(Jenne Andrade, Luiz Felipe Simões, Rebeca Soares e Elaine Ortiz) – Em clima de derrota, os principais técnicos da equipe econômica de Paulo Guedes pediram exoneração do cargo na noite da última quinta-feira (21), logo após o fechamento do mercado financeiro.
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O secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e o secretário do Tesouro Nacional, Jefferson Bittencourt, estão entre as principais baixas. Ainda pediram demissão os secretários adjunto e especial adjunto do Tesouro, Rafael Araújo e Gildenora Dantas, além do secretário de petróleo e gás natural do Ministério de Minas e Energia, José Mauro Coelho.
A debandada acontece na esteira da oficialização do furo no teto de gastos, que deve contar com o apoio do ministro da economia. Durante o pregão de ontem, o mercado assistiu atônito às falas de Guedes sobre ter uma ‘licença’ para gastar acima do limite fiscal. O objetivo é viabilizar o Auxílio Brasil, um substituto do Bolsa Família que deve distribuir R$ 400 aos beneficiários – mas que deve ter um prazo de vida bem curto.
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A sinalização sobre o rompimento do teto caiu como uma bomba negativa sobre o Ibovespa. No fechamento de ontem, o índice desabou 2,75% aos 107.735,01 pontos.
Com a popularidade do presidente Jair Bolsonaro em movimento de queda, o novo programa social deve vigorar somente em 2022, ano eleitoral. Esse fato reforçou o caráter populista da proposta e colocou a equipe econômica na posição de simples ‘acessório’ do Governo. A situação, segundo apurado pelo Estadão/Broadcast, tornou o clima insustentável para as figuras mais técnicas dentro do Ministério e justificou o abandono dos cargos.
No total, o rombo no teto de gastos seria de cerca de R$ 30 bilhões. “Não houve concordância na equipe, além de um total descasamento de discursos e medidas”, afirma Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo. “Foi uma discussão interna em que a própria equipe econômica não vê espaço para que a solução seja viável. Mesmo com isso, o Governo toma essa decisão de aumentar o Auxílio Brasil.”
Para Franchini, o recado é claro. “Novos ajustes serão feitos no orçamento, no poder monetário, no auxílio, independentemente da vontade ou ajuda da equipe de economia”, afirma.
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Na visão dos especialistas ouvidos pelo E-Investidor, a instabilidade política se torna cada vez mais inerente à bolsa. “A incerteza sobre o Brasil aumentou brutalmente”, diz William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV. “Isso também afasta os investidores estrangeiros, que gostam de algum risco, mas não de total incerteza. A bolsa brasileira teve um respiro de otimismo nos últimos meses, mas isso vai se reverter.”
Veja o que pensa o mercado sobre a implosão da equipe econômica de Guedes:
William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV
A incerteza sobre o Brasil aumentou brutalmente. Se antes havia um risco fiscal, agora o problema fiscal está patente. Vamos furar o teto constitucional de gastos e sabe-se lá o que virá depois em um ano eleitoral com o presidente com baixa popularidade. Isso afasta os investidores estrangeiros, que gostam de algum risco, mas não de total incerteza. O real deveria estar se valorizando face ao aumento de taxa de juros. Isso não acontece por conta da elevação do risco local. Para os investidores locais, o caminho é buscar ativos menos arriscados. É uma pena, pois a bolsa brasileira teve um respiro de otimismo nos últimos meses, mas isso vai se reverter.
Anderson Meneses, CEO da Alkin Research
Essa preocupação política já é quase inerente à Bolsa. O que muda é que, em alguns momentos ela fica em grau mais elevado. O que aconteceu agora foi um pessimismo muito alto porque o teto de gastos era a última âncora de confiança do investidor.
Uma vez que for quebrada essa última âncora de confiança, o investidor fica desacreditado e começa achar que, se rompeu o teto de gasto agora, isso pode ocorrer novamente. O mercado perdeu a confiança no governo, e também no ministro da economia, que era o seu último alicerce. Isso derruba toda a esperança do investidor, o estrangeiro então que já é um pouco mais reticente que o local, olha toda essa bagunça e acaba se afastando ainda mais.
Fernando Siqueira, gestor da Infinity Asset
O estrago já feito pelo anúncio do Paulo Guedes de que vai insistir em aumentar o Bolsa Família, contornando de alguma forma o arcabouço do teto dos gastos. Essa é a notícia negativa e essa saída das pessoas só mostra que essa é uma medida ruim, que não tinha consenso dentro do Ministério da Fazenda para fazer isso. Algumas pessoas preferem se dissociar desse tipo de política fiscal, deste tipo de política eleitoreira.
Estamos em uma espiral negativa e a confirmação de que entramos nesse movimento foi dada com o anúncio de que o auxílio do governo seria aumentado para R$ 400 reais de um jeito ou de outro. Por conta disso, o mercado está reprecificando tudo e colocando um prêmio de risco cada vez maior nos ativos brasileiros. O mercado está jogando os preços para baixo, que obviamente causa um impacto negativo na atividade, no câmbio, na inflação e gera um aumento de juros e menos crescimento econômico. Essa é uma espiral negativa que a gente entrou. Essa saída do Bruno Funchal e do Jefferson Bittencourt é só mais uma peça dentro desse fluxo negativo de notícias que a gente estamos vivendo na última semana.
Jansen Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimentos
Esse é um sinal de enfraquecimento da equipe econômica, que claramente não compactuou com o que foi proposto pelo time político. Isso significa que há um descompasso entre a equipe econômica e política na qual duas pessoas, ou a quantidade de pessoas que vão sair, não compactuam com aquilo que é proposto.
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Os impactos no mercado são extremamente negativos. Já se pergunta quem será a próxima pessoa que deve sair do governo e isso obviamente aumenta a insegurança do investidor. Ou seja, com a não manutenção do teto de gastos, com a equipe econômica fora do governo e a dificuldade de entender para onde o Brasil vai, os juros vão subir, o dólar vai disparar e a bolsa vai cair. Estamos vivendo o pior cenário e só precisamos ver como serão os desdobramentos após essa saída.
Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo
Dentro do Ministério não houve concordância com a decisão do Planalto e, mais grave do que isso, houve um descasamento de discurso e de medidas. É compreensível quando não há concordância, mas uma medida tem que ser feita trabalhando com as hipóteses disponíveis. Não foi o que aconteceu, pediram para sair porque a discussão interna em que a própria equipe econômica não vê espaço para que essa solução seja viável.
O recado que fica é que vão ser feitos novos ajustes no orçamento, no poder monetário, no auxílio fiscal ou no risco fiscal Brasil, independentemente da vontade ou do auxílio da Economia. Isso é muito ruim porque joga um descrédito para o mercado. O Ministério da Economia não tem uma participação tão efetiva e tão segura nas decisões que são tomadas. Elas são realizadas com um viés populista. Isso, obviamente, não é respeitar a austeridade fiscal, que sempre foi uma bandeira do atual governo.
Consequentemente, é visto um Ministério mais fragilizado, sem tanta confiança, sem poder exercer a sua opinião. Agora, quem garante que o teto de gastos não pode ser quebrado?
O investidor estrangeiro não vai aportar dinheiro, por mais que o Brasil esteja barato. Ele não quer alocar recursos em um país onde possui esses problemas internos e onde falta confiança. Isso também leva o investidor nacional a escolher menos ativos de risco.
Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research
A sinalização para o mercado e para os investidores é que a política econômica mudou. A gente tinha uma política econômica até agora austera, que respeitava o teto de gastos e agora não temos mais, tanto que vimos uma debandada no time econômico. Acho que ficou uma pessoa só na equipe que começou com o Paulo Guedes.
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Nos últimos dias, o investidor estrangeiro tinha entrado na bolsa, mas precisamos ver como vai ficar o fluxo agora. Acho que todo mundo vai repensar suas posições, repensar o que está fazendo, até porque mudou a dinâmica da política econômica que a gente tinha. Agora estamos com uma política econômica eleitoreira, muito parecida com o que tínhamos na época da Dilma Rousseff, inclusive as pessoas que eram competentes do Ministério da Economia saíram também.
Leandro Siqueira, cofundador do Edufinance
O grande perigo do Brasil hoje é entrar um cenário que se chama ‘dominância fiscal’. Isso acontece quando a dívida se torna tão grande que, quando a taxa de juros precisa aumentar, essa dívida se torna ainda mais difícil de pagar. Isso porque os juros sobre ela aumenta e, como a dívida fica maior, os investidores começam a tirar dinheiro do País. E quando eles tiram dinheiro do País, o câmbio aumenta ainda mais, o que faz com que a inflação aumente e a taxa de juros suba. É um ciclo, percebe? É essa lógica que acontece na dominância fiscal.
Qualquer investidor que você conversar vai ter esse mesmo temor hoje. A única solução de escape desse cenário seria sinalizar o respeito ao teto de gastos. Essa era a sinalização que todo mundo queria, mas o que tivemos foi o total contrário.
Essa debandada sinaliza que existem pessoas insatisfeitas lá, que perceberam que, sim, o teto de gastos será quebrado. Se esse teto de gastos for quebrado, elas não querem estar lá porque o navio vai afundar. É como se eles tivessem abandonando o barco para não afundar junto com ele. O maior temor final é que isso sinalize que talvez o Guedes vá embora também.
Nelson Marconi, professor da FGV
A sinalização que esse processo todo passa é muito ruim, pois mostra que o governo jogou o rigor fiscal para o espaço. Isso afeta muito a credibilidade da política econômica e os mercados. Vai haver muita instabilidade daqui para frente, câmbio mais alto, juros subindo na sequência, assim como a inflação.
Marink Martins, estrategista da MyVOL, site de análise internacional
O mercado tem seu próprio timing e muito do que se materializou hoje já vinha sendo antecipado. Não vou me surpreender se, assumindo que o Paulo Guedes permaneça e que o mercado externo se mantenha relativamente estável, o que é uma premissa perigosa, que o mercado encontre um equilíbrio num patamar no qual essa deterioração já foi antecipada.
Há um problema fiscal, mas o Ibovespa já vinha caindo. Temos um câmbio que não é fixo e que também absorveu boa parte do choque. Não estou tão pessimista. Posso estar em relação ao futuro, quanto à perspectiva de longo prazo do Brasil, mas, quanto à Bolsa, acho que se ficar assim é possível que o mercado se acomode neste patamar e pare de piorar. Até porque o receio de uma debandada cessa e agora de fato já ocorreu. O mercado sofre por antecipação e reage muitas vezes de forma surpreendente.
Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos
Ao apontar o dedo e chamar o mercado de ‘nervosinho’ durante a sua live de quinta-feira (21), fica claro que o presidente Jair Bolsonaro não entende como funciona a dinâmica da economia. Isso, além da saída de quatro secretários da equipe do Ministério da Economia, derrete a credibilidade do Governo Federal.
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A situação no comando das contas públicas é crítica porque não se sabe mais o que pode ser feito daqui para frente para que o governo aumente os gastos. Nada garante que o governo gaste mais e passe a boiada. Diante desta instabilidade, veremos mais reação do mercado, fuga de capital, pressão sobre o câmbio, aversão ao risco, inflação e aumento da taxa de juros.
Quanto às projeções de investimentos, a equipe da Guide ainda não elaborou, mas pode-se dizer que o Ibovespa deve fechar o ano entre 108 a 110 mil pontos, se forem mantidas mudanças governamentais até lá.
Gustavo Bertotti, head de renda variável da Messem Investimentos
A discussão é sobre a falta de credibilidade que o governo passa para o mercado sobre o cumprimento dessa ancoragem fiscal que o Brasil tanto precisa. A questão não abrange, apenas, os R$ 30 bilhões que ultrapassariam o teto de gastos para financiar o Auxílio Brasil. Diante da situação de incerteza em relação às ações do governo, o mercado interpreta que o problema é que hoje são R$ 30, mas amanhã pode ser R$ 60 ou R$ 100 bilhões acima do teto.
Quanto ao respeito fiscal, o ministro da Cidadania, João Roma, havia dito que o financiamento do Auxílio Brasil seria feito dentro do teto de gastos, mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, já falou em antecipar a revisão do teto, para criar a licença para gastos. Então não há uma certeza de como vai ficar a política econômica.
O governo teve um compromisso com o mercado em relação às contas públicas, mas tudo o que estamos vendo nesta semana tem colocado isso em xeque. Hoje vemos uma volatilidade muito grande no Ibovespa com essa antecipação do cenário eleitoral.
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