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Edu Lyra: ‘Temos que colocar a favela para dentro do mercado’

O fundador da Gerando Falcões revela o seu lado investidor e como vê o papel do mercado no combate à pobreza

Edu Lyra: ‘Temos que colocar a favela para dentro do mercado’
Edu Lyra, CEO da ONG Gerando Falcões, tem como princípio criar valor e poupar (Foto: Felipe Rau / Estadão)
O que este conteúdo fez por você?
  • Segundo o empreendedor social, sua consciência sobre a importância da gestão financeira ainda muito jovem foi fundamental para o sucesso do seu trabalho atualmente, gerindo doações milionárias para combater a pobreza nas favelas
  • "Desde sempre fui assim, poupei dinheiro para ter uma vida econômica saudável e ter a autoridade e autonomia para lidar com o dinheiro público, que são as doações dentro da Gerando Falcões”, explica Lyra, ao E-Investidor
  • Sobre o que aprendeu no dia a dia com amigos prestigiados, Lyra conta que economizar sempre que possível faz parte da rotina. “Quando o Lemann me liga, nunca é da linha normal, ele sempre liga do WhatsApp, para poupar”, comenta Lyra

“O conceito de poupar dinheiro é o de liberdade”. A afirmação é de Edu Lyra, fundador e CEO da ONG Gerando Falcões. Segundo o empreendedor social, a consciência sobre a importância da gestão financeira ainda muito jovem foi fundamental para o sucesso do seu trabalho como gestor de doações milionárias para combater a pobreza nas favelas.

“Desde que tinha 18 anos, quando fui incluído no mercado formal, eu guardo dinheiro. Se eu ganho R$ 10, vou guardar R$ 1. Desde sempre fui assim, poupei dinheiro para ter uma vida econômica saudável e ter a autoridade e autonomia para lidar com o dinheiro público, que são as doações da Gerando Falcões”, explica Lyra, ao E-Investidor.

Embora a disciplina e o controle financeiro o acompanhem há algum tempo, o líder social revela que a parte técnica da gestão do dinheiro iniciou com a mãe, que guardava os primeiros recursos dele na poupança, e hoje fica integralmente sob a chefia da esposa, uma investidora ‘moderada’, segundo Lyra.

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“Mas eu acompanho (as movimentações de mercado) e sei que durante o auge da pandemia tivemos muitas quedas e perdas do que havíamos poupado durante os nossos oito anos de casamento”, afirma.

Lyra já foi considerado um dos mais influentes jovens empreendedores do País, segundo a revista Forbes de 2014, e eleito pelo Fórum Econômico Mundial um dos 15 jovens brasileiros que podem mudar o mundo. Nas suas andanças pelo meio empresarial, o CEO ganhou a confiança e a amizade de nomes de peso do cenário corporativo nacional e internacional, como o bilionário Jorge Paulo Lemann.

Sobre o que aprendeu no dia a dia com amigos influentes, Lyra conta que economizar sempre que possível faz parte da rotina. “Quando o Lemann me liga, nunca é da linha normal, ele sempre liga do WhatsApp, para poupar”, comenta Lyra.

Quando o assunto é o combate às desigualdades sociais, o empreendedor é taxativo em dizer que o mercado tem papel ‘crucial’ nessa batalha. Segundo ele, os caminhos partem de novos processos de seleção e busca por talentos, que devem ser mais diversos racial e socialmente.

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“Nós temos que colocar a favela e a periferia para dentro (do mercado), para ela também ter acesso aos benefícios do mundo econômico e progressão de vida”, diz Lyra.

Na entrevista ao E-Investidor, o CEO da Gerando Falcões também fala sobre a importância de as pessoas das favelas produzirem e se tornarem referência em conteúdos de investimento, o aumento das disparidades de renda na pandemia, a taxação de grandes fortunas, entre outros assuntos.

E-Investidor – Você é muito conhecido pelo lado empreendedor. O que pode falar sobre o seu lado investidor?

Edu Lyra – Desde que tinha 18 anos, quando fui incluído no mercado formal, eu guardo dinheiro. Se eu ganho R$ 10, vou guardar R$ 1. Desde sempre fui assim, poupei dinheiro para ter uma vida econômica saudável e ter a autoridade e autonomia para lidar com o dinheiro público, que são as doações da Gerando Falcões.

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Então, a forma como eu lido com minha vida é um reflexo de como eu lido com o dinheiro da associação social. Eu acredito muito (na importância) de ter uma boa gestão financeira. Eu e minha esposa somos sócios e fazemos isso juntos, colocamos o dinheiro para trabalhar por nós e não o contrário.

Ao longo desses anos, como você foi aprendendo sobre investimentos? Em que investia?

Lyra – O meu princípio é o de criar valor e de poupar. O meu tempo, conhecimento e a minha atuação social têm que criar valor para o mundo e a sociedade. Uma vez que eu crio valor, vou ser, de alguma forma, remunerado. A segunda coisa é fazer um bom uso dessa remuneração, para ter qualidade de vida para a minha família. A minha cabeça é de fazer uma boa gestão financeira.

A parte técnica disso não é onde eu sou o melhor do mundo. Mas posso dizer que quando eu comecei, quando era solteiro, eu colocava o dinheiro na mão da minha mãe e ela botava na poupança. Depois que eu casei, a minha esposa abriu uma conta em uma instituição do mercado financeiro e, a partir daí, a gente começou a botar algum dinheiro em diferentes tipos de investimentos, seja em algo mais conservador, seja em bolsa de valores, algo mais agressivo.

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Você acompanha as movimentações de mercado? Como se define como investidor?

Lyra – Quem manda no meu dinheiro é a minha esposa, 100%. Eu nem tenho a senha da minha conta. Minha esposa manda integralmente e ela faz uma gestão um pouco mais moderada do nosso investimento.

Mas eu acompanho e sei que durante o auge da pandemia tivemos muitas quedas e perdas do que havíamos poupado durante os nossos oito anos de casamento, poupando mil reais aqui, dois mil ali, como o brasileiro.

Você é próximo de grandes investidores, como o Jorge Paulo Lemann. O que aprendeu com eles sobre investimentos?

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Lyra – Eu convivo com esses meus amigos e vejo como eles lidam com as coisas. Quando o Lemann me liga, nunca é da linha normal, ele sempre liga do WhatsApp, para poupar. Outra coisa que ele sempre me diz é que dinheiro custa que nem unha – se você não cortar, cresce.

Então você tem que ter esses princípios, porque o dinheiro não leva desaforo para casa. Tem que ter responsabilidade ao máximo com o dinheiro, até para o dinheiro não te dominar.

Você tem um compromisso de vida que é acabar com a pobreza nas favelas. Ao longo dessa trajetória, como você vê o papel do mercado financeiro nessa batalha?

Lyra – O mercado tem um papel crucial. Existem empresas que têm um PIB maior do que cidades e países. Elas têm muito poder econômico, político e intelectual acumulado e isso não pode ser negado. Uma vez que o poder econômico e o capital acumulam tanta capacidade de influência, a sociedade precisa evocar isso, para que seja usado para corrigir as desigualdades que existem na nossa sociedade.

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Nós somos, possivelmente, a última geração que está sobre a face da terra que tem a oportunidade de mudar o destino da humanidade sob dois aspectos: social e ambiental. E a questão social, econômica e até de inteligência financeira é um tabu. É um tremendo tabu você ir nas camadas mais populares, em uma favela, e encontrar um morador que tem investimentos, que tem conta em uma instituição financeira.

Quando muitas vezes o dinheiro é inexistente nessas camadas da sociedade.

Lyra – É inexistente, mas o dinheiro não é nosso inimigo. Temos que ter uma abordagem mais inteligente de como criar valor, saber utilizar isso, poupar e fazer investimentos, para que a população mais pobre não fique refém de um político ou de um partido brasileiro.

O conceito de poupar dinheiro é o conceito de liberdade. De você ter liberdade para poder ir e vir, comer, decidir quando vai parar de trabalhar ou se quer continuar trabalhando naquela empresa, dar dignidade para a sua família. Isso vem de uma visão e de uma inteligência financeira.

Há quem veja a bolsa como cassino e quem defenda sua importância para a economia. Qual a sua opinião sobre o capital especulativo?

Lyra – Tudo tem virtudes e defeitos, problemas e oportunidades de reforma. A parte positiva é a economia, a quantidade de recursos que é movimentada, de inovação que recebe investimento, de empreendedores que acessam recursos, de pessoas que são empregadas e de riqueza que é gerada. Mas temos que olhar e ter sempre uma visão crítica. A sociedade é construída a partir de todas essas correntes de pensamento e a crítica traz a revolução.

Por outro lado, é preciso também que as pessoas façam parte e se apropriem disso, façam seus investimentos, poupem, invistam e façam esse dinheiro para si próprios e para a sociedade brasileira. Se só ficamos criticando, apenas um grupo vai entender esses mecanismos, vai se apropriar das oportunidades, vai investir, ampliar seu patrimônio e o outro grupo, que recebeu só uma parte dessas informações, se assustou, ficou de fora.

Nós temos que colocar a favela e a periferia para dentro (do mercado), para ela também ter acesso aos benefícios do mundo econômico e progressão de vida.

A presença de pessoas pretas no mercado é muito pequena. Como pessoas pretas e pobres podem entrar no mercado e que distorções impedem isso?

Lyra – O racismo no Brasil é estrutural. Então, temos que fazer uma reforma na estrutura brasileira, no modelo como se contrata e procura talentos, porque senão acaba tendo uma predominância branca, como vemos hoje no mercado de capitais.

Tem que ter lideranças que queiram fazer essa transformação, que queiram estar ao lado dos pretos e fazer essa inclusão social e racial. Porque o Brasil não é só pobre, o Brasil é injusto. Essa predominância branca no segmento da sociedade é uma injustiça.

Dito isso, o mercado precisa ser o indutor desse desenvolvimento do ponto de vista de ter uma agenda de formação e de colaboração com as ONGs que estão na ponta fazendo a formação de jovens talentos negros, de ter a priorização desses talentos e dessas organizações sociais para facilitar a entrada no processo de contratação. Isso mirando a década, porque o número está tão para trás, que não vai resolver em um ano. Fazendo isso, com o tempo, podemos ter um Brasil muito mais diverso, sobretudo no mercado de capitais.

Essa mudança de realidade tende a partir do próprio mercado ou de iniciativas da própria sociedade? No final de 2021, por exemplo, começou a operação da ‘Bolsa de Valores da Favela’.

Lyra – Uma das razões de eu ter virado empreendedor social é que o mercado não me aceitava. Sendo jovem, negro, de favela, filho de ex-bandido, eu achar que uma grande companhia ia pegar o meu currículo e me dar uma atenção especial seria esperar muito, seria loucura. Então, acaba se desenvolvendo um mercado alternativo. Com essa resistência que existe hoje e um número interminável de barreiras, cada vez mais as favelas e comunicadas brasileiras vão se organizar e certamente desenvolver novos ecossistemas.

O que vai acontecer cada vez mais é as favelas desenvolverem ecossistemas de empreendedorismo, startups de tecnologia, mercado de capitais e bolsa de valores.

Olha o Favelado Investidor, a grande transformação que ele está fazendo na cabeça dos favelados, falando sobre dinheiro, investimentos, que não é pecado investir, que não é pecado poupar, que não é pecado guardar e multiplicar o seu dinheiro. Isso é de um legado crucial e quem está fazendo é um moleque que nasceu na favela, que veio do nada, que sofreu todos os perrengues.

A Naty Finanças também é um exemplo. 

Lyra – A Nathy (também). Tem uma lista. A importância do Kondzilla para o mercado musical brasileiro. A importância de caras como eu, como o próprio Celso Athayde, como outros que existem no empreendedorismo social, para construir uma agenda propositiva para o mercado, para a sociedade brasileira. São homens e mulheres que nasceram em favelas.

Não é que o empreendedor não nascido na favela não possa criar algo que toque e seja fundamental para as favelas. Ele pode, mas a distância dele desse mundo real é muito grande. Então o cara que viveu essa dor tem uma sensibilidade e um entendimento empírico do dia a dia muito grande. Se tiver somado a isso as ferramentas, o investimento e o olhar dos investidores, as favelas do Brasil podem ter uma explosão econômica. Por isso que digo que a saída do Brasil passa pelas favelas.

Agora, o Brasil, os investidores-anjos, os investidores de startups precisam ter uma tese mais ampla de investimento, precisam olhar para esses negócios, para essas pessoas. O caminho mais fácil é dizer que não tem (dinheiro). Esse é o caminho mais óbvio. Mas é lógico que tem. Então precisa estar aberto, precisa procurar, precisa ser acessível e ter trânsito nesses meios. Assim, o próximo Bill Gates pode ser um preto nascido na favela.

Como os investimentos podem ser um caminho para a redução das desigualdades, quando muita gente nem reserva financeira tem?

Lyra – Quanto mais nascerem figuras brasileiras na ponta, que vêm da favela, de periferias, desses territórios negligenciados, que conseguirem se tornar referências no Brasil e ter sua voz alçada pela mídia, pelo ambiente digital etc. Essas pessoas vão falar cada vez mais com as pessoas da ponta, cidadãos de periferias e favelas, e a conscientização vai ser ampliada e vai aumentar. É um ciclo. É uma coisa que começa a girar e leva à outra até você ter uma espiral positiva de mudança.

Como fica o seu otimismo para acabar com a pobreza, diante da notícia de que, na pandemia, a fortuna dos dez maiores bilionários dobrou enquanto 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza?

Lyra – O meu otimismo é o combustível que me move para frente. Eu não posso perdê-lo, apesar de tudo, porque senão as coisas vão ser ainda piores no Brasil. Tem uma desigualdade que cada vez se amplia mais e tem o debate público de que estas pessoas que se tornam milionárias, bilionárias, tenham que assumir uma responsabilidade maior no planeta, e não apenas extrair valor, mas criar valor, não apenas consumir, mas também construir. Temos que usar esses espaços para convocar a sociedade e a elite brasileira para assumir uma posição de liderança, de protagonismo, de doar.

O que você acha sobre a taxação de grandes fortunas?

Lyra – O mais crucial nessa história toda é que o pobre no Brasil proporcionalmente paga mais imposto do que o rico. Tem que ter uma discussão para equalizar essa desproporcionalidade. E mais do que o empresário decidir aonde vai o dinheiro dele, do imposto que ele paga, é a sociedade discutir aonde devem ser feitos os investimentos, de forma proporcional. Aonde tem mais pobreza, precisa de mais investimento.

Os estados, os municípios, os governos têm que ir para a ponta ouvir as comunidades e construir o orçamento participativo da favela, da população. Das periferias terem voz ativa e participação nas decisões econômicas, sobre para onde vai o recurso público.

‘Ah, Edu, isso é loucura’. Em Medellín (Colômbia), já é feito assim, tanto que o orçamento público é decidido com a população. Essa é a lógica econômica que deveria prevalecer, baseada no pilar da equidade.

Mas você é a favor da taxação?

Lyra – Eu sou favorável, desde que isso venha com um pacote de outras coisas, com transparência, com o fato de esse dinheiro realmente chegar na ponta, ter uma implementação participativa.

Já temos o recolhimento de bilhões de reais de impostos no Brasil. O estado brasileiro é muito rico. O problema é que esse dinheiro não chega na ponta, ele se perde no caminho. Então só recolher mais impostos não vai resolver o problema do País. Precisa ter todo um critério de reformas, que seja um pacote que obedeça o critério de ouvir o pobre e deste fazer parte da construção das políticas públicas e definir para onde vai o dinheiro.

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