Felipe Sant’Anna, especialista em investimentos do grupo Axia Investing, acredita ser extremamente arriscado investir nas duas aéreas brasileiras neste momento, já que ambas se encontram em situação financeira delicada e continuam captando dinheiro no mercado para fazer frente às dívidas de médio prazo. “Embora os números operacionais não sejam ruins, o financeiro é impossível de ‘fechar’, com receita em reais e despesas em dólar”, destaca.
As companhias do setor são impactadas por diferentes fatores macroeconômicos. Como já mencionado por Sant’Anna, um deles é o câmbio. Um dólar ainda elevado em relação ao real encarece os custos da Azul e da Gol. Outra questão é o patamar alto da Selic, que pressiona o endividamento das empresas. Há também o impacto do petróleo, que mexe diretamente com os preços do querosene de aviação. “Recentemente, houve uma influência mais positiva, com a queda da commodity, mas as companhias ainda são pressionadas por sua alta alavancagem”, afirma Marco Noernberg, head de renda variável da Manchester Investimentos.
A própria situação interna das aéreas preocupa os analistas. “As duas companhias não estão conseguindo pagar as suas dívidas e, como consequência, ambas estão realizando um movimento de conversão de dívidas em novas ações. O grande problema é que, quando uma empresa faz isso, ocorre uma diluição muito grande para os atuais acionistas da companhia”, destaca Angelo Belitardo, gestor da Hike Capital.
Segundo ele, no atual cenário, é praticamente “nula” a probabilidade de ocorrer uma recuperação nos papéis da Azul e da Gol. “Primeiro, precisamos aguardar que essa conversão de dívidas em novas ações termine e que as empresas não tenham mais planos de fazer novas emissões. Só depois disso poderá existir um momento mais propício para comprar as ações dessas companhias e aguardar o ciclo de recuperação”, diz.
Nem mesmo os preços descontados têm servido como estímulo para a compra – os papéis AZUL4 estão cotados a R$ 1,31, enquanto GOLL4 negociam a R$ 0,90. Lucas Uhlig, contribuidor do TC, reflete que, apesar da grande desvalorização dos ativos, não há oportunidades de compra devido ao grande volume de ações convertidas em ambas as companhias. “Como elas não possuem capacidade de pagamento, os arrendadores e credores no geral estão recebendo novas ações em troca desses pagamentos, o que gera uma grande diluição dos acionistas e consequente redução do lucro por ação”, afirma.
Aumento de capital da Gol (GOLL4)
A Gol convocou na sexta-feira (9) uma Assembleia Geral Extraordinária para discutir a proposta de aumento de capital social mediante a capitalização de determinados créditos contra a empresa no montante de, no mínimo, R$ 5,3 bilhões e, no máximo, R$ 19,2 bilhões.
O aumento deve se dar por meio da emissão de, no mínimo, 3,6 bilhões ordinárias e 430,3 bilhões ações preferenciais e, no máximo, 13,1 bilhões de ações ordinárias e 1,550 bilhão de ações preferenciais. O preço de emissão deve ser de R$ 0,0003 por ação ordinária e de R$ 0,01 por ação preferencial.
Segundo a companhia aérea, o aumento de capital está condicionado à confirmação do plano pelo Tribunal do Chapter 11 (recuperação judicial nos Estados Unidos), que deve ocorrer até o final de maio de 2025. O calendário, no entanto, está sujeito a ajustes.
Com a notícia, os papéis da empresa derreteram 25,21% no pregão. “Quanto maior o número de novas ações emitidas, maior a diluição dos acionistas atuais, o que retira – ou reduz – o potencial de valorização para quem investir agora”, ressalta Uhlig, contribuidor do TC.
Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos, explica que a proposta de aumento de capital reflete a necessidade da companhia de reforçar a estrutura financeira diante do atual cenário econômico. Segundo ele, o impacto para os acionistas tende a ser duplo. De um lado, há a diluição da participação. De outro, essas operações podem, se bem sucedidas, fortalecer a posição de caixa das empresas e abrir espaço para uma eventual recuperação.
“O mercado costuma reagir negativamente no curto prazo, mas os efeitos de médio prazo dependerão da execução e do contexto macroeconômico”, diz.
Já Noernberg, da Manchester, enxerga que a reação negativa do mercado vem da percepção de que esse aumento de capital pode não ser suficiente para melhorar a situação financeira da Gol. “Os investidores pensaram que estão sendo bastante diluídos sem grandes perspectivas de retornos no curto e talvez até no médio prazo, o que jogou o preço dos papéis para baixo”, avalia.
Outro ponto importante é o tamanho do aumento de capital, que pode chegar a R$ 19,2 bilhões. “A diluição será tão expressiva que um investidor que antes detinha 20% do capital da Gol poderá ver sua participação reduzida para apenas 0,1%. Após esse processo, os credores receberão ações da companhia, mas quem garante que eles não venderão uma parte significativa desses papéis assim que possível?”, indaga Belitardo, da Hike Capital.
Oferta de ações da Azul (AZUL4)
As ações da Azul amargaram perdas de 54,06% só em abril. No mês, o principal gatilho para essa queda expressiva foi uma oferta subsequente de ações. O follow-on, como essas ofertas são popularmente chamadas, levantou R$ 1,6 bilhão, abaixo do potencial máximo da operação, estimado em R$ 4,1 bilhões.
“A companhia captou no limite inferior do esperado, o que trouxe luz ao problema de resolução das dívidas. A baixa adesão à conversão de dívida e a captação aquém do esperado sinalizam que a aérea não irá atingir seu objetivo principal: desalavancar”, explica Danielle Lopes, sócia e analista da Nord Investimentos.
Para Patzlaff, planejador financeiro, a forte desvalorização das ações da Azul reflete a frustração do mercado com a oferta. “A precificação considerada desfavorável e a percepção de que a operação sinaliza uma situação financeira delicada contribuíram para o movimento negativo. Além disso, a expectativa era de que a oferta atraísse investidores estratégicos ou fundos que pudessem agregar valor à governança ou à operação da companhia, o que não se confirmou”, diz.
Luiz Fernando Araújo, CEO da Finacap, vê um fator extra para a queda dos papéis. “Estamos observando que muitos dos credores da Azul – especialmente os detentores de títulos de dívida – que receberam ações da empresa, estão se desfazendo desses papéis. Isso ocorre, possivelmente, porque o mercado acionário oferece mais liquidez do que o mercado de dívida em que esses títulos eram negociados”, explica.
Balanços do 1º trimestre de 2025
As duas empresas divulgam os balanços do primeiro trimestre nesta semana. A Azul apresenta seus números na quarta-feira (14) antes da abertura do mercado, enquanto a Gol irá liberar os resultados na quinta-feira (15), também antes de o mercado abrir.
Lopes, da Nord, diz que a expectativa é por ligeira melhora de receita para Azul, em função da demanda mais aquecida por viagens. “Para Gol, a expectativa é de prejuízo, em especial pelo alto endividamento e um desempenho operacional inferior à Azul”, ressalta.
Noernberg, da Manchester, concorda que a Azul está um pouco melhor posicionada que a concorrente. “A companhia apresentou um guidance (projeção) ligeiramente mais positivo, com expectativa de crescimento de receita. A Gol, por outro lado, pode até sofrer uma leve retração de receita e ainda deve reportar prejuízos nos próximos trimestres.”
O BTG Pactual, que trouxe projeções para os resultados das duas companhias, estima que a Azul reporte um trimestre favorável. O banco projeta uma receita líquida consolidada de R$ 5,4 bilhões, alta anual de 16%, com Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 1,5 bilhão. O BTG acredita que a empresa deve registrar um prejuízo líquido de R$ 11 milhões, ante R$ 257 milhões no primeiro trimestre de 2024, refletindo o efeito positivo das iniciativas de gestão de passivos sobre as despesas financeiras.
Para a Gol, o banco espera resultados fracos. No lado financeiro, estima uma receita líquida de R$ 5,2 bilhões, crescimento anual de 10%, com Ebitda de R$ 1,6 bilhão. O prejuízo líquido deve ser de R$ 342 milhões, impactado por juros mais altos, embora parcialmente compensado pela variação cambial. “Olhando à frente, recomendamos que os investidores adotem uma postura cautelosa no curto prazo, com atenção voltada para o processo de saída do Chapter”, reforça o BTG.