- A avaliação é de que o governo federal teria dificuldade em convencer o Congresso a apoiar a reestatização da Eletrobras
- A cláusula que obrigaria o Executivo a pagar o triplo da maior cotação do papel nos últimos dois anos é outro obstáculo para a reestatização da companhia
- A desvalorização do papel é influenciada pelas possíveis interferências políticas e pela previsão de uma redução do valor da energia para os próximos anos
Desde a privatização da Eletrobras (ELET6) no ano passado, as ações da estatal têm enfrentado altos e baixos na Bolsa de Valores. Até o fechamento do pregão de quarta-feira (22), os papéis acumulavam baixa de 21,15% desde 10 de junho, data da desestatização. Na comparação com a máxima histórica, alcançada em novembro do mesmo ano, a queda é de 39,5%.
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Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) colocou a empresa novamente nos holofotes ao sinalizar o interesse pela sua reestatização. Com as falas, o papel caiu 3,37% no pregão de terça (21). Esse risco, no entanto, é considerado remoto por analistas do mercado financeiro, que acreditam que os investidores devem monitorar outro aspecto nesse momento: a baixa no preço da energia elétrica.
Mesmo que as recentes declarações do chefe do Executivo contribua para quedas pontuais do papel da Eletrobras, o tema não terá relevância na precificação de médio e longo prazos, isso porque a questão é vista como improvável. Já o preço da energia elétrica, visto como o “risco real” pelos analistas, deve continuar a ter influencia sobre o desempenho do papel.
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O valor da energia tem sido afetado pelo grande volume de chuvas observado desde o final de 2021. Com isso, a maioria dos reservatórios está com níveis elevados de armazenamento. “Quando olho para os próximos três anos, entendo que o preço da energia no mercado livre vai ficar baixo por bastante tempo”, avalia Marcelo Ornelas, gestor de renda variável da Kínitro Capital.
No setor de energia, a venda é feita por quilowatts/hora (kWh). Os modelos para a privatização da Eletrobras, feitos por bancos e casas de análises, estimavam o preço médio de R$ 150 por kWh para os próximos anos, o que amparava expectativa de boa performance da empresa e consequentemente das ações. O valor chegou a ser de R$ 250 em 2021. Atualmente em R$ 100, em média.
Relatório do J.P. Morgan divulgado no início de março destacou que os preços de energia elétrica negociada no mercado livre estão no seu menor patamar dos últimos 10 anos e disse não haver perspectiva de melhora para os próximos anos. A estimativa foi feita no mesmo documento em que o J.P. Morgan reduziu de R$ 58 para R$ 54 o preço-alvo da ação.
Os impactos relacionados ao baixo preço da energia para os próximos anos não é consenso. A analista de Saneamento e Energia da XP Investimentos, Maira Maldonado, por exemplo, diz que apesar de ser um elemento de relevância, a questão já está precificada. Para ela, o valor atual da ação não se justifica, estando muito abaixo do preço-alvo estimado. “Seguimos gostando do papel, achando que o desconto é exacerbado”, afirma.
Descotização
Um problema que pode acentuar os efeitos negativos para os rendimentos da empresa vem da chamada descotização, um dos pilares da privatização da Eletrobras. Trata-se de uma mudança do regime de comercialização de energia. Antes as usinas operavam em regime de cotas, vendendo a preços mais baixos que o praticado do mercado, o que historicamente refletia em prejuízos, mas mantinha a certeza das vendas.
Com a previsão de descotização gradual, a empresa passa a comercializar no mercado livre. Com a baixa nos preços e excesso de oferta, as perdas podem ser potencializadas, já que não terá contratos garantidos. “É tudo o que você não quer um ambiente de preço baixo”, diz Ornelas.
Reestatização
No curto prazo, ainda que a reestatização seja encarada como uma “bravata”, a mera chance de interferência política segue pesado para a desvalorização. “Nós observamos que esse medo e esse ruído político têm sim pressionado o preço da ação nos últimos meses. Principalmente a partir de fevereiro”, afirma a analista da XP.
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Para Maldonado, não se pode dizer que a reversão da privatização é impossível, mas ela acredita em freios. “Foi uma lei aprovada não só pelo Legislativo e Executivo, como avaliada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o que traz segurança jurídica”, considera sobre a lei 14.182/2021, que permitiu a desestatização.
Dessa forma, se houver, de fato, um plano para reestatização da Eletrobras, a primeira grande questão para o governo resolver seria conseguir convencer os deputados federais e senadores a seguir em frente com a ideia, o que seria difícil para a gestão atual, que não tem ampla margem de apoio no Congresso.
Outro obstáculo importante é a cláusula que obrigaria o Poder Executivo a pagar o triplo da maior cotação do papel nos últimos dois anos, uma soma que hoje representaria R$ 161,7 bilhões caso o governo decidisse retomar o controle da empresa. “Nos parece muito improvável até pelos problemas fiscais do País”, diz o analista da Empiricus sobre o dinheiro público que seria gasto na operação.
O que fazer com as ações?
A ELET6 tem histórico de fortes oscilações nos últimos cinco anos. Em março de 2020 chegou a valer R$ 18,80. Um ano antes da privatização, em junho de 2021, era cotada a R$ 45,00. Em baixa observada em janeiro do ano passado, foi vendida a R$ 29,99, dez meses antes de atingir a máxima histórica, a R$ 54,94 em novembro.
Entre as carteiras recomendadas por 11 corretoras neste mês, quatro indicam a Eletrobras: Ativa Investimentos, EQI Research, Órama e Terra Investimentos. No mesmo levantamento feito em fevereiro, de 14 corretoras, sete indicavam o papel. Em janeiro, entre as 13 consultadas, quatro tinham as ações na carteira. Ou seja, a ação é uma das preferidas do mercado para este ano, pelo menos até agora.
“A nossa visão é de que, apesar dos ruídos recentes, a ação ainda apresenta uma boa atratividade”, considera Hungria, da Empiricus. Ele indica manter o papel na carteira, por entender que os próximos anos ainda devem apresentar bons frutos para o papel. A expectativa é de resultados frente a gestão privatizada e mudança na forma de comercialização.
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Para o analista Mario Goulart, apesar de ele próprio não ver as ações como atrativas, não há razão para abrir mão do papel por conta do debate atual sobre reestatização. “Se tem a ação, acho mais prudente segurar porque pode estar havendo um pessimismo em excesso”, afirma.
A decisão de manter ou não o ativo, segundo Ricardo Brasil, da Gava Investimentos, deve sair das razões que embasaram a compra, o que depende de cada perfil de investidor, podendo olhar para o curto, médio ou longo prazo. “Para o investidor que comprou com algum fundamento sólido, mantenha, porque nada mudou na gestão da empresa”, diz.