O primeiro caso investigado pela CVM está relacionado à administração do fundo BB Progressivo II, criado para locar imóveis para o Banco do Brasil. Entre 2021 e 2022, mais de 300 investidores do produto apresentaram reclamações ao órgão regulador sobre operações de contrato de locação de imóveis do banco, que eram classificados como “contratos atípicos“, ou seja, cujas cláusulas são consideradas inegociáveis. Ainda assim, a Tivio anunciou que negociaria a renovação antecipada do contratos – um acordo que foi fechado sem a aprovação do cotistas e resultou na redução dos dividendos pagos por pelo menos 18 meses. No total, a CVM calculou um prejuízo de R$ 100 milhões aos 65 mil investidores, somente entre junho de 2021 e novembro de 2022.
Por outro lado, a renegociação dos contratos favoreceu o Banco do Brasil, que alugava os imóveis e também era um dos controladores do Banco Votorantim, conglomerado ao qual a Tivio Capital pertencia. Ou seja, o BB estava nos dois lados da negociação, conforme apontou a CVM. “Sendo que o regulamento do BB Progressivo II, determinaria que a administradora não poderia realizar operações quando houvesse situação de conflito de interesses entre o fundo e a Tivio Capital“, diz a CVM, no relatório sobre o caso. Além disso, em um segundo contrato, o aluguel do Edifício Sede II, que funcionaria como sede do BB, foi estendido de 2018 para 2027 e a Tivio, além de não aplicar o reajuste anual previsto em contrato, teria dado desconto de 24% no valor da locação por um suposto benefício pela extensão do acordo. “Ou seja, a Tivio Capital teria concedido desconto para que tudo continuasse como já era previsto”, diz a autarquia.
Procurado, o BB afirmou que “as negociações conduzidas pelo Banco do Brasil, com o objetivo de atualizar os valores de locação, são realizadas com base em laudo elaborado em conformidade com a norma técnica brasileira pertinente ao tema – NBR 14.653, a lei do Inquilinato e disposições contidas em cada contrato de locação.”
Segundo manifestações enviadas à CVM por Robert John Van Dijk e Alexandre Luiz Zimath, diretores responsáveis pelo fundo, todas as renovações foram ajustadas no “melhor interesse do fundo, para preservar um fluxo de caixa duradouro, robusto e de alta qualidade de crédito em favor dos cotistas”. Isto porque em 2021, após a pandemia do Covid-19 e a adoção do home office, o BB sinalizou que adotaria medidas para redimensionar sua estrutura. Por isso, a iniciativa por alongamento dos contratos de locação pela administradora. Para o regulador, apesar dos argumentos, a Tivio estava em conflito de interesses e deveria ter submetido as propostas de negociação à aprovação dos cotistas, por meio de assembleia.
A Tivio também era investigada por irregularidades relacionadas à administração de outros dois fundos imobiliários, o BB Renda Corporativa Fundo de Investimento Imobiliário (BB RC), também de locação de imóveis para o Banco do Brasil, e o BII BTS. No caso do BB RC, a investigação começou a partir de alegações de investidores sobre falhas na gestão e na divulgação de informações sobre o FII. Em junho de 2021, as demonstrações financeiras do fundo não foram aprovadas em assembleia de cotistas, então a Tivio convocou uma nova reunião para nova análise e aprovação das contas, que foi marcada para dezembro de 2021. Entretanto, os canais de contato fornecidos pela empresa aos cotistas, como e-mail e telefone, não estariam funcionando. Além disso, o BB RC havia construído um imóvel 2012 e 2016 para ser alugado ao Banco do Brasil, mas que não havia obtido o “Habite-se”, documento que autoriza o início da utilização do imóvel. A não obtenção do documento estaria ligado à falta de interesse do BB em instalar uma agência no local e pagar o aluguel ao fundo.
“O imóvel teria sido construído e pago com o dinheiro dos cotistas do fundo, que não receberam aluguel por longo tempo, e que agora precisariam aguardar uma nova destinação do imóvel, arcando com prejuízos do investimento mal administrado”, diz a CVM.
Já no caso do BII BTS, teriam ocorrido atrasos e erros na prestação de contas e na disponibilização de informações aos cotistas em relação às demonstrações financeiras de 2018 e 2019, que apresentaram valores incompatíveis com as contas e com a falta de geração de receita do fundo, motivos pelos quais os relatórios foram reprovados por cotistas. Fora as falhas na disponibilização dos dados financeiros, teria ocorrido atraso na entrega das gravações das Assembleias Gerais Ordinárias (AGO) realizadas em julho de 2020 e março de 2021, bem como a adulteração das atas dessas reuniões. Por exemplo, a ata da AGO de julho de 2020 que foi enviada à CVM teria informações adicionais à ata que foi lida e aprovada pelos cotistas na assembleia. A Tivio também teria cobrado uma taxa de administração de R$ 2 milhões em 2018, embora tenha sido definido em assembleia de que esse montante seria de aproximadamente R$ 570 mil, entre outras irregularidades relativas a falta de transparência e envio de informações requeridas pelos investidores.
Em defesa, a Tivio ressaltou que as inclusões feitas na ata enviada à CVM não alterariam o conteúdo aprovado pelos cotistas, e que o atraso na deliberação sobre as DFs de 2018 e 2019 ocorreu devido a erros cometidos pelo auditor independente, que geraram reapresentação dos números de 2018. A pandemia de Covid-19 também é um fator citado pela administradora para os atrasos. Agora, com a assinatura do “termo de compromisso” entre a Tivio e a CVM – nome dado ao acordo oficial firmado entre um acusado de infrações no mercado financeiro e a autarquia para encerrar investigações antes do julgamento e sem assunção de culpa – a administradora pagará a multa milionária pelas supostas irregularidades. Em troca, a CVM encerra os processos que poderiam resultar na condenação (ou absolvição) da Tivio.
Tivio e Banco BV respondem ao E-Investidor:
Em nota ao E-Investidor, a Tivio informa:
“Os processos sujeitos ao Termo de Compromisso e que tramitavam na CVM dizem respeito a operações realizadas há pelo menos quatro anos, enquanto, na época, a então denominada BV Asset ainda era uma subsidiária integral do Banco BV e estava sob a gestão de outra equipe e administradores. A Tivio Capital, hoje controlada pelo Banco Bradesco, é resultante de uma parceria estratégica entre o Banco BV e o Banco Bradesco, concluída em fevereiro de 2023. Com nova estratégia de atuação distinta da antiga gestora, a Tivio Capital passou a concentrar esforços exclusivamente na gestão de fundos de investimentos, deixando de atuar na administração fiduciária, por exemplo. Portanto, ainda que houvesse fundamento nas acusações, as práticas de atuação anteriores que geraram os questionamentos não mais integram o escopo de atuação da Tivio Capital.”
Também em nota, o banco BV “informa que a Tivio Capital, gestora investida em parceria com o Bradesco, enquanto administradora e gestora dos fundos FII BBPO (TVRI11), FII BII BTS e FII BBRC (“Fundos”), apresentou, à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), uma proposta de termo de compromisso no âmbito de determinados processos administrativos relativos aos fundos, que dizem respeito a operações realizadas antes da parceria firmada com o Bradesco (época na qual se denominava BV Asset, e estava sob a gestãi de outros administradores). A proposta de termo de compromisso foi aceita pela CVM em 13/05 e não representa assunção ou confissão de culpa por parte do BV ou da Tivio Capital em relação a nenhum dos fatos contidos nesses processos. O BV reforça seu compromisso com a transparência e conformidade regulatória.”