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O mercado brasileiro pode comportar duas bolsas de valores?

Mubadala Capital e ATG planejam concorrer com a B3, mas enfrentam obstáculos para atrair investidores e operações

O mercado brasileiro pode comportar duas bolsas de valores?
(Foto: Adobe Stock)
O que este conteúdo fez por você?
  • Veja os obstáculos e as oportunidades para os novos entrantes no mercado de bolsa, como a liquidez, os custos, a tecnologia e a cultura de investimento
  • B3 se consolidou como líder de mercado e tem vantagens competitivas em relação aos novos concorrentes
  • Mercado, por outro lado, vem buscando opções justamente onde a B3 tem dificuldade em entregar

Para bater de frente com a B3 (B3SA3), empresa que ao longo das últimas décadas consolidou o mercado de bolsa de valores no Brasil, uma nova operação teria de vencer duas barreiras de entrada: injeção intensiva de capital e liquidez. Afinal, o mercado de capitais brasileiro tem espaço para duas bolsas?

Em se tratando do Mubadala Capital, fundo soberano de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, entregar um ambiente de fácil negociação de ativos parece ser o principal obstáculo.

No último fim de semana, o colunista de O Globo, Lauro Jardim, informou que o Mubadala Capital planeja lançar uma nova bolsa de valores no Rio de Janeiro em 2025, concorrendo com a B3. O Valor também noticiou que a Americas Trading Group (ATG) teria planos semelhantes. As notícias chegaram a causar queda de 3,2% nas ações da companhia brasileira na segunda-feira (4).

“O negócio mais importante para se ter uma bolsa saudável é ter liquidez, com muitas pessoas negociando. Se não for assim, perde-se o propósito”, diz o Portfolio Manager da Multinvest Capital, Thiago Kramer.

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O problema, explica Kramer, é que o mercado brasileiro é pequeno em relação aos principais operadores mundiais, uma avaliação que é compartilhada por outros gestores. “A gente sente isso quando o estrangeiro entra e sai da Bolsa, puxando sua valorização ou desvalorização. Nosso volume não é tão expressivo”, comenta Luiz Fernando Araújo da Finacap.

No geral, a principal desconfiança dos agentes do mercado em relação a um novo entrante na operação de Bolsa é que o Brasil tem um número pequeno de investidores pessoa física residentes, um percentual que não chega a 5% da população. Um ambiente diferente do que é visto nos EUA, país com uma cultura totalmente voltada para investimentos em bolsa de valores e assunção de riscos.

Momento oportuno

Para o head de renda variável da B.Side, Pedro Marcatto, o momento sinaliza positivamente para um novo entrante. “Hoje vemos um aumento do volume de negociação no mercado com a queda de juros, isso traz maior atratividade ao risco”, comenta.

Marcatto considera que há espaço para uma nova operação de Bolsa no Brasil. “Primeiramente por ser um setor monopolista no Brasil, o que traria uma dinâmica de preços mais competitiva e beneficente ao investidor.”

A premissa por trás desse argumento é que toda a liquidez do mercado de renda variável se concentra hoje na B3 e há exemplos de empresas que optaram por abrir ou migrar o capital para a bolsa americana, por motivos de custos e visibilidade de mercado. “São pontos que um novo agente no setor pode vir a provocar para que isso seja mantido em ambiente nacional”, diz Mercatto.

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Custos, aliás, são um dos pontos de maior desafio para um novo entrante, na avaliação de Carlos Reissmann, CEO da Criteria. “A B3 é líder disparado de mercado, praticamente monopólio, e incrementar linhas de produtos seria um custo marginal. Possíveis novos players teriam de desenvolver toda uma tecnologia que a B3 já dispõe”, comenta o executivo.

B3 é difícil de bater

Reissman lembra que a B3 é uma empresa aberta, capitalizada, com know-how construído ao longo de anos e que absorveu boa parte dos outros players, a exemplo da Cetip. “Esse é um pleito complexo, muito disputado e de capital intensivo. Então, todas as operações partem um pouco atrás porque terão um competidor que pode abrir mão de margem, dado que já tem um negócio estabelecido”, completou Reissman.

Osvaldo Moraes, que também opera pela Multinvest Capital, vê pouco espaço para um novo player, apesar de ver com bons olhos o resultado da concorrência nos custos para os clientes. “Mas vejo com ceticismo”, diz. “Como empresa, a B3 não é tão lucrativa.” Na visão do operador, mesmo concentrando toda a parte de registros, o sistema de controle não consegue entregar grandes resultados em relação aos bancos.

Em análise divulgada neste fim de semana, o Goldman Sachs destaca que a B3 vem sendo negociada a 15,3 vezes o preço por lucro da ação, métrica para avaliar o valor que o mercado está atribuindo a uma determinada operação. Segundo o banco, esse múltiplo é 13% abaixo da média histórica de 17,6x. “As ações também são negociadas abaixo das bolsas globais, que estão em 22,8x, mas acima da mediana de instituições financeiras brasileiras, excluindo bancos, que está em 12,6x.”

Mercado demanda mais produtos e serviços

O mercado, por outro lado, vem buscando opções justamente onde a B3 tem dificuldade em entregar. “A gente tem visto produtos cetipados em algumas plataformas, como XP e BTG. Na parte de negociação de renda fixa, tem muita oportunidade. É um mercado gigantesco e quem está absorvendo são as corretoras”, comenta Reissman da Criteria. “Ter uma Bolsa para ter esses instrumentos faria sentido”, pontua.

Apesar da história de consolidação do mercado nacional, que já teve bolsas em praticamente todos os Estados brasileiros até o ano 2000, há uma avenida de oportunidades em produtos financeiros que poderiam se destacar com maior eficiência e menores custos.

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“A CVM tem feito vários esforços com sandbox regulatórios para permitir bolsas de acesso a empresas de menor capitalização”, relembra Kramer da Multinvest. A BEE4 é um exemplo de bolsa para empresas médias, ou um “ambiente de negociação de ações tokenizadas de PMEs”, como a empresa gosta de ser identificada.

“A entrada de novos players no mercado é um movimento natural no tempo, em linha com o que foi acontecendo com outras jurisdições pelo mundo”, diz a CEO da BEE4, Patricia Stille.

A executiva explica que a atuação de seu grupo é um complemento às bolsas tradicionais. Da mesma forma, sem concorrer diretamente com a B3, as corretoras também lançam mão de produtos como o RLB, o “provedor de liquidez” da XP, e outras oportunidades no mercado de balcão de aluguel de ações, opções e a já citada renda fixa.

“Tem uma série de mercados mais nichados que a B3 não atende de forma satisfatória e que poderiam ser promissores para uma nova bolsa”, diz Kramer.

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