Por trás dessa situação, há um conjunto de fatores que desfavoreceu o mercado acionário, como a subida vertiginosa da taxa básica de juros Selic, que saiu de 2% em dezembro de 2020 para os atuais 15% ao ano – patamar mais alto em quase duas décadas. Nessa toada, até mesmo os investidores mais arrojados aproveitaram a oportunidade de ter títulos de renda fixa, com rentabilidade superior a 1% ao mês e com baixo risco.
“Esse aumento agressivo dos juros tornou os ativos de renda fixa muito mais atraentes, tanto para o investidor final quanto para os próprios gestores de fundos”, afirma Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos. “Essa reprecificação do risco levou a uma reavaliação estrutural do peso da renda fixa nas carteiras.”
E não foi só a alta da Selic que fez encolher a fatia de renda variável brasileira nos fundos. Nessa meia década, o peso das ações brasileiras na carteira dos fundos caiu de R$ 677 bilhões para R$ 510 bilhões. O patrimônio total da indústria, por outro lado, subiu de R$ 5,2 trilhões para R$ 8,1 trilhões, o que indica um fluxo de saída de ativos de risco para outras classes.
Christopher Galvão, analista de fundos da Nord Investimentos, soma ainda o “risco fiscal” nessa conta. Ou seja, as incertezas quanto à sustentabilidade da dívida pública, em meio ao aumento de gastos do governo. “Isso se reflete em um juro elevado e, consequentemente, desfavorece a alocação e o apetite dos investidores em investir em renda variável”, afirma.
Já Roberto Cortese, diretor executivo do Apex Group para a América Latina, não vê nessa fotografia a imagem de um mercado que se tornou estruturalmente mais avesso ao risco doméstico. Para ele, os fundos mexeram pouco nas estratégias e exposições à renda variável brasileira, mas foram traídos por uma questão numérica.
“O total investido pela indústria de fundos em ações brasileiras diminuiu por conta de uma depreciação considerável no preço dos ativos. E não necessariamente porque houve saques ou uma redução de alocação”, afirma Cortese. “Por um lado, você teve a renda fixa apreciando muito. Por outro, as ações caindo.”
O fato é que em cinco anos desafiadores, alguns fundos de ações e multimercados conseguiram surfar na volatilidade e se destacaram em performance — mexendo ou não na exposição ao mercado doméstico. Os fundos Tarpon GT Master, Exploritas Latam e Opportunity Carteira, das gestoras Tarpon, Exploritas e Opportunity, foram os que mais renderam entre os FIAs. Já os fundos Ujay Diamante, Morro de São Paulo e R&C Classe de Investimento foram os melhores entre os multimercados.
O E-Investidor conversou com dois desses gestores: Daniel Delabio, gestor da Exploritas; e Claudio Coppola, gestor da Venice RC. Delabio é responsável pelo segundo fundo de ação que mais rendeu no período, o Exploritas Latam Master, com retorno de 265,57%. Já Coppola gere o terceiro fundo multimercado mais rentável, o R&C Classe de Investimento, com um retorno de 278,14%.
Delabio descreve que, até poucos meses atrás, soava estranho para um gestor dizer que tinha ações brasileiras na carteira. Historicamente, o gestor mantém uma exposição entre 45% e 60% em ações brasileiras, mas foram oportunidades em toda a América Latina que contribuiíram para o retorno de três dígitos do Exploritas Latam nos últimos cinco anos. Uma tese recente que certo, por exemplo, foi o investimento em ações e títulos de dívida da Argentina, surfando a virada política à direita no País. Operações no Chile, Peru, Colômbia e México também já estiveram no foco da casa.
Contudo, neste ano os ativos domésticos voltaram a brilhar, na visão de Delabio. Ele vê oportunidade em ações como Track&Field (TFCO4) e Cruzeiro do Sul (CSED3) em função do preço descontado e na esteira de uma possível virada política. A queda na popularidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alimenta essa perspectiva de alternância no Executivo nas eleições de 2026, que pode desencadear uma alta nos mercados, na perspectiva do gestor. “Nós estamos animados e achamos que a hora de se posicionar é agora”, diz Delabio. “Hoje nós gostamos bastante de Brasil.”
Já o gestor Coppola, do fundo R&C Classe de Investimento, mexeu pouco na estratégia nos últimos cinco anos. Em linhas gerais, ele opera em juros futuros, dólar, índice e bolsa americana — sempre com posições líquidas, que permitam uma resposta rápida às mudanças de cenário.
Após a pandemia de Covid-19, por exemplo, Coppola buscou surfar a volatilidade trazida pela crise, com uma leitura precisa dos impactos macroeconômicos. “Quando o Banco Central colocou o juro em 2%, a única certeza que a gente tinha é de que a taxa estava no piso, que era dali pra cima”, afirma. “Então fizemos operações tomadas em juro curto, que acabaram proporcionando rentabilidade.”
Em outras palavras, ele apostou, quando a Selic estava nas mínimas, que os juros iriam subir. Ele estava certo sobre isso e ganhou dinheiro na posição. Hoje, com os juros a 15%, ele também tem outra certeza. “Não dá para subir para um patamar muito maior do que o atual porque a economia real não aguenta, as empresas vão ter problemas e a destruição será maior.”
Outra certeza é que se o próximo governo não fizer cortes de gastos, a inflação deve voltar galopante, mas ele ainda não direcionou o fundo para essa visão. Coppola pretende mirar as eleições só a partir do final desse ano. Por ora, ele tem observado de perto como conduzir as carteiras diantes das incertezas trazidas pela imposição tarifária do presidente dos EUA, Donald Trump.
Isto porque a guerra comercial de Trump aumentou a percepção a risco e fez com que investidores, antes concentrados nos EUA, começassem a diversificar o capital. Isso resultou em valorização das moedas, em especial das emergentes, e deu fôlego às Bolsas.
“Hoje estamos operando esse episódio de mercado, com a volta do dinheiro para Bolsas de emergentes e a valorização do real contra o dólar”, diz Coppola.
No final, Julio Ortiz, CEO e sócio-fundador da CX3 Investimentos, resume a situação dos fundos de investimento no Brasil. Mais expostos ou não ao cenário doméstico, com estratégias em ações ou em outros mercados, vale uma máxima ao investidor. “Escolher o gestor é mais importante que escolher a estratégia”, diz.