já vinha sendo discutido há meses dentro das áreas financeiras e jurídicas das empresas, gerando análises sobre como declarar e pagar dividendos adicionais sem ferir limites regulatórios ou comprometer a estrutura de capital.
Na visão dela, companhias muito alavancadas não devem adotar essa estratégia, enquanto aquelas com balanços mais robustos podem optar por antecipar parte dos lucros acumulados. Esse viés extraordinário ajudou a explicar um pouco o movimento atípico no comportamento de distribuição de proventos em 2025.
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