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Venda a descoberto: vale a pena operar apostando na queda das ações?

Especialistas explicam os riscos da operação conhecida como short, que lucra com a desvalorização dos ativos

Venda a descoberto: vale a pena operar apostando na queda das ações?
(Foto: Envato)
  • A venda a descoberto, como também é conhecida, funciona como um aluguel de ações, onde o investidor vende um ativo que não tem, na esperança de recomprá-lo por um preço menor – e lucrar com essa diferença
  • Os analistas explicam que, embora seja um mercado em crescimento, a operação de venda a descoberto não é tão “trivial” quanto a compra de ativos, e, por isso, exige alguns cuidados a mais por parte do investidor
  • Eduardo Rahal, analista CNPI-T da Inside, explica que, frente à recente entrada de capital estrangeiro na B3, apostar em uma desvalorização dos ativos listados no Ibovespa é ir na contramão do fluxo de capital. E “contra fluxo não há argumentos”, destaca

Comprar ações e esperar que os ativos se valorizem não é a única estratégia de investimento do mercado financeiro, embora seja a mais tradicional. Em 2016, as telas do cinema popularizaram a história de um grupo de empresários dos Estados Unidos que decidiu apostar contra a bolsa de ações americana, conseguindo lucrar milhões de dólares durante o crash na crise financeira de 2008.

O filme “A Grande Aposta”, ganhador do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado naquele ano, é um dos exemplos mais famosos de uma “jogada” cada vez mais comum entre investidores: o short. A venda a descoberto, como também é conhecida, funciona como um aluguel de ações, onde o investidor vende um ativo que não tem, na esperança de recomprá-lo por um preço menor – e lucrar com essa diferença.

Matheus Spiess, analista da Empiricus, explica que no mercado existem sempre forças compradoras e vendedoras. E que as vendedoras não estão necessariamente se desfazendo apenas dos papéis que possuem. A operação de short é um desses movimentos, quando o investidor se desfaz de um papel alugado, apostando na queda do valor do ativo.

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Spiess exemplifica: “Você vai a mercado e vende a R$ 30 o ativo que alugou, apostando na queda. Vamos supor que você acerte e o papel vá para R$ 25. Você recompra o ativo nesse valor e embolsa a diferença de R$ 5. Esse é o short”.

Yves Salomão, operador de aluguel e opções (BTC) da Genial, destaca que essa operação também pode ser vantajosa para os donos dos ativos, que podem rentabilizar suas posições sem precisar abrir mão do domínio daquelas ações. “Vejo com muito bons olhos a possibilidade do cliente que visa o longo prazo remunerar em cima da carteira que ele tem disponível. Disponibilizando os ativos para o aluguel, ele ganha uma taxa remunerativa em cima de um papel que ele tem parado na carteira”, afirma.

As taxas a que se refere Salomão são cobradas pelas corretoras dos investidores na contratação daquele aluguel. Viviane Vieira, operadora de renda variável da B.Side Investimentos, explica que, antes de operar vendido, é preciso conferir a disponibilidade dos papéis e as taxas de aluguel cobradas na operação.

“É preciso falar com a corretora, ver se aquele ativo está disponível para você conseguir fazer esse tipo de operação”, diz. O valor das taxas vai depender do cenário, se está mais ou menos atrativo para o aluguel naquele momento. “Oferta e demanda. Se você tem uma demanda muito grande por short em qualquer papel, a taxa de aluguel fica bem mais cara. Você vai ter que pagar esse prêmio pra conseguir ficar vendido”, explica.

Vieira reforça ainda que o investidor interessado em entrar numa posição de short precisa avaliar a empresa e o momento daquele setor no mercado. “Tem oportunidade sim de short no mercado, muitas vezes até com um retorno muito maior do que algum potencial de alta. É preciso ficar atento ao valuation e ao cenário macroeconômico como um todo, mas dá pra operar vendido e ter retornos bem expressivos”, diz.

‘Shortear’ exige maior cuidado

Os analistas explicam que, embora seja um mercado em crescimento, a operação de venda a descoberto não é tão “trivial” quanto a compra de ativos, e, por isso, exige alguns cuidados a mais por parte do investidor.

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“É uma operação viável para o varejo, só tem que tomar um cuidado adicional, sempre com cuidado e nunca isolado. A gente nunca recomenda o short isoladamente. Normalmente ele é feito dentro de uma lógica de carteira, com uma posição balanceada em outras ações, para ser um negócio equilibrado, não ser muito arriscado”, diz Spiess, da Empiricus.

O risco principal da operação, na visão dos analistas, é alugar um ativo apostando na queda e o papel acabar se valorizando. Ao contrário da compra de ações onde a perda máxima do investidor é a totalidade do valor investido, no short, não há um limite para a desvalorização.

“Quando você compra uma ação, ela pode ir a zero, pode ir a alguns centavos, mas você nunca vai ficar devendo. A perda é limitada ao valor que você investiu. Na operação de short o contrário acontece”, explica o analista da Empiricus.

Vieira, da B.Side, explica que a B3 coloca determinadas exigências para proteger o sistema financeiro em caso de perdas excessivas. “O risco é o papel ter uma valorização muito forte e você ter que recomprar ele por um preço muito maior. Você precisa ter garantias, margem dentro da sua conta para conseguir fazer esse tipo de operação”, diz.

A chamada de margem é uma garantia financeira exigida pela bolsa brasileira em operações que envolvem risco, com o objetivo de manter o bom funcionamento do mercado. Para garantir a segurança do investimento, as corretoras também têm alguns mecanismos para evitar calamidades muito grandes. É possível fazer uma operação de short com garantia, por exemplo. Nesse caso, se a perda for muito grande e o investidor não conseguir pagar, o ativo negociado como garantia fica para a corretora.

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A analista da B.Side afirma que existem ferramentas para o investidor fazer uma operação casada de compra e venda de diferentes ativos, que permita lucrar com a queda de um papel específico, mas com um risco mais controlado. “Quando você está short em algum papel, você recebe um dinheiro porque vendeu aquele ativo. A ideia é colocar esse dinheiro que você recebeu em outro papel que vai te dar uma performance melhor. Assim, na hora de recomprar o ativo que está sendo operado em short, o investidor ganha nas duas pontas”, explica Vieira.

Para Yves Salomão, da Genial, o índice de força relativa, que mede o volume do ativo, pode ser um norteador da trajetória do papel no curto prazo, e, assim, ajudar o investidor a se posicionar em short. “Se o volume do ativo estiver trabalhando acima da média, é um número a se considerar para uma possível tendência de alta. Agora, se o volume do ativo começar a baixar, é possível que o papel venha a realizar nos próximos dias”, afirma.

A realização faz com que determinado ativo tenha uma queda no curto prazo, o que pode abrir uma brecha para ‘shortear’ aquele papel. Salomão destaca ainda a importância de prestar atenção na liquidez dos papéis antes de alugá-los. Quanto menor a liquidez, maior é a chance daquele ativo sofrer com grandes mudanças em um curto período de tempo e, consequentemente, acionar travas de segurança da operação.

Momento certo?

O Ibovespa iniciou o ano de 2022 revertendo parte das quedas sofridas no último ano: somente em janeiro, a Bolsa de Valores brasileira acumulou alta de 6,98%. Embora os papéis ainda estejam muito descontados, até aqui, o índice conseguiu se descolar dos resultados ruins das bolsas americanas e dá esperanças ao mercado de que este ano seja mais positivo para as ações do que o passado.

Por causa disso, o momento pode não ser o ideal para ‘shortear’. Eduardo Rahal, analista CNPI-T da Inside, explica que, frente à recente entrada de capital estrangeiro na B3, apostar em uma desvalorização dos ativos listados no Ibovespa é ir na contramão do fluxo de capital. E “contra fluxo não há argumentos”, destaca.

Analista da B.Side, Viviane Vieira concorda que não dá para apostar todas as fichas na queda da bolsa. “Claro que alguns papéis ainda tem potencial para ter uma queda maior, mas acho que o grande boom de desvalorização das ações, principalmente daquelas que estavam com um preço muito esticado, já aconteceu”, afirma.

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Atualmente, a B3 está negociando ao redor de 6,16 vezes na relação de preço sobre lucro (P/L), muito abaixo da média histórica dos últimos 10 anos, cerca de 11,5x. Em comparação aos principais pares ao redor do mundo, as ações estão baratas, explica Eduardo Rahal, da Inside.

“Não me parece assimétrica a abertura de posições short nesse momento, uma vez que a bolsa continua negociando a múltiplos bastante atrativos. Entretanto, acredito que a abertura de operações short pode fazer algum sentido para fins de hedge, proteção de carteira como um todo, em determinados momentos específicos de maior volatilidade de mercado”, diz.

Embora o cenário pareça ser mais positivo para a compra de ações, Salomão, analista da Genial, lembra que tratando-se de Brasil, “um País extremamente volátil”, podem surgir oportunidades de venda a descoberto durante o ano. “Esse ano a gente tem uma perspectiva de aumento de volume de posição no aluguel muito em função do período eleitoral. O setor pode ser o que mais está performando, mas se acontece algum ruído político ou fiscal que chame atenção, o papel sofre junto. Isso é muito levado em consideração quando alguém quer ‘shortear’ um ativo”, explica.

Oportunidades além do cenário macro

Embora os indicativos do cenário macroeconômico sejam fundamentais para a tomada de decisão do investidor, outros fatores podem ser levados em consideração no mercado de aluguéis. Mesmo que o Ibovespa siga em alta, movimentos pontuais de determinadas empresas podem abrir brechas para o investidor vender a descoberto.

“Existe um movimento de clientes que buscam esses determinados ativos, de empresas que podem ter andado muito nos últimos dias ou meses, para poder shortear”, afirma Salomão. O analista da Inside explica que, nesses casos, os investidores começam a procurar os ativos enxergando uma possível realização: “É uma oportunidade de entrar vendido e buscar uma rentabilidade em cima dessa normalização, dessa queda do ativo no curto prazo”.

Spiess, da Empiricus, destaca que existem alguns gatilhos que podem levar os ativos a uma desvalorização adicional. “A ação pode estar com um valuation muito discrepante da realidade, ou existir indícios de inconsistências contábeis dentro do balanço, ou algum problema estrutural no mercado de atuação dessa companhia”, afirma.

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Esses argumentos são o que sustenta a recomendação da casa de investimentos de short em ações do Nubank. Na visão da Empiricus, o valor atual dos papéis do roxinho não se sustenta no longo prazo – o que poderia ser uma oportunidade para operar vendido nos ativos.

“Na nossa concepção, apesar de ser uma boa instituição, o valuation para o momento está errado. Ele não se sustenta em um ambiente que taxa de juros mais elevadas, principalmente porque a empresa foi listada nos Estados Unidos e as coisas lá fora andam muito juntas quando tem um ambiente macro tão sensível a política monetária como é o que a gente vê agora”, explica Spiess.

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