Procurada, a Ambipar não quis comentar sobre o tema. A reportagem também tentou entrar em contato com a Trustee, gestora envolvida no caso, por meio de três endereços de e-mail, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
Ao E-Investidor, a CVM explicou que possui um prazo de 15 dias úteis, contados a partir do protocolo do recurso, para emitir um parecer. Esse cronograma está previsto na Resolução CVM 46 e determina que, dentro desse período, a área técnica do regulador deve decidir entre alterar a decisão, acolhendo o recurso, ou encaminhar o caso ao colegiado da autarquia – sua instância máxima, formada pelo presidente da CVM e quatro diretores.
Como o recurso foi protocolado em 30 de abril, o prazo para análise se encerrou na última sexta-feira (23). Até agora, porém, a CVM não publicou nenhum ofício sobre o caso nem explicou o motivo da não divulgação e, por isso, a expectativa tomou conta dos investidores da AMBP3.
O último comunicado da Ambipar sobre a OPA – processo em que grupo de acionistas propõe a compra das ações de uma empresa listada na Bolsa – ocorreu em 7 de maio, quando informou ao mercado que o prazo para registro da oferta havia sido suspenso. “A companhia manterá seus acionistas e o mercado em geral informados sobre o assunto, na forma da legislação e regulamentação aplicáveis”, informa o comunicado.
Em março, a empresa de soluções ambientais afirmou que “recebeu com surpresa” o comunicado divulgado pela CVM sobre a OPA. “A Ambipar, bem como seu controlador, Tercio Borlenghi Junior, atua em total conformidade com a legislação vigente e com as normas regulatórias estabelecidas para o mercado. A empresa buscará as devidas informações para tomar as providências cabíveis junto a esse órgão de controle”, disse na época.
Nesta quinta-feira (29), a empresa informou que seu Conselho de Administração aprovou uma proposta de reorganização societária envolvendo a companhia, a Environmental ESG Participações, a Ambipar Response Brasil Participações e outras sociedades integrantes do grupo econômico da Ambipar.
Serão emitidas 10.052.445 ações de emissão da empresa, representativas de 5,68% do seu capital social, as quais serão atribuídas aos sócios fundadores, que trocarão sua participação minoritária nas sociedades pelos papéis. Além das ações já mencionadas, os sócios fundadores receberão o montante de R$ 215,9 milhões em moeda corrente nacional, pagos em três anos.
Entenda o caso da Ambipar que foi parar na CVM
Em 20 de março, a Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE) da CVM determinou que a Trustee realizasse uma OPA por aumento de participação na Ambipar. De acordo com a área técnica do regulador, a gestora teria atuado em conjunto com o controlador da empresa de soluções ambientais nas compras de ações realizadas entre julho e agosto de 2024, ultrapassando o limite de 1/3 de papéis em circulação.
Quando o acionista supera esse limite de aquisição estabelecido, a liquidez dos papéis de uma companhia corre riscos, por isso a exigência da OPA – explicamos os detalhes nesta matéria. Por meio desse tipo de oferta, o interessado se compromete a comprar uma quantidade específica de ações da empresa, seguindo condições, preço e prazo definidos em edital.
No caso da Ambipar, a CVM determinou que o pedido de registro da Oferta deveria ser apresentado em até 30 dias, encerrados em 21 de abril. Posteriormente, no entanto, o regulador ampliou esse período até 7 de maio. Quando o prazo chegava ao fim, o órgão recebeu os recursos das partes envolvidas, tendo até a última sexta-feira (23) para analisá-los.
O que pode acontecer com a Ambipar?
Arthur Longo Ferreira, sócio das áreas de Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais do Henneberg, Ferreira e Linard Advogados, explica que a análise dos recursos demonstra que o caso está sendo tratado com atenção pela CVM, diante da sua complexidade e do possível impacto no mercado financeiro. “A partir de agora, é razoável esperar que o processo siga para deliberação do colegiado da CVM, o que costuma ocorrer em situações com maior repercussão jurídica”, afirma. Ele ressalta, porém, que não há um prazo fixo para que esse julgamento aconteça.
Segundo André Camara, sócio da área societária do escritório Benício Advogados, uma decisão final poderá ocorrer dentro de semanas ou meses, conforme a complexidade do caso e a agenda da CVM. O especialista explica ainda que os próximos passos podem levar a diferentes cenários.
Se o regulador mantiver a exigência da OPA, a Trustee deverá seguir com o procedimento de registro. Outra possibilidade é a autorização de uma mudança nas condições da oferta, com eventuais adaptações quanto a preço, abrangência ou destinatários. “Pode ocorrer ainda a dispensa da OPA, total ou parcialmente”, indica Camara.
De acordo com o advogado, as partes interessadas também têm a possibilidade de provocar uma eventual judicialização do caso, especialmente se houver entendimento de que houve falha no exercício do poder regulatório. “Outra consequência envolve um impacto reputacional e econômico para a companhia e para o mercado, com repercussões sobre a liquidez das ações, a percepção dos investidores e a estabilidade do bloco de controle”, afirma.
Como ficam os investidores?
Fábio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), afirma que notificação da CVM sobre a OPA não é trivial e pode ser lida de forma positiva. “Em muitos casos, os investidores têm a sensação de que situações de aumento de controle ocorrem de forma velada em empresas, sendo difícil investigar. Agora, o regulador mostra que está atento ao mercado”, avalia.
Coelho explica que, quando uma tomada de controle ocorre sem a devida transparência, os investidores podem ser prejudicados e ter seus direitos comprometidos. “Isso porque a legislação, buscando proteger os acionistas, impõe exigências regulatórias às atuações dos controladores. Ou seja, se um controlador começa a aumentar sua participação acionária, pode atingir um porcentual que, por regra, exige a realização de uma oferta pública”, alerta.
O presidente da Amec, que conhece apenas os elementos que foram divulgados pela CVM sobre o caso, pondera que a notificação da autoridade do mercado sobre a possibilidade de OPA na Ambipar busca proteger o investidor. “Por outro lado, uma eventual demora na conclusão do processo e a incerteza quanto à realização ou não de uma oferta pública de aquisição podem gerar efeitos colaterais. Por exemplo, um investidor que, por razões próprias, desejaria sair da companhia pode acabar postergando essa decisão, à espera de como os desdobramentos afetarão o preço das ações – para melhor ou para pior. Esse cenário, portanto, aumenta o grau de incerteza no mercado.”
Em sua opinião, quanto antes esse assunto for resolvido, melhor será para a companhia e para os investidores, eliminando um fator de insegurança e permitindo que os acionistas sigam com maior clareza.
O que os números financeiros da Ambipar dizem?
Para Heitor Maximiano, Sales de Renda Variável da InvestSmart XP, apesar desse ambiente institucional conturbado, a Ambipar apresentou números operacionais fortes no primeiro trimestre de 2025. A companhia reportou receita líquida recorde de R$ 1,74 bilhão, alta anual de 37,3%. Já o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) foi de R$ 552 milhões, acima do consenso do mercado.
“Um ponto que chama atenção é a quase ausência de cobertura ativa por parte de analistas, com o papel sob revisão por quase todas as casas. Isso reforça a percepção de que, apesar da força operacional, o cenário regulatório e societário precisa ser resolvido para que o mercado possa retomar uma leitura mais clara e construtiva sobre o ativo”, afirma.
Como mostramos nesta matéria, diferentes bancos “abandonaram” a análise da Ambipar no segundo semestre de 2024 após as ações saltarem na Bolsa de Valores brasileira. Na época, Bank of America (BofA), Itaú BBA e XP Investimentos colocaram o papel sob revisão. Quem seguiu um caminho contrário em 2025 foi o UBS BB, que iniciou a cobertura dos papéis em abril, com recomendação neutra e preço-alvo de R$ 120.
Outras casas que acompanham AMBP3 são Bradesco BBI e Ágora Investimentos. Após a notificação da CVM sobre a possibilidade de OPA, os analistas Victor Mizusaki, do BBI, e Ricardo França, da Ágora, chegaram a divulgar uma nota sobre o tema. “Se assumirmos que a Trustee precisaria lançar uma oferta pública com base em seu preço médio de aquisição, com base nos dados da Bloomberg, o preço da oferta seria de R$ 38,48 por ação AMBP3, bem abaixo do preço atual das ações de cerca de R$ 122, o que não é atraente”, explicaram os analistas, que mantiveram recomendação de venda para os papéis com preço-alvo de R$ 118.
Ações da Ambipar dispararam 730% em 2024
Em 2024, os ativos da Ambipar acumularam ganhos acima de 730%, fazendo a companhia alcançar um valor de mercado próximo a R$ 22,5 bilhões no final do ano, conforme mostramos nesta reportagem. Em 2025, os papéis acumulam uma valorização mais singela, de 3,18%.
O movimento do último ano surpreendeu os analistas do mercado que o atribuíram, em parte, ao CEO da empresa, Tércio Borlenghi Junior, e à Trustee. O aumento na posição desses players na Ambipar gerou, na visão de especialistas, uma movimentação conhecida como short squeeze. Ela ocorre quando investidores com posições vendidas (short) desfazem suas apostas na queda do papel e recompram a ação para zerar a posição. Outros pessoas que estão na mesma situação, ao verem seus pares desistirem das posições, fazem o mesmo, o que eleva a pressão de compra do ativo e faz o preço disparar.