A medida ainda precisa ser aprovada no Congresso, mas, desde que foi apresentada há duas semanas, levanta muitos questionamentos no mercado. Entre eles, se o fim dos produtos incentivados pode gerar um redirecionamento do fluxo que migrou para a renda fixa no último ano vindo de outras classes, como fundos exclusivos, multimercados e ações.
Mas o possível aumento do imposto não deve ser suficiente para afastar o investidor. O motivo principal? A maior taxa Selic desde 2006, diz Marcelo Mello, CEO da SulAmérica Vida, Previdência e Investimentos.
A asset conseguiu aproveitar o bom momento das estratégias em que é especialista e hoje tem cerca de R$ 85 bilhões sob gestão; desses, R$ 38 bi vêm dos fundos de renda fixa e R$ 27 bi do crédito privado. E mantém a aposta nas duas classes, com a sinalização do Banco Central de que este será um ciclo de juros altos por mais tempo.
Na última quarta-feira (18), o BC elevou a taxa de juros em 0,25 ponto percentual para 15% ao ano, surpreendendo parte do mercado que esperava pela manutenção da Selic. No comunicado, a instituição reforçou que o momento exige uma política monetária em “patamar contracionista” por “período bastante prolongado”.
“Essa é a peça-chave de toda a discussão de direcionamento de alocação de capital”, destaca Melo. “A taxa de juros de 15% não motiva esse investidor a buscar estratégias mais arriscadas, mesmo com uma alíquota diferente de imposto. Esse movimento aconteceria se o início do afrouxamento monetário estivesse ali na esquina, mas está só em 2026.”
E-Investidor – Os 15% de juro nominal são um desafio para convencer o investidor a abrir mão do conforto do CDI. Como a SulAmérica está dividindo a estratégia de renda fixa nesse contexto de juros ‘higher for longer’?
Marcelo Mello – A peça-chave de toda a discussão de direcionamento de alocação de capital, do ponto de vista de política monetária, é justamente essa percepção de que a taxa de juros ficará num patamar elevado por bastante tempo. O mercado acreditava que a redução da Selic já estava à vista em 2025, mas, no ambiente que temos, as projeções indicam uma queda só a partir de 2026. Esse é o principal gatilho que faz com que os investidores não se sintam tão motivados a fazer uma antecipação de movimento, indo para estratégias mais arriscadas.
Em termos de alocação, nesse patamar de Selic, acreditamos que ainda faz sentido ter a maior parte da posição em pós-fixados, mas com o juro real que o Brasil paga hoje, na casa de 7,5% ao ano, faz sentido também o investidor ter uma posição em NTN-Bs. O pré-fixado, para vencimentos mais curtos, está sendo negociado a um patamar que traz um prêmio interessante para o investidor. Bolsa, neste momento, não estamos recomendando uma participação estrutural porque não vemos um gatilho que possa levar fluxo de recursos para renda variável.
O crédito privado liderou o boom de captação da renda fixa visto no ano passado. A classe continua em evidência em 2025? Como calibrar a gestão em um contexto de spreads comprimidos e maior risco de crédito, dado o elevado patamar de juros?
A SulAmérica tem uma vantagem competitiva interessante, porque somos uma casa de high grade. Só alocamos em empresas de altíssima qualidade, que acessam o mercado de capitais, têm boa geração de caixa e baixa alavancagem. A gente não entra no high yield e, nesse momento em que o juro está em um patamar mais restritivo, somos beneficiados por essa disciplina e cuidado, porque o investidor também começa a ficar mais preocupado com as empresas alavancadas.
Mas tem um ponto adicional para o segundo semestre que são as duas MPs em discussão. Precisam da vontade do Congresso em deliberar o assunto, mas, se avançarem, podem gerar uma corrida adicional para esses ativos em 2025, dado que as medidas passam a valer a partir de 2026. O investidor pode querer se antecipar e garantir essa isenção no estoque este ano, o que levaria a um fechamento adicional de spreads, também nos ativos high grade. É preciso ficar muito atento com a evolução dessas discussões, porque isso fará preço.
Uma parte importante desse boom de crédito veio do fluxo de investidores que migrou dos fundos exclusivos, após a cobrança de come-cotas na classe, em busca de ativos isentos. Agora, esses produtos que tanto atraíram os investidores podem ser cobrados de IR. Isso pode criar um novo movimento de redirecionamento de fluxo a partir de 2026? Se sim, para onde o dinheiro vai?
É muito cedo para chegar a alguma conclusão. Tem vários efeitos colaterais, dependendo como essas propostas vão caminhar no Congresso; e são duas. A MP que cria alíquota mínima de 10% sobre a renda exclui os investimentos isentos, como as LCAs, as LCIs, as debêntures incentivadas. A outra MP é a que tributa em 5% os ativos incentivados. Se essa segunda for aprovada, da forma como está escrito o texto, os ativos incentivados que estavam liberados da primeira MP vão acabar fazendo parte do cálculo, porque deixaram de ser isentos. Se isso acontecer, a alíquota que hoje é zero não vai ser 5%; no limite, será 10%. Aí sim podemos ter um movimento de realocação, mas dentro da própria renda fixa. E não para multimercados ou ações, porque são categorias totalmente diferentes, que ainda não se recuperaram e precisam de fluxo.
O governo também avançou sobre os planos VGBL, que agora terão 5% de IOF sobre aportes mensais acima de R$ 50 mil. Há um receio de que isso afaste o público de alta renda da indústria?
Se for aprovado dessa forma, não é só o público de alta renda que a medida impacta. Porque estamos falando de aportes – no primeiro texto o limite era R$ 50 mil, agora R$ 300 mil em 2025, depois R$ 600 mil a partir de 2026 por seguradora. Imagine um investidor que quer ter uma reserva no futuro e, para isso, venda um carro e faça um aporte esporádico no VGBL com esse valor. Ele será taxado como alta renda.
Se essa medida passar, teremos sim uma redução de fluxo para os VGBL, que hoje representam 90% do mercado. É uma preocupação para a indústria. O governo está mirando o lado errado e dá um desincentivo para investimento de longo prazo e constituição de aposentadoria complementar ao INSS, o que ajuda o próprio governo. E, nesse caso específico, acredito que o efeito arrecadatório vai ser nulo, porque o investidor vai simplesmente deixar de fazer os aportes.