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Usuários do Coinbase perdem mais de US$ 100 mil em criptomoedas

Plataforma de criptomoedas vai abrir capital enquanto enfrenta queixas dos clientes

Usuários do Coinbase perdem mais de US$ 100 mil em criptomoedas
O app da Coinbase, a bolsa de criptomoedas dos Estados Unidos (Foto: Tiffany Hagler-Geard/Bloomberg)
  • Dezenas de usuários do Coinbase de todo o mundo que afirmam ter tido suas contas saqueadas por hackers ou que foram bloqueados de suas poupanças de toda a vida sem aviso nem razão aparente
  • Enquanto o Coinbase se prepara para abrir capital nas próximas semanas, consolidando seu status de maior empreendimento de criptomoedas do mundo, as experiências desses usuários demonstram como a empresa enfrenta problemas para resolver reclamações básicas no serviço ao cliente
  • Nenhuma grande empresa de criptomoedas abriu o capital ainda, e alguns investidores especulam que o Coinbase poderia ser avaliado em até US$ 100 bilhões

(Kellen Browning/The New York Times) – Michael Pierre estava em seu apartamento no Brooklyn, Nova York, em meados do ano passado, quando recebeu uma mensagem de texto em seu iPhone, vinda de um número desconhecido, e logo depois ficou sem cobertura. Preocupado com a possibilidade de seu telefone ser hackeado, ele rapidamente checou seu aplicativo mais valioso: o Coinbase, uma casa de câmbio de criptomoedas onde ele guarda US$ 100 mil em moedas digitais.

Pierre não conseguia acessar sua conta. Em pânico, enviou um e-mail ao Coinbase pedindo ajuda. A empresa lhe disse, posteriormente, que um “assaltante” tinha resetado sua senha e esvaziado sua conta. Pierre afirmou que ficou chocado, porque esperava que os mecanismos de segurança do Coinbase detectassem atividades suspeitas e impedissem o roubo.

“Eu estava pensando em me aposentar, na família, em ter o dinheiro guardado para alguma emergência”, disse ele. “E em dois minutos isso me foi tirado.”

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Pierre, 47 anos, advogado que já trabalhou para o Coinbase, começou a pedir aos ex-colegas que investigassem o incidente e o compensassem pela perda das criptomoedas, que poderiam valer mais de US$ 400 mil atualmente. Ele disse que obteve pouca ajuda. Então, em janeiro, abriu um processo contra o Coinbase, acusando a empresa de ser negligente em relação a medidas de segurança e fracassar em proteger seu dinheiro.

Sua história serve de alerta. Mas Pierre é apenas mais um entre dezenas de usuários do Coinbase de todo o mundo que afirmam ter tido suas contas saqueadas por hackers ou que foram bloqueados de suas poupanças de toda a vida sem aviso nem razão aparente — e que a empresa fracassou em detectar os crimes e faz pouco para ajudar. Enquanto o Coinbase se prepara para abrir capital nas próximas semanas, consolidando seu status de maior empreendimento de criptomoedas do mundo, as experiências desses usuários demonstram como a empresa enfrenta problemas para resolver reclamações básicas no serviço ao cliente.

Isso levanta dúvidas a respeito do Coinbase em um momento crucial. Nenhuma grande empresa de criptomoedas abriu o capital ainda, e alguns investidores especulam que o Coinbase poderia ser avaliado em até US$ 100 bilhões. Sua entrada no mercado poderia também revelar em que grau as criptomoedas aumentaram de popularidade durante a pandemia. O preço do bitcoin, a criptomoeda mais conhecida, tem batido recordes desde novembro.

A abertura de capital do Coinbase é “seminal” para o setor das criptomoedas, afirmou David Silver, advogado que representa investidores em moedas digitais. Mas ele acrescentou que, se a empresa quiser ser “o Goldman Sachs das criptomoedas, precisa manter a qualidade do seu serviço de atendimento ao cliente”.

Em um comunicado, Casper Sorensen, vice-presidente para experiência do cliente do Coinbase, afirmou que a empresa está enfrentando as dificuldades de “uma criptoeconomia que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, que, combinada com um substancial aumento na demanda, criou uma gama singular de desafios relativos à experiência do cliente”. Para tratar desses problemas, a empresa afirmou que contratou 2 mil funcionários para assistência ao cliente nos meses recentes e diminuiu o tempo de espera por atendimento.

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O Coinbase acrescentou que nunca foi hackeado. A empresa afirmou que 0,004% de seus usuários tiveram “contas invadidas” no ano passado, por alguém que invadiu seus dispositivos e assim obteve acesso às suas contas no Coinbase. A empresa afirmou que orientou seus usuários a respeito de como manter suas contas seguras.

O Coinbase se recusou a comentar casos específicos ou em litígio.

Em comparação a bancos e dinheiro comum, moedas digitais e mercados financeiros carregam um maior grau de risco. Ao contrário do dinheiro transferido por meio de um banco, bitcoins podem ser negociados instantaneamente, e as transações não podem ser revertidas e, frequentemente, nem mesmo rastreadas até algum indivíduo, o que facilita roubos. Muitas leis que protegem o dinheiro das pessoas e exigem que os bancos mantenham mecanismos rígidos de segurança não se aplicam às moedas digitais.

O Coinbase foi fundado em 2012 pelo atual diretor-executivo, Brian Armstrong, e outros. Naquele momento, o bitcoin e outras criptomoedas tinham acabado de surgir como uma maneira de descentralizar as finanças ao permitir que as pessoas movimentassem dinheiro entre si por todo o planeta sem precisar de um banco.

Mas negociar bitcoins sem a ajuda de uma instituição revelou-se complicado. Então, Armstrong criou o Coinbase como uma “casa de câmbio” — essencialmente um local em que as pessoas podem comprar, vender e transferir criptomoedas por meio do que ficou conhecido como carteira digital. A empresa cobra uma taxa cada vez que um cliente realiza uma transação.

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Atualmente, o Coinbase possui 43 milhões de usuários, de acordo com o prospecto de sua abertura de capital. No ano passado, a empresa lucrou US$ 322 milhões e viu sua receita mais que dobrar, para US$1,27 bilhão. Em dezembro, o Coinbase se anunciou seus planos de abertura do capital. E planeja uma direct listing, quando nenhuma ação nova é emitida.

Enquanto foi crescendo, o Coinbase atendeu reclamações de clientes. As queixas se centraram em dois temas principais, de acordo com documentos judiciais e entrevistas com mais de uma dezena de usuários da plataforma, assim como posts em redes sociais e pesquisas com consumidores: a segurança da empresa, que não foi capaz de conter hackers que se infiltraram na contas, e os usuários que simplesmente foram impedidos de acessar suas contas, seja por causa de um problema técnico ou sem nenhuma razão aparente.

O Coinbase raramente impede seus usuários de acessar as contas, afirmou a empresa, mas pode fazer isso caso esteja investigando violações de seus termos de serviço ou atividades suspeitas.

Perder o acesso à conta pode ser muito prejudicial, porque algumas pessoas usam o Coinbase como banco e depositam lá seus pagamentos. As frustrações foram se acumulando porque a empresa frequentemente não responde às solicitações de assistência, afirmam usuários.

As queixas se tornaram tão comuns que um fórum sobre o Coinbase no Reddit foi inundado com pedidos de ajuda de pessoas que não conseguem acessar suas contas. Um usuário do Reddit, que afirmou em um post que vive no Vietnã, deixou dezenas de comentários pedindo ajuda para recuperar sua conta, que, segundo ele, está bloqueada há mais de um ano.

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“Preciso desbloquear minha conta”, afirmou o usuário do Reddit, que se identifica como kuromodzz. “Por favor, respondam aos meus e-mails e me apresentem soluções. Não posso perder meu dinheiro!”

Gonçalo Maia, 24 anos, webdesigner de Lisboa, Portugal, afirmou ter sido bloqueado de sua conta no Coinbase, na qual mantém cerca de 27 mil euros, ou US$ 32 mil, em janeiro. Em resposta, ele organizou um grupo a respeito do Coinbase na plataforma de mensagens Discord. O grupo atraiu mais de 300 participantes, muitos dos quais lamentam que não conseguem acessar suas contas no Coinbase. Muitos dizem que, após terem sido bloqueados, não conseguem pagar por comida e aluguel.

“Eles estão prejudicando as pessoas”, afirmou Maia, acrescentando que muita gente se sente “desesperançada”.

Após o The New York Times questionar o Coinbase a respeito da conta de Maia, ele recebeu um e-mail da empresa afirmando que violou seus termos de serviço e não seria mais autorizado a usar a plataforma. Maia afirmou não saber o que fez de errado. Mas acrescentou que ficou feliz pelo Coinbase ter permitido que ele sacasse seu dinheiro antes de bani-lo de vez.

Christine Duhaime, especialista em crimes financeiros, afirmou que o Coinbase e outros câmbios de criptomoedas deveriam ser obrigados a agir da mesma maneira que os grandes bancos, que precisam de motivações judiciais para congelar ativos e são obrigados a investigar rapidamente roubos ou desaparecimentos de fundos. A abertura de capital do Coinbase, afirmou ela, poderia ser um passo na direção de alinhar o mundo das criptomoedas às leis que regem as instituições financeiras tradicionais.

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“O Coinbase, ao abrir o capital e se sujeitar a um maior escrutínio regulatório, está saindo à luz, onde há — ou haverá — maior visibilidade e tranquilidade”, afirmou ela.

Uma das características mais decepcionantes do Coinbase, afirmam alguns usuários, é que a empresa parece não tratar das reclamações por meio de pessoas reais.

“Não tem ninguém do outro lado”, afirmou Cheryl Hung, consultora de marketing de Los Angeles.

O Coinbase afirmou que agentes reais de ajuda ao cliente respondem às queixas.

Para a maioria dos usuários do Coinbase, recursos judiciais também são limitados. Segundo os termos de serviço da empresa, os usuários concordam em resolver disputas por meio de arbitragem privada ou tribunais de pequenas causas, em vez de abrir alguma ação civil pública.

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Tradução de Augusto Calil

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